No dia 11 de julho houve protestos populares em cerca de 50 cidades cubanas. São os maiores protestos desde o “maleconazo” de 5 de agosto de 1994.
O agravamento da pandemia com o colapso hospitalar em Matanzas, a recessão econômica que chegou a 11% em 2020, e a falta de liberdades democráticas são as razões da insatisfação popular.
Miguel Diaz-Canel, líder do regime cubano, fez o de sempre. Denunciou os manifestantes como contra-revolucionários e agentes do imperialismo ianque; e convocou as forças especiais boinas negras e paramilitares às ruas para reprimir os protestos. Um manifestante foi morto, 500 foram presos e o serviço de internet foi suspenso.
El bloqueo cruel, genocida y asfixiante es el mayor daño humanitario que sufre Cuba. #EliminaElBloqueo #CubaVivahttps://t.co/hKhUDiSJvc
— Miguel Díaz-Canel Bermúdez (@DiazCanelB) July 10, 2021
Joe Biden, o novo chefe do imperialismo americano, também fez o de sempre. Criticou a falta de liberdade em Cuba mas manteve o criminoso bloqueio econômico que já dura 61 anos.
Uma revolução contra o imperialismo
A revolução cubana de 1959 representou um ponto de virada no continente americano. Além de derrubar a ditadura de Batista, a revolução avançou e nacionalizou as empresas estrangeiras em 1961 após o bloqueio americano no ano anterior. Os Estados Unidos ainda tentaram invadir Cuba mas foram derrotados na Baía dos Porcos.
Ou seja, a revolução cubana mostrou que é possível derrotar o imperialismo americano. Também mostrou que, através da nacionalização e planificação da economia, é possível eliminar a fome e o analfabetismo.
Desta forma Cuba se tornou um símbolo de libertação para os povos de todo o mundo.
A grande limitação da revolução cubana foi a falta de liberdades democráticas que impossibilita o avanço da revolução.
A questão das liberdades democráticas e do poder operário e popular
A falta de liberdades democráticas – a liberdade de expressão, de associação, de imprensa, o direito de greve – e de um poder democrático através de conselhos operários e populares tiveram dois efeitos destrutivos ao longo dos anos. O primeiro é a alienação da população devido ao tolhimento do protagonismo da classe trabalhadora. O segundo é a acomodação e burocratização dos dirigentes cubanos. O exercício autoritário do poder levou-os à aquisição de privilégios econômicos e políticos cuja manutenção depende da permanência eterna desses dirigentes à frente do partido comunista e do regime.
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A falta de liberdades democráticas e de conselhos democráticos operários e populares persiste até os dias atuais. Um exemplo disso é o índice mundial de liberdade de imprensa da conhecida ONG Repórteres sem Fronteiras. Entre 180 países, Cuba se encontra na posição 171, entre a Síria e a Arabia Saudita, países conhecidos pelo cerceamento da imprensa.
À falta de liberdades democráticas e de conselhos democráticos, se junta a outra questão crítica: a troca do internacionalismo para expandir a revolução pelo socialismo em um só país.
“A Nicarágua não será uma nova Cuba”
Nos primeiros anos após a revolução, Ernesto Che Guevara levou a voz de Cuba pela libertação dos povos para muitos países, entre os quais a Argélia revolucionária, a Faixa de Gaza na Palestina e até mesmo para o Brasil, onde de passagem foi condecorado com a Ordem do Cruzeiro do Sul pelo presidente Jânio Quadros em 1961. Depois, organizou focos de guerrilha no Congo e na Bolívia onde, já preso, foi covardemente assassinado pelas forças de repressão em 9 de outubro de 1967.
Nos anos 1970s a política externa de Cuba muda completamente e culmina com uma orientação nefasta para a revolução centro-americana: a de que a Nicarágua revolucionária não deve se tornar uma nova Cuba. O sandinismo adotou essa recomendação e, além de preservar toda a burguesia dissociada da ditadura de Anastasio Somoza, compôs o primeiro governo com Violeta Chamorro, a viúva do proprietário do jornal oposicionista La Prensa.
Essa política, embora tenha atraído a simpatia de alguns governos burgueses latino-americanos, manteve o isolamento de Cuba. Mas o golpe de misericórdia na revolução cubana ainda estava por vir.
O período especial e a desnacionalização da economia
O fim da União Soviética, fruto das políticas de restauração do capitalismo levadas a cabo pelo partido comunista (a perestroika e glasnost a partir de 1986) e das revoluções democráticas no leste europeu e da luta das nacionalidades oprimidas contra o “cárcere dos povos”, teve efeitos devastadores sobre Cuba.
Boris Yeltsin, velho dirigente do Partido Comunista agora convertido ao capitalismo, rompeu os acordos de troca de petróleo soviético pelo açúcar cubano, o que levou Cuba à depressão econômica e o povo cubano a todo o tipo de privações que nunca existiram desde a revolução de 1959.
A solução definida pelos dirigentes cubanos foi a desnacionalização da economia, o fim da planificação estatal e do monopólio do comércio exterior.
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Multinacionais espanholas, francesas, italianas, portuguesas, canadenses, chinesas e mexicanas vêm tomando setores definidos pelo regime cubano como prioritários: o turismo, a agricultura, a indústria, a mineração, energia, a farmacéutica, a biotecnologia e o comércio atacadista. Permanecem preservados os serviços de saúde e educação, além de telecomunicações e sistema financeiro. (I)
Mais recentemente foi criada a zona especial de desenvolvimento de Mariel ao redor de um moderno porto administrado por uma empresa de Cingapura, de frente ao estado estadunidense da Flórida.
Há também capitalistas cubanos e a GAESA (Grupo de Administração Empresarial S/A) – grupo empresarial das Forças Armadas Revolucionárias que atua em muitas áreas como turismo, comércio de varejo em moeda estrangeira, aduanas e portos controlando ao redor de 30% da economia cubana. Esse modelo empresarial controlado pelas forças armadas é muito parecido com o modelo egípcio (onde o Ministério da Defesa, da Produção Militar e a Organização Árabe de Industrialização controlam metade da economia) e o modelo iraniano (com várias empresas pertencentes à Guarda Revolucionária).
Esses capitalistas cubanos e a GAESA podem se associar ao capital estrangeiro e formar empresas mistas.
O atual modelo cubano é similar ao modelo chinês e vietnamita que combinam um regime autoritário de partido único com uma economia de mercado capitalista.Os efeitos desse modelo sobre a classe trabalhadora não diferem de outros países capitalistas com regimes autoritários. De um lado os salários são muito baixos e os direitos trabalhistas limitados. Por outro lado, não há liberdade para formar sindicatos livres, nem direito de greve.
Uma solução operária e popular
Uma solução para retomar as conquistas da revolução de 1959 passa necessariamente por três esferas: a nacionalização e planificação da economia, uma política internacionalista para apoiar as lutas e revoluções em outros países, e pelo estabelecimento de liberdades democráticas e de conselhos operários e populares que exerçam o poder no país.
Essa solução enfrenta a oposição do imperialismo americano e europeu, e do regime cubano.
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O imperialismo deseja aprofundar a recolonização de Cuba controlando toda sua economia. Biden quer privilegiar a burguesia gusana cubano-americana e promete aumentar a pressão sobre o regime cubano flexibilizando medidas impopulares como a proibição de remessa de divisas para Cuba e criando formas de prover acesso à internet por fora do controle do regime cubano.
O regime cubano não aceita qualquer forma de democratização e aposta na ampliação da desnacionalização da economia de forma a ampliar os privilégios dos dirigentes cubanos e a carestia da população.
Novos protestos virão
Os protestos populares do dia 11 de julho reivindicavam o fim das medidas de austeridade (alimentos caros, falta de remédios, blackouts) e por liberdades democráticas. Não houve qualquer apoio ao bloqueio econômico ianque que é muito impopular entre a população da ilha.
À frente desses protestos está a juventude, que constitui 35% da população e não vê nenhuma perspectiva de melhoria.
Para sobreviver, é necessário ter acesso regular a dólares ou euros. Isso é um privilégio de pessoas ligadas ao regime cubano, trabalhadores do turismo e de famílias com parentes no exterior.
Imigrar é cada dia mais difícil. O presidente Barack Obama eliminou a lei de “pés molhados” que dava direito de residência a qualquer cubano que pisasse em solo americano.
Cedo ou tarde essa juventude operária e popular vai retomar as ruas e se irmanar na luta com a classe trabalhadora e a juventude que enfrenta os efeitos da crise econômica e sanitária em todo o mundo. Precisamos apoiá-los!
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