As boas-vindas de 2022 aos palestinos por parte da ocupação sionista não poderiam ser outras: destruição, bombas em Gaza logo no primeiro dia do ano, expansão colonial, violência, prisões políticas e morte. A despeito disso, os palestinos mantêm sua resiliência e a heroica resistência cotidiana de quem se recusa a ser apagado do mapa. Ao raiar de 2022, os movimentos populares, sindicais e sociais e organizações de direitos humanos no Brasil devem renovar seu compromisso com a causa da humanidade e cercar de solidariedade internacional efetiva os palestinos.
Nessa direção, urge fortalecer a campanha de Boicote, Desinvestimento e Sanções a Israel (BDS), que traz as demandas fundamentais de fim da ocupação, direitos iguais e retorno de todos os refugiados às terras de onde foram expulsos. O primeiro passo é pressionar pelo cancelamento de todos os acordos criminosos entre os governos federal e estaduais e a ocupação. E em ano eleitoral, cobrar compromisso dos candidatos em relação a esse tema, lembrando que não é exclusivamente uma questão de solidariedade, mas de luta contra o genocídio pobre, negro e indígena no Brasil. Afinal, são as mesmas armas compradas de Israel por esses governos que derramam o sangue dos oprimidos neste país. Passou da hora de dar um basta.
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Na contramão disso, em 9 de dezembro último, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou por 300 votos a 60 e uma abstenção o acordo de cooperação na área de defesa com Israel. Assinado por Bolsonaro em 2019 quando de sua visita para se encontrar com a ocupação sionista, o acordo prevê, entre outros pontos, intercâmbio de tecnologias, treinamento, facilitação de comércio bilateral de serviços e material de defesa. Agora segue para apreciação do Senado. A primeira tarefa colocada, portanto, é barrá-lo nesta Casa.
Cenário favorável à luta
No ano em que se completam 74 anos da consolidação da Nakba (a catástrofe com a formação do Estado racista de Israel em 15 de maio de 1948 mediante limpeza étnica planejada), este movimento tem a seu favor o desgaste do sionismo que se verifica mundo afora. Sobretudo nos Estados Unidos, o imperialismo se vê às voltas com a ruptura de milhares de jovens judeus que elevam sua consciência e afirmam que Israel não os representa. A expectativa é que isso cresça, como indica ao portal Middle East Eye o professor emérito de Direito Internacional da Universidade de Princeton e relator especial para Direitos Humanos Palestinos na Organização das Nações Unidas entre 2008 e 2014, Richard Falk.
Em meio a esse desgaste, fortalecer as denúncias sobre os crimes contra a humanidade cometidos pela ocupação é caminho importante para angariar apoio ao BDS, levando informação correta aos brasileiros e brasileiras e ampliando a conscientização sobre o apartheid a que estão submetidos os palestinos dia a dia.
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Falk prenuncia ainda para 2022 provável “funeral muito atrasado que finalmente declare a morte da diplomacia de Oslo”. Os desastrosos acordos a que se refere, firmados em setembro de 1993 entre a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) e Israel sob intermediação dos Estados Unidos, nunca tiveram a intenção de garantir a paz, como anunciado ao mundo. Criaram a Autoridade Palestina sem nenhuma autonomia, com dependência econômica integral e cooperação de segurança com Israel para reprimir qualquer forma de resistência. Com a gerente da ocupação, a colonização tem avançado vertiginosamente. A juventude palestina nunca viveu um único dia de paz. Diante desse cenário, Falk é categórico: “Vamos testemunhar uma consciência crescente de que a diplomacia tradicional não trará estabilidade, muito menos paz com justiça, a essa luta que já dura mais de um século.”
Na sua opinião, 2022 marcará a crescente “desilusão e descrença de que ações construtivas resultarão da diplomacia de paz do passado ou de novas pressões da ONU”. Assim, frisa: “A resistência palestina continuará a enviar sinais ao mundo de que a luta continua, não importa o quanto Israel trabalhe para mostrar ao mundo que prevaleceu e que o melhor que os palestinos podem esperar são benefícios econômicos a serem concedidos após um aceitação política de Israel como um estado judeu junto com a promessa de não se opor às ambições sionistas de conquistar o que resta da ‘terra prometida’.” Conforme ele, ainda, o ano “provavelmente anunciará ao mundo que Israel optou por uma solução unilateral de um estado’.
E conclui: “Todos nós precisamos nos lembrar de três características salientes do presente contexto: (1) os palestinos estão lutando uma guerra anticolonial contra um governo de apartheid em Israel; (2) as principais guerras anticoloniais foram vencidas não pelo lado mais forte militarmente, mas pelo vencedor da guerra de legitimidade, como os EUA descobriram no Vietnã e, mais recentemente, no Iraque e no Afeganistão; (3) os palestinos serão cada vez mais vistos pelo público global e pela mídia informados como vencedores da guerra de legitimidade […].”
As projeções de Falk têm base na realidade. Cabe ao movimento de solidariedade no Brasil navegar em meio a essa maré para que o BDS finalmente alcance o patamar que o país com tamanha importância na América Latina impulsione toda a região a que se torne um “espaço livre de apartheid”. Nenhum acordo com a ocupação.
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