A digitalização está mudando rapidamente o caráter do trabalho em todo o mundo. Com os bloqueios do covid-19 as mudanças foram aceleradas pela maior adesão ao home-office. Uma economia digital global abriga novas oportunidades e para que refugiados e migrantes consigam empregos decentes, entretanto eles enfrentam muitos desafios para acessar esse novo mercado. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) lançou o novo relatório “A subsistência digital dos refugiados e o trabalho decente: Rumo à inclusão em uma economia digital mais justa” que explora o crescente papel das economias digitais para refugiados, incluindo estudos de caso da Ásia, África, Oriente Médio e Europa. O texto traz cinco recomendações para integrar os refugiados na economia digital e doze objetivos para garantir melhor acesso e condições mais dignas e justas.
“Os refugiados (…) freqüentemente enfrentam a exclusão de setores dos mercados de trabalho locais, eles lutam para aprender novas línguas nas comunidades anfitriãs e muitas vezes não podem credenciar suas qualificações pré-existentes”, disse Andreas Hackl, professor da Universidade de Edimburgo, que é um dos autores do relatório.
Atualmente, em vários lugares, organizações utilizam a tecnologia digital em programas de subsistência, emprego e treinamento entre refugiados e migrantes. É o caso da empresa brasileira Toti, uma plataforma que ensina programação para refugiados e imigrantes em situação de vulnerabilidade social, com o objetivo de integrá-las no mercado de trabalho. Entretanto, para garantir a possibilidade de subsistência de migrantes e refugiados na economia digital, é necessário entender todas as possibilidades e limitações da tecnologia.
“O ecossistema mais amplo de subsistência digital entre os refugiados envolve uma diversidade de atividades no trabalho, aprendizado e empreendedorismo, juntamente com um conjunto de importantes campos relacionados à infra-estrutura e conectividade que medeiam o acesso digital. Estes incluem a conectividade à Internet, computadores e hardware móvel, mecanismos de pagamento, leis e regulamentações nacionais e internacionais, e os diversos contextos sociais e econômicos de cada localidade e população refugiada”, diz o relatório.
O texto exemplifica com dois casos de treinamento de habilidades digitais para refugiados, o da Escola ReDi na Alemanha e o Treinamento de Habilidades Digitais (DST) no Líbano, mostram o apelo que o setor tem para os refugiados. “Os estudantes das escolas de codificação são atraídos pela poderosa ideia de que qualquer pessoa pode se tornar um codificador e ganhar um salário decente desde que tenha o desejo e o compromisso de aprender. Este apelo foi acompanhado por uma promessa percebida de fácil acesso e inclusividade, contornando as barreiras convencionais de acesso a mercados de trabalho qualificados”.
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“A pandemia COVID-19 acelerou uma mudança global para o trabalho remoto em meio ao desemprego generalizado, acrescentando mais credibilidade à promessa de que o trabalho digital oferece uma fonte alternativa de geração de renda inexplorada em um momento em que o acesso dos refugiados ao trabalho local informal e formal é fortemente restrito.”, afirma.
Entretanto, a economia digital oferece suas próprias barreiras. Cerca de sessenta por cento dos ex-alunos que se formaram entre 2016 e 2019 na ReDI foram empregados em 2020, dois terços em tempo integral, mas ex-alunos refugiados tiveram taxas de emprego mais baixas do que os migrantes com outros status legais. Alguns deles enfrentaram discriminação no mercado de trabalho e muitas vezes acabaram em empregos exploradores e mal remunerados. Eles também enfrentam dificuldades em se integrar na cultura de trabalho em um setor predominantemente masculino e branco.
No Líbano, o treinamento aumentou a autoconfiança e coesão social, entretanto, uma pesquisa com 542 participantes do DST mostrou que apenas treze por cento estavam empregados. O Líbano não é signatário de convenções internacionais de refugiados, os Sírios no Líbano são legalmente limitados ao trabalho na agricultura, construção e serviços de limpeza. A maioria deles vive e trabalha de forma informal, sem ter o emprego ou a residência formalmente reconhecida. O trabalho online era uma promessa para superar “as restrições locais de trabalho e permitir que as pessoas para contornar as barreiras do trabalho informal como a xenofobia”, além do trabalho online de refugiados para empresas estrangeiras não ser explicitamente ilegal. A DST se concentrou em oferecer o treinamento digital, sem acompanhamento para garantir o emprego aos participantes. Em 2019, as autoridades governamentais expressaram “preocupação em fornecer treinamento de habilidades digitais vocacionais para sírios” e o programa se tornou restrito aos participantes libaneses em 2020.
Muitos dos refugiados enfrentam desafios básicos para conseguir entrar nesse mercado, como a falta de acesso à internet e a um computador. “Como você pode se tornar um programador profissional sem acesso à internet?”, perguntou um jovem de dezessete anos no campo de refugiados de Kakuma, no Quênia. O estudo em dois assentamentos de refugiados no Quênia e Uganda mostraram que idade, gênero e educação influenciam no acesso digital; os homens, mais jovens e mais instruídos tinham maior probabilidade de acessar smartphones e internet móvel. As barreiras mais significativas eram baixa conectividade e eletricidade e altos custos de dados e dispositivos móveis.
Os esforços para integrar os refugiados nessa economia devem ser acompanhados de um esforço mais amplo para garantir melhores condições, a fim de não aumentar a marginalização e precariedade económica. A “uberização” da economia, ou os microtrabalhos – “bicos” online – só podem ser vistos como um elemento a mais para complementar a renda e não uma solução. As atividades do mercado de trabalho coordenadas pelas plataformas digitais, ou economia de “bicos”, não oferecem atualmente um caminho viável para um trabalho decente.
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Para as mulheres refugiadas, essa economia oferece uma série de outros desafios; os serviços sob demanda que acontecem nas casas dos clientes trazem preocupações de segurança, o trabalho em casa pode levar ao isolamento e más condições de trabalho. Além disso, esse tipo de trabalho torna as mulheres e suas famílias vulneráveis, sem garantias quanto ao desemprego, doenças e licença à maternidade.
Segundo o relatório, a covid-19 mudou a perspectiva de muitos empregadores sobre o trabalho remoto e fez com que considerassem mais os refugiados como possíveis empregados. Entretanto, esses empresários mantêm uma série de percepções que são barreiras para esses empregos, mantendo os mesmos preconceitos:
“Uma percepção é que o ambíguo status legal dos refugiados representa um risco para as empresas, com preocupações sobre seu direito ao trabalho. Outras questões levantadas por empregadores remotos em relação à perspectiva de contratação de refugiados centraram-se em torno de sua conexão inadequada à Internet e da falta de acesso ao hardware, bem como preocupações sobre a adequação da localização dos refugiados como um local viável para se trabalhar. As empresas expressaram ainda a preocupação de que os refugiados deveriam ter a “sensibilidade cultural” para trabalhar com empresas e colegas ocidentais, e que eles precisavam das “habilidades brandas” e habilidades linguísticas corretas para trabalhar remotamente em uma equipe.”
O documento traz diversas recomendações para um esforço global em direção a oportunidades justas e decentes para os refugiados na economia digital. Para garantir o direito de subsistência dessas pessoas nesse novo mercado, os governos precisam melhorar o acesso dos refugiados à internet; aprofundar os esforços para construir habilidades digitais entre eles que aumentem sua empregabilidade; trabalhar em prol de melhores e mais decentes condições de trabalho para freelancers e empreendedores refugiados, reforçando os mecanismos de proteção; apoiar os empregadores remotos de refugiados com assistência financeira e técnica, para garantir melhores condições de trabalho e pagamento mais altos; tratar especificamente das barreiras e obstáculos aos meios de subsistência digitais de refugiados colocados pelos regimes legais e políticos.
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