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Soldados israelenses em Gaza ostentam má conduta

Vinte anos depois, as torres gêmeas continuam a desabar

Soldados do Exército dos EUA (EUA) designados para o 35º Regimento de Infantaria do 2º Batalhão, 25ª Divisão de Infantaria (leve), realizam uma incursão na província de Zabol do Afeganistão, durante a Operação Liberdade Duradoura.

O choque dos dois aviões contra o Wall Street Center em Manhatan, em 11 de setembro de 2001, continua irradiando dor e desconfiança vinte anos depois. Familiares das vítimas ainda se perguntam o que a Arábia Saudita, de onde vieram quinze  dos 17 apontados como perpetradores do atentado, teve a ver com seu financiamento e execução. Parte dessas investigações foi classificada como informação sensível e o governo de Joe Biden é cobrado a abrir os arquivos e também explicar o porquê do tratamento privilegiado ao parceiro saudita no Oriente Médio.

Não é a única história mal contada sobre o 11/9. Há também a fábula sobre uma  ‘guerra do bem’ no Afeganistão para caçar culpados e  levar democracia ocidental a um povo oprimido pelo terrorismo árabe.  Mesmo assim, articulistas estadunidenses ainda arriscam deixar a vela acessa para uma guerra ao terror que inoculou doses extra de xenofobia anti-arabe e anti-islâmica no mundo. David Leonhardt escreveu no New York Times que o ex-presidente George Bush “ esperava que sua derrubada do Talibã no Afeganistão e de Saddam Hussein no Iraque inspirasse as pessoas ao redor do mundo a se levantar pela democracia e derrotar a autocracia.” O NYT publicou isso hoje, 11 de setembro de 2021.

Em 2011, com a execução de Osama Bin Laden no Paquistão, cinco anos após o enforcamento de Saddam Hussein no Iraque, a guerra no Afeganistão deveria, em tese, ter acabado. Mas o interesse dos EUA não parece ter estado apenas nos homens caçados após o ataque às torres, mas na própria guerra continuada, como diz o sugestivo nome da Operação “Liberdade Duradoura”. A guerra começou em outubro de 2001, logo após os atentados, e os EUA não conseguiram ou não quiseram mais sair de lá, até agosto passado.

O Afeganistão tornou-se o segundo chão onde as torres gêmeas desabaram. Ao contrário do pavor mundial com a guerra do Iraque e a farsa das  armas biológicas, no Afeganistão não houve levantes unificados pelo planeta como os de 2003. A guerra ao terror foi mais eficaz ao vender a teoria  criada por George Bush de que um governo que tenha dado abrigo a terroristas é terrorista também, o que justifica ir lá e ocupá-lo. Cercado por montanhas na fronteira do Oriente Médio já na Ásia central, o imaginário ocidental  sobre o Afeganistão foi capturado pela caça aos Talibãs em um enclave longíquo e inóspito, piorado pelo fundamentalismo que cobriu mulheres, ateou fogo a livros e implodiu a estátuas de Buda, antes de supostamente derrubar as torres de Manhatan.

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Garoto afegão "ajuda" a remover armas e munições encontradas dentro de uma casa durante a Operação Crackdown, na cidade de Khar Bolaq, no Afeganistão, por soldados do Exército dos EUA (EUA) parte da operação Liberdade Duradoura [Picryl/Public Domain]

Garoto afegão “ajuda” a remover armas e munições encontradas dentro de uma casa durante a Operação Crackdown, na cidade de Khar Bolaq, no Afeganistão, por soldados do Exército dos EUA (EUA) parte da operação Liberdade Duradoura [Picryl/Public Domain]

Ao deixarem o país, quase nada do que os militares levaram para lá, a um custo de US$ 300 milhões por dia para o povo americano, ficou em pé para os afegãos. Os recursos  que sustentaram a indústria da guerra por duas décadas sairam como chegaram: em forma de soldados, armas e serviços de inteligência que agora  mudaram de foco e destino. Veículos e equipamentos pesados foram destruídos antes da partida. O presidente Ashraf Ghani fugiu. Os soldados estrangeiros bateram em retirada e os da casa não se dispuseram a combater os insurgentes. Os aviões partiram com turbas de gente desesperada, estimulada pela promessa de embarque, tentando agarrar-se às suas asas.  O sonho (de asilo) americano para a multidão em fuga decolou sem ela, deixando corpos descartáveis pelo caminho.

Se o Talibã  retomou o controle do país, voltando a anunciar um governo baseado nas regras islâmicas da Sharia, o grupo ISIS-K aproveitou o caos da saída dos militares para exibir-se em dois atentados suicidas. Para o mundo exterior, as coisas se misturam – Taliban, Muyjahidin, Al Qaeda, ISIS-K, porque as diferenças naquele mundo não importam além de serem outro mundo. E por isso civis morreram tanto quanto combatentes e milhares de vezes mais do que os soldados da intervenção.

A mídia,  sem palavras para explicar o desmonte da narrativa,  junto com o desmonte da guerra, lembrou da opressão às mulheres. São as maiores vítimas, ontem e hoje, inclusive vítimas da mídia que não olhou para elas nessas décadas em que representaram 40% das mortes civis, incluindo crianças.  E continuam vítimas até que possam falar  por si sobre o que e como estão vivendo de fato.

Pedaços do livro do ex-presidente Barak Obama, Uma terra prometida, recolhem, aqui e ali,  um pouco das razões para  a manutenção da guerra que, segundo ele, nem os americanos  conseguiam explicar, indo da busca a Bin Laden ao salvamento do povo afegão.

Em 1980, o então vice-diretor da CIA, Robert Gates, bem antes de tornar-se secretário de Defesa de Bush e de Obama,  teria ajudado a supervisionar o fornecimento de armas  a grupos afegãos contra a  ocupação soviética, elementos que depois, segundo Obama, formariam a Al-Qaeda deixando nela as impressões digitais do tio Sam.

Em seu primeiro mandato, as tropas enviadas em número cada vez maior, enquanto as mortes de soldados, insurgentes e civis explodiam no Afeganistão, estavam, também segundo o ex-presidente, “funcionando para proteger a eleição presidencial que se aproximava” A estratégia para  reeleger o presidente afegão Hamid Karzai, “consistia sobretudo em comprar os poderosos locais, intimidar os adversários e agir com astúcia para jogar as várias facções étnicas umas contra as outras”

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Choque étnicos como estratégia política – embora sabido que foi assim, parece surpreendente que isso esteja no livro de memórias do ex-presidente. Com o  nome de estratégia política.  Obama também recorda o jeito americano de ocupar o país: “Os afegãos se queixavam cada vez mais de  determinadas táticas dos Estados Unidos – incursões noturnas em lares suspeitos de abrigar combatentes do Talibã, por exemplo – que eles viam como perigosas ou inaceitáveis, mas que nossos combatentes consideravam necessárias para executar suas missões”.

Sobreviver entre a ocupação e a insurgência deixou um fardo para muitos. A crise dos refugiados afegãos, que países da Europa incitaram a fugir e já ameaçam mandar de volta, está só começando, propagando as repercussões das torres caídas para mais milhares de vítimas.

Vinte anos de ocupação e humilhação  deixaram um preço difícil de estimar para a reconstrução do país e muita cobrança em relação a direitos humanos e das mulheres, assim como o direito à soberania de um lado e o direito de conhecer a história de outro. É o que exigem as famílias das primeiras vítimas, as  que ficaram sob os escombros de Manhatan.

De volta ao assunto da Arábia Saudita, que está sendo remexido igualmente neste 11 de setembro. Algumas conexões reveladas por pressão das famílias vão além dos 15 sequestradores sauditas para incluir a origem saudita do próprio Osama Bin Laden. Também houve a descoberta de um número de telefone do príncipe Bandar bin Sultan, ex-embaixador da Arábia Saudita nos EUA, na agenda do prisioneiro de Guantánamo Abu Zubaydah, que ainda é mantido sem julgamento.

As inquietações aumentam na medida em que os EUA dão estranhos descontos aos sauditas,  como foi a não responsabilização do príncipe Mohammed bin Salman pelo assassinato do jornalista Jamal Kashoggi  em 2018.

Ainda hoje, o vazio das duas torres sugere omissões e violências.  O NYT, que publicou o elogio de David Leonhardt a Bush , também fez um passeio por outras mídias que falaram em legados, aprendizados e muito em fracassos.

Carlos Lozada, do Washington Post, pesquisou livros nas últimas duas décadas que, segundo ele, “mostram como a América falhou. ” E a romancista Laila Lalami diz no Times Opinion que  “o fato de que os próprios Estados Unidos passaram a atacar e espalhar ainda mais violência contra civis inocentes em todo o mundo foi amplamente omitido das narrativas oficiais”.  Enquanto as explicações sobre o papel dos EUA no Oriente Médio  não forem sólidas e coerentes, os destroços das torres gêmeas continuarão a se propagar.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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