Há tempos ativistas das comunidades de favelas do Rio de Janeiro e pela Palestina têm levantado uma bandeira prioritária pelo direito à vida: embargo militar a Israel. Exigir a ruptura desses acordos que sustentam o apartheid sionista e derramam o sangue pobre e negro no Brasil segue na ordem do dia.
Mais uma vez, mães de vítimas iniciam o ano chorando a morte de suas crianças no Rio de Janeiro. Em 6 de janeiro, Kevin Lucas dos Santos Silva, também de 5 anos, foi baleado no peito quando acompanhava a mudança de um vizinho no Morro da Torre, em Queimados, na Baixada Fluminense. Outras duas meninas ficaram feridas na mesma ocasião. A pergunta indignada que se tornou palavra de ordem continua sem resposta: “Quantos mais têm que morrer para essa guerra acabar?” Guerra contra os pobres e negros perpetrada pelo Estado. E com treinamento, táticas e tecnologias militares israelenses.
Lamentavelmente, a naturalização da violência nesses casos tem feito com que pouca atenção seja dada. Passaram incólumes para a maioria da sociedade essas mortes, assim como ocorre com a cotidiana limpeza étnica na Palestina. Passou da hora de dar um basta nisso.
Racismo cotidiano
Conforme a plataforma Fogo Cruzado, a tragédia na vida dos moradores de favelas se repete. Ao apagar das luzes de 2020, Alice Pamplona da Silva de Souza, 5 anos, levou um tiro no pescoço quando estava no quintal, no colo da tia, na Favela do Turano, no Rio Comprido, zona norte da capital fluminense. “Em pouco mais de cinco anos, 103 crianças foram baleadas no Grande Rio segundo Instituto Fogo Cruzado – e 30 delas morreram, inclusive bebês, atingidos no colo da mãe”, apontava o instituto, em comunicado por ocasião do Dia da Criança (12 de outubro).
E continuava: “Se a violência armada é um problema para todas as idades, não poupando nem os mais novos, para quem mora em favela, o risco é ainda maior. 62% das crianças foram atingidas em favelas nos últimos cinco anos. As operações policiais, muitas vezes feitas sem o mínimo preparo para preservar vidas e evitar os confrontos em áreas densamente populadas, fez com que 31 das 64 crianças baleadas nestas localidades fossem atingidas durante operações e ações policiais.”
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O Fórum Grita Baixada lançou em novembro último a segunda edição do Boletim Racismo e Violência da Baixada Fluminense. Segundo destaca o relatório, “todos os dias ao menos duas crianças ou adolescentes são mortos pelas polícias no Brasil”. Quase 70%, como acrescenta, são negras ou pardas.
E acrescenta: “De acordo com os dados do ISP [Instituto de Segurança Pública], em 2020, a polícia fluminense matou 56 pessoas entre zero e 17 anos em confrontos diretos em todo o Estado (87,5% das crianças ou adolescentes mortos nessas operações eram negros ou pardos). Somente na Baixada Fluminense, no mesmo período, a polícia matou 17 crianças ou adolescentes, entre 12 e 17 anos. Em 2019 foram 33 crianças ou adolescentes e em 2018, foram 274. No cômputo nacional, o Estado do Rio responde por 13,1% de todas as mortes de crianças e adolescentes pelas mãos de agentes públicos de segurança. No entanto, a titulação ‘mortes por intervenção de agente do Estado’, adotada pelo ISP e em conformidade com a Portaria 229 de 10 de dezembro de 2018, do Ministério da Segurança Pública, não considera as mortes indiretas, ou seja, aquelas não envolvidas inteiramente nos confrontos com a polícia. Assim, as vítimas indiretas dos confrontos que envolvem a polícia ou as vítimas ‘eventuais’ decorrentes de operações policiais, não são registradas sob o título de mortes por intervenção de agente do Estado. É de se esperar, portanto, que o número efetivo de vítimas letais decorentes indiretamente da ação policial seja bem maior.”
“Não é por acaso e nem coincidência que a maioria das crianças e adolescentes mortos pela polícia é negra e periférica. […]. Esse dado confirma uma política racista de Estado e da polícia. No caso do [Estado do] Rio temos uma política pública baseada no confronto, onde a polícia é a que mais mata e também a que mais morre”, afirma o coordenador executivo do Fórum Grita Baixada, Adriano de Araújo.
“Nós por nós”
Uma breve varredura na internet permite observar que muitos policiais do Rio de Janeiro se orgulham de incluir em seus currículos a participação em cursos e seminários promovidos por Israel. Não poderiam ter um professor melhor na máquina da morte: a ocupação matou, ainda no primeiro semestre de 2021, segundo a Al Jazeera, 12 crianças na Cisjordânia e, em meio ao massacre no mês de maio, 67 em Gaza.
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Além do treinamento e táticas, Israel fornece tecnologias militares aos governos estaduais, entre os quais do Rio de Janeiro, que adquire armas da “indústria da morte” a investimentos milionários. Enquanto isso, grassam a pobreza e a fome nas favelas brasileiras. O Estado, como denunciam os moradores, se faz presente na repressão e violência, enquanto abandona a população a sua própria sorte em quesitos básicos como saneamento, alimentação e saúde.
Ativistas das comunidades, assim como os palestinos, não à toa se percebem abandonados. Para estes, o “nós por nós” é a realidade. E deve fortalecer a unidade entre os oprimidos e explorados nessa luta internacional. Pelo direito à vida, embargo militar a Israel já!
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