A acusação de antissemitismo tem sido mais uma das estratégias utilizadas por Israel para deslegitimar e fazer com que a opinião pública condene quem se opõe às políticas de apartheid e limpeza étnica adotadas contra o povo palestino. Essa alegação de antissemitismo geralmente se soma à acusação de vínculo com “grupos terroristas palestinos”.
Os sionistas usam o antissemitismo como justificativa para a existência do Estado de Israel e como recurso contra quem, segundo eles, quer derrubar “a única democracia do Oriente Médio”. Essa desavergonhada manipulação é um dos fatores da perda de apoio de Israel por parte de judeus em todo o mundo, como ocorre nos Estados Unidos, e de movimentos da juventude judaica israelense, que se negam a prestar o serviço militar e compactuar com as agressões sistemáticas das forças de ocupação contra palestinos.
Semitas e antissemitismo
Para que possamos começar essa discussão, é necessário entender o que é o antissemitismo, suas raízes e quem são os semitas. Diz-se que semitas são os descendentes de Sem, filho do Profeta Noé e personagem bíblico do Antigo Testamento. São eles: hebreus, árabes, assírios e outros povos originários do norte da Península Arábica. As três grandes religiões monoteístas – islâmica, cristã e judaica – possuem raízes semitas, e não apenas os judeus. Etimologicamente, o termo antissemitismo significa aversão aos semitas. O termo foi criado na Alemanha, no final do século XIX, como uma tentativa de explicar cientificamente o Judenhass, palavra alemã que significa “ódio aos judeus”.
O problema judaico, o antissemitismo e a perseguição aos judeus são fenômenos fundamentalmente ligados à história europeia, não à história dos árabes ou muçulmanos. O argumento da existência desse “ódio aos judeus” foi utilizado pelo movimento sionista, fundado em 1897 por Theodor Herzl, para definir um dos centros da luta do movimento que tratava de libertar os judeus, resolver o problema do antissemitismo no Ocidente e defender o direito à autodeterminação dos judeus e à existência de um Estado nacional judaico, independente e soberano, nas terras pertencentes milenarmente a palestinos.
Historicamente, não se pode negar o antissemitismo e os pogroms, palavra russa que significa “causar estragos” e foi usada para designar a perseguição a judeus na Rússia e no leste europeu, até desembocar no nazismo. O flagelo do antissemitismo é uma forma repugnante de racismo que discrimina judeus apenas por quem eles são, e, portanto, muito semelhante a todas as outras formas de racismo dirigidas a seres humanos, sejam eles muçulmanos, cristãos, de outras religiões ou mesmo sem religião, negros, pessoas de ascendência asiática, árabes etc., e, por isso mesmo, todas as formas de preconceito e racismo precisam ser confrontadas e eliminadas.
Contudo, há muitos judeus e israelenses, conscientes dos crimes praticados pelo colonialismo sionista, que se envergonham com o que Israel tem feito em seus nomes. Esses judeus de princípios têm condenado consistentemente as violações de Israel contra os direitos humanos palestinos, seu colonialismo de colonos e o apartheid racista praticado sob o manto do judaísmo. Os palestinos sempre conviveram com judeus na Palestina, desde antes de 1948, o que atesta que a acusação de antissemitismo feita à resistência palestina é uma distorção do que realmente acontece hoje, porque são os palestinos que sofrem diariamente com violências e desrespeito à sua condição humana, por serem árabes palestinos.
Antissemitismo como forma de intimidação e perseguições
A acusação de antissemitismo usada por Israel e seus apologistas é muito conveniente e útil quando eles estão sem argumentos. É usada para intimidar os críticos de Israel ou para esterilizar a discussão e desviar a atenção dos problemas reais, quando é sabido que as forças da resistência e os movimentos de solidariedade ao povo palestino rejeitam fortemente as narrativas com viés religioso ou sectário da luta contra a ocupação, condenando qualquer forma de perseguição ou a negação de direitos, seja de judeus, árabes ou qualquer outra pessoa e grupo.
As vítimas mais frequentes são o Movimento de Boicote, Desinvestimentos e Sanções (BDS) a Israel; políticos, como o trabalhista inglês Jeremy Corbyn e o brasileiro Guilherme Boulos; acadêmicos, como os escritores Edward Said e Noam Chomsky; movimentos antissionistas; e até a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados (UNRWA na sigla em inglês). Para os sionistas, qualquer movimento ou pessoa que defina Israel como um apartheid ou denuncie seus crimes de lesa-humanidade é antissemita.
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Por outro lado, o lobby a favor de Israel, além de instrumentalizar a narrativa midiática, compra a lealdade de políticos, governos e bancadas nas casas legislativas de vários países. A partir dessa influência, israelenses cooptam igrejas evangélicas e põem-nas para trabalhar em seu favor, baseados na lenda de que o estabelecimento do Estado de Israel em 1948 está de acordo com a profecia bíblica do “retorno dos judeus à terra prometida”. Eles lançam uma cortina de fumaça sobre a usurpação da Palestina com apoio das potências do Ocidente desde 1947, sendo a maior ocupação por assentamentos judeus, um colonialismo que foi derrotado por grande parte do mundo e precisa desaparecer da Palestina.
Além disso, os sionistas usam o holocausto de judeus ocorrido na Europa como uma indispensável e conveniente arma ideológica em seu favor nessa política de criar disfarces e deturpar fatos. O escritor de origem judaica Norman G. Filkelstein, que teve grande parte da sua família assassinada nos campos de concentração nazista, escreveu em A indústria do Holocausto que “a maior parte das pessoas desconhece o fato de que o movimento sionista, que sempre invoca o horror do holocausto, tenha colaborado ativamente com o inimigo mais feroz que os judeus já tiveram [o nazismo].”
Há uma clara distinção entre o antissemitismo, por um lado, e as críticas legítimas às políticas degradantes e opressivas de Israel contra o povo palestino, por outro. O Movimento de Resistência Islâmica (Hamas), por exemplo, que é frequentemente acusado de antissemitismo pelos ocupantes sionistas, tem como prática não manifestar ou apoiar nenhuma conduta contra os judeus por quem eles são. O programa do movimento de 2017 afirma que sua luta é contra “o projeto sionista, não contra os judeus por causa de sua religião. O Hamas não trava uma luta contra os judeus porque são judeus, mas trava uma luta contra os sionistas que ocupam a Palestina.”
As forças da resistência palestina e o movimento de solidariedade internacional são contra Israel enquanto um estado colonial que ocupa a Palestina e sujeita o seu povo aos horrores da guerra, da colonização e do deslocamento, e não por ser um “estado judeu”. O conflito com Israel é fundamentalmente político, e os palestinos estão lutando por liberdade e autodeterminação. Se a Palestina tivesse sido ocupada por outro povo que tivesse uma religião semelhante ou diferente, o povo palestino estariam lutando contra ela com toda a força com que vem lutando nesses 73 anos de apartheid e usurpação israelense.
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