Quando os palestinos enfrentam o prospecto de colonização das últimas porções restantes de sua terra por Israel, a resposta certamente não é colaborar com um estado de apartheid de extrema-direita. Ainda assim, foi o que fez Mansour Abbas ao coligar-se com o novo governo israelense, liderado por Naftali Bennett.
Dentre outras declarações, uma entrevista recente e duradoura de Abbas à revista Time, é repleta de contradições e cumplicidade. Na superfície, o político islâmico resume sua decisão de filiar-se à coalizão pelo pretexto de “tranquilizar a região e trazer um sentimento de esperança de que é possível viver em união”. O próprio Abbas, no entanto, considera a possibilidade de estar equivocado.
Custa imaginar que uma expressão como “parceria política e diálogo tolerante” pudesse estar presente nos árduos diálogos políticos por trás de sua decisão. Não há nada remotamente tolerante sobre a ideologia colonial de assentamentos ilegais e seu estado que busca deliberadamente destruir a Palestina histórica e seu povo nativo.
Ao longo da ofensiva israelense contra a Faixa de Gaza e a expropriação do bairro de Sheikh Jarrah, em Jerusalém ocupada, palestinos em toda a comunidade uniram-se contra a violência colonial. A decisão de filiar-se à coalizão de governo, a qual Abbas alega priorizar os palestinos que vivem em Israel — isto é, no território ocupado durante a Nakba ou catástrofe, em 1948 —, potencialmente fragmenta as novas chances de um processo de união há muito necessário. Um palestino que sustenta diretamente o regime de Bennett impõe um precedente perigoso, que arrisca uma alienação ainda maior da sociedade palestina.
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Narrativas de deslocamento forçado na memória coletiva do povo palestino sempre foram um fator de união. No entanto, entre as elites políticas nacionais, novos padrões de traição agora se formam. Não trata-se apenas da corrupção na Autoridade Palestina, imposta à população ocupada, mas também a colaboração no Knesset (parlamento israelense), que levou à ascensão de um antigo líder colonial que eleva à literalidade sua proposta de apagamento do povo palestino. Bennett, vale lembrar, vangloria-se de matar árabes.
Abbas pode até enaltecer sua decisão, mas retratá-la como vitória palestina é, no mínimo, hipócrita. Israel não somente ignora qualquer processo de conciliação e muito menos reconhece seu papel na limpeza étnica em curso, como suas ações também ilustram que o projeto colonial avança a todo vapor. Onde está a vitória em recrutar-se a uma aliança que promove a ideia de “Grande Israel” como solução final? Qual paz Abbas espera alcançar enquanto o povo que alega representar permanece abandonado como resultado direto de sua colaboração com o projeto sionista colonial? E por qual razão ele teria o direito de dividir a luta palestina por libertação com base em identidades que emergiram após a Nakba?
Em termos éticos, a decisão de Abbas negligencia toda e qualquer racionalidade. O mesmo vale para seu aspecto político. Posta de lado toda a retórica sobre tolerância e paz, a imagem emergente de mais outra traição contra o povo palestino apenas encoraja a propensão de Israel de demonstrar poder, mesmo que a deposição do ex-premiê Benjamin Netanyahu seja capaz de brevemente retirar a atenção do que em está em jogo.
Desta forma, Mansour Abbas jurou cumplicidade a todas as formas de violência colonial perpetradas por Israel. Custa levá-lo a sério quando chama a Marcha da Bandeira, mobilização ultranacionalista sobre as ruas de Jerusalém ocupada, como “provocação excessiva” — o que obviamente é. A Marcha da Bandeira, não obstante, possui menos valor prático do que um político palestino que se dispõe a cooperar com grupos coloniais, ao abrir assim um novo capítulo na normalização de Israel — logo quando o povo palestino demonstra enorme união e resistência por sua terra e seus direitos.
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