Sempre que Israel bombardeia Gaza, espera-se que países doadores remexam em seus tesouros e gerenciem a subsequente crise humanitária. O rescaldo da última agressão colonial israelense ao território sitiado não é diferente. Por um lado, a reconstrução de Gaza provavelmente seguirá mecanismos já estabelecidos, conforme os quais a Organização das Nações Unidas (ONU) exerce um papel determinado por Israel. Para as demandas mais imediatas do povo palestino — em situação mais precária do que jamais esteve —, o governo israelense busca países dispostos a aliar-se ao Catar para ajudar famílias desesperadas.
Dois países europeus se apresentaram até então: Alemanha e outro ainda não divulgado. Israel tenta explorar a reconstrução para exigir a soltura de dois civis israelenses e a liberação dos corpos de dois soldados israelenses capturados pelo Hamas. As organizações palestinas repudiaram a demanda e comunicaram sua decisão à ONU no último mês.
Até agora, o único dilema proposto pela comunidade internacional é a questão de reconstruir Gaza sem envolvimento do Hamas, sob pretexto de assegurar que recursos e materiais sejam utilizados apenas em âmbito civil pelo povo palestino. Para implementar tal estratégia, a Autoridade Palestina — órgão conhecido por sua corrupção mesmo entre doadores que continuam a financiá-lo — deveria exercer um papel ao lado de Israel. De fato, a autoridade em Ramallah contribui para a crise humanitária de Gaza ao impor suas próprias sanções para desestabilizar o Hamas e reduzir seu apoio político e sua influência. A Autoridade Palestina não está em posição de garantir que a ajuda chegue à população mais carente, sem que oficiais primeiro arrecadem sua “parte” — é ingênuo crer no contrário.
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Dado que a comunidade internacional equipara os palestinos com a assistência humanitária, pouco se questiona sobre as expectativas de que outros países reconstruam Gaza após bombas israelenses destruírem vidas e infraestrutura. Também aterrador é o fato de que a comunidade internacional não contesta o paradigma de arrumar a casa após a chacina israelense. É mais do mesmo: os Estados Unidos pagam pelas bombas; outros pagam para limpar a bagunça.
Bilhões de dólares em ajuda militar desfiguraram Gaza para além de qualquer esperança de reconstrução adequada, com ataques aéreos israelenses cada vez mais frequentes. A comunidade internacional, cega como é pela distorcida narrativa de segurança da ocupação colonial, não hesita em permitir que o território costeiro seja utilizado como campo de teste de novas armas, à medida que os palestinos nada mais são do que elementos isolados de uma narrativa assistencial, lucrativa tanto para o colonizador quanto para estados doadores.
A ajuda humanitária deveria ser um esforço temporário, não parte integrante do projeto de colonização. Quando se agrava a crise humanitária, Israel busca silenciar os palestinos através de aliados europeus — os mesmos que supostamente defendem o estabelecimento de um “estado palestino viável e independente”.
Neste entremeio, via doações em troca de silêncio, a assistência humanitária efetivamente concede mais benefícios a Israel do que incentivos à população nativa. A política humanitária concentra-se, na prática, em impedir a emergência de um estado palestino. Em Gaza, o socorro enviado após a destruição da infraestrutura local mantém os palestinos concentrados na mera sobrevivência imediata, relegando qualquer ação política a outro momento.
Sem apontar a responsabilidade de Israel, parece não haver problemas em recrutar países para reparar os danos de suas bombas e sua política de limpeza étnica sobre os palestinos. Apelos por justiça e sanções contra o estado colonial de assentamentos ilegais são ignorados. Quando governos estrangeiros se propõem a remeter ajuda financeira a Gaza, deixemos claro: a fachada humanitária não compensa os danos políticos impostos pela colaboração com os massacres de Israel.
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