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Soldados israelenses em Gaza ostentam má conduta

Memo conversa com Jurema Werneck

Para comentar este relatório, o Memo conversa recebeu a diretora executiva da Anistia Internacional Brasil, Jurema Werneck. A conversa foi conduzida pela colunista do Memo, a jornalista palestino-brasileira, Soraya Misleh.

A Anistia Internacional, uma das mais importantes organizações de direitos humanos do mundo, designou Israel como estado de apartheid em relatório divulgado no dia 1° de fevereiro. Trata-se da mais recente organização a expor o estado sionista como regime de segregação racial.

Intitulado “Apartheid de Israel contra os Palestinos: Um Sistema Cruel de Dominação e Um Crime contra a Humanidade” , o documento de 280 páginas concluiu que a ocupação abarca “crimes de lesa-humanidade” e um “sistema cruel de dominação”

Para comentar este relatório, o Memo conversa recebeu a diretora executiva da Anistia Internacional Brasil, Jurema Werneck. A conversa foi conduzida pela colunista do Memo, a jornalista palestino-brasileira, Soraya Misleh.

Há décadas os palestinos vem denunciando o regime de apartheid. As pessoas não têm escutado. Agora a Anistia Internacional trouxe essa denúncia…

É uma obrigação da Anistia, da B’Tselem, HRW e de todo  mundo que se importa com os seres humanos, que se importa com a humanidade. É obrigação de todo mundo enxergar o que está acontecendo com o povo palestino e exigir, das diferentes instâncias do governo, seja de Israel, seja da ONU, do Tribunal Penal Internacional, exigir resposta. É como você diz.  Já faz muito tempo que o povo palestino está denunciando a situação que vivem,  já faz muito tempo que o povo palestino está lutando por justiça,  por igualdade, está lutando pelo fim do apartheid.

Sou uma mulher negra, Soraya, eu sei muito bem o que é falar que tem racismo e  esse rechaço, né? Muita gente não quer ver, muita gente não quer ouvir, muita gente não quer acreditar. E o nosso testemunho nem sempre é suficiente, não é? E que o racismo está produzindo esse estrago. Então  o relatório da anistia é uma ferramenta a mais. A Anistia quer ser esse megafone.

O que está documentado no relatório, nessas mais de 200 páginas, é o depoimento das pessoas, suas experiências e  visão. As pessoas estão vivendo diretamente na carne, no cotidiano, essa tragédia, essa injustiça terrível, apartheid. Apartheid por si só é um termo imenso, fala de uma tragédia gigantesca. O povo palestino está vivendo isso e é importante que pessoas em todas as partes do mundo entrem em ação.

LEIA: Grupos de direitos humanos pedem respeito ao relatório da Anistia sobre o apartheid de Israel

Algumas conclusões do relatório, por exemplo, a que diz respeito ao embargo militar a Israel, são muito importantes para o Brasil, que nos últimos anos se tornou o 5° maior importador de tecnologia militar israelense. A gente vê caveirões entrando nas comunidades, nas favelas, no Rio de Janeiro para promover o genocídio do povo podre e negro, com as mesmas armas que matam os palestinos todos os dias. Como o relatório pode ajudar essa luta por embargo militar a Israel aqui no Brasil?

O Brasil pleiteia a entrada plena no Conselho de Segurança da ONU. A gente espera que o Conselho tome uma decisão e coloque impulsos no embargo de armas sobre Israel e também empreenda sanções contra os envolvidos na produção do apartheid. A Anistia espera que o Brasil use a ferramenta da jurisdição universal para  levar à justiça aos perpetuadores dos crimes de apartheid. É possível fazer isso. A gente também está pedindo ao Tribunal Penal Internacional amplie seu olhar para a chave do apartheid. O apartheid é um crime também contra a humanidade. Estamos oferecendo novas lentes adicionais ao trabalho do Tribunal Penal Internacional. O governo de Israel tem que parar. Acabar com as demolições de casas, devolver aos refugiados o direito ao retorno.  Retornar é um direito. Acabar com os checkpoints. Israel tem que permitir a vida plena dos palestinos e palestinas. E precisa fazer isso agora.

Ao longo dessas décadas, o governo de Israel foi muito resistente a tomar as medidas necessárias. Está aí a necessidade de todo mundo se envolver, de haver uma pressão internacional e uma pressão de pessoas, como todo o mundo.

Quando aconteceu o apartheid na África do Sul, o Brasil desenvolveu uma série de campanhas contra o aparthed, nós nos somamos  à voz dos sul-africanos que queriam acabar com aquela situação. É preciso que a gente faça a mesma coisa em relação ao que o governo de Israel está fazendo com os palestinos. É preciso tomar  voz, é preciso  juntar à ação. E é preciso que as instituições internacionais e nacionais, cumpram o seu dever, como todo o mundo,  toda nação, uma vez que está sob a convenção do apartheid, sob o estatuto de Roma, sob os tratados de resoluções das Nações Unidas,  esses países assumem a obrigação de zelar, por todos os meios e por seus alcances todo os  direitos humanos de todas e todos. Portanto o Brasil, o governo do Brasil também tem obrigação de cumprir.

O Brasil pode ser penalizado por sustentar o apartheid, por violar essas convenções e tratados?

O Brasil pode ser chamado à responsabilidade no futuro. Há um caminho longo pela frente. O que a gente precisa é fazer com que o Brasil não se associe ao apartheid e mais do que isso, que rompa esse tipo de parceria, o que termina sendo bastante perniciosa para população palestina e no no limite para toda humanidade.

Veja, se tem um povo que esta sob regime de apartheid, toda a humanidade está sendo atacada, toda a humanidade está sendo diminuida, toda a humanidade está sendo atingida. É preciso que o governo do Brasil se associe à promoção da vida e a promoção dos direitos humanos. Nós sabemos que aqui também não estão sendo respeitados os direitos humanos. O governo brasieliro também está se associando  com o lado errado da história, com aquele lado  dos governantes que atacam os direitos humanos e que atacam as populações. Nós brasileiros e brasileiras temos todo o interesse nas parcerias positivas com a população de Israel, nós temos todo o interesse nas parcerias produtivas com a população palestina. A gente não pode se associar a essa política de apartheid que o governo de Israel propõe.

Eu diria que (o problema) é o Estado, né? Porque muitos governos já passaram por lá e a situação palestina só se agrava.

Isso. E a medida que os governos  que regem as leis e dizem que o estado de Israel é um estado exclusivamente judeu. Você tem razão,  não é apenas o governo, porque o sistema de justiça também não cumpre a lei. Muitas instituições estão falhando, o Estado de Israel está falhando em respeitar os direitos da população palestina. Precisamos desenvolver as ações para desmantelar o sistema do apartheid.

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Como a comunidade do Rio de Janeiro que é diretamente afetada por essas tecnologias militares que são vendidas pode ter uma tribuna na ONU, enquanto sociedade civil para ser ouvida pelo mundo. A Anistia Internacional pode ajudar nisso?

A Anistia internacional não está falando por si apenas, é claro que tem esse movimento de 10 milhões de pessoas, que repudiam o apartheid e quer as  ações para desmantelar o sistema de apartheid. A Anistia já se associa a todos e todas aqueles que querem mudar essa situação. Inclusive as organizações representantes do povo palestino. A gente não está escolhendo um lado da história que não seja o lado dos direitos humanos. E sim, a Anistia Internacional com certeza já está apoiando esse processo. E os palestinos já tem voz nas Nações Unidas, mas para que essa voz seja cada vez mais ouvida.

Você falou sobre a voz dos palestinos na ONU. Com relação à Autoridade Palestina, há muitas críticas, uma delas é a cooperação de segurança com Israel, o relatório recomenda que seja rompida essa cooperação. Você pode falar um pouquinho sobre isso? 

A visão da Anistia é que a  classe política que maneja  a coisa pública,  precisa ser responsável em fazer as escolhas corretas. Não é de hoje que a Anistia já criticou publicamente decisões, seja da Autoridade Palestina, seja do Hamas. Se fere a violação de direitos humanos, sim,   toda vez que houver ameaça ou violação dos direitos humanos, a Anistia vai se pronunciar. E taí o fato do relatório chamar atenção, que é preciso fazer a escolha em favor do povo, em favor da população. E recomenda, na verdade demanda que a Autoridade Palestina também escolha o lado correto da história e rompa com esse sistema de apartheid, com essa  política de segurança que é parte do sistema de apartheid.  Nesse campo não há composição que  possa ser benéfica para o povo, tanto de Israel como da Palestina.

E sobre os ataques que a Anistia vem sofrendo, quando tentam colocar esse carimbo, como faz a propaganda de Israel, de antissemitismo para silenciar. Como vocês estão respondendo?

Na verdade nós não estamos respondendo aos ataques. Nós temos o relatório, quatro anos de trabalho, de documentação. Estamos vendo que existe uma ação articulada, possivelmente originada do próprio Estado de Israel.

A preocupação com o antissemitismo é legítima, mas ela não pode ser usada como escudo. Não se trata de um atissemitismo, muito pelo contrário, o que a gente está falando aqui no relatório é que há violações de direitos humanos gravissimos, cometidos pelo Estado de Israel contra o povo palestino, tanto os que vivem em territórios ocupados, tanto os refugiados, quanto aqueles que vivem dentro de Israel.

O que a gente espera é que as autoridades e as pessoas que estão preocupadas com o relatório refutem as provas, as evidências que estamos apresentando, isso não está acontecendo (porque) infelizmente não há como refutar, não como negar. A crueldade está acontecendo. Portanto, apesar de ser uma situação difícil, esses ataques não são simples. A Anistia não gosta de ser acusada injustamente, não estamos discutindo um direito da população de Israel. O que a gente está colocando aqui é a questão palestina e o regime de apartheid.

Vimos aqui no Brasil o caso Monark e do deputado Kim Kataguiri e os palestinos e palestinas se apressaram em repudiar veementemente o antissemitismo. Agora, é preciso também repudiar veementemente essa chantagem voltada a silenciar os críticos ao Estado de Israel.

É o uso leviano feito pelos próprios perpetadores,  aqueles que estão sendo os responsáveis pelo apartheid é que estão fazendo esse tipo de acusação como cortina de fumaça. É preciso tirar a cortina de fumaça e enxergar o problema real. E o problema real aqui são dois, o antisemitismoo real, que não deixa ninguém a salvo e o apartheid do Estado de Israel contra o povo palestino.

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Os jornalistas e organizações palestinas saudaram o relatório, mas trouxeram uma observação: é possível o fim do regime de apartheid sem o fim do projeto colonial sionista? Porque o que houve foi uma colonização por povoamento para constituição de um estado etnicamente homogêneo em que os palestinos nativos não judeus foram expulsos via limpeza étnica para serem substituídos por imigrantes europeus. Assim, é algo consciente e planejado, então não é certa ingenuidade pedir apenas reformas ao Estado de Israel?

A perspectiva da Anistia internacional é  que é preciso acabar com o regime de apartheid, reconhecendo a situação complexa que é o debate na região sobre a presença de dois estados, Israel e Palestina. Como organizações de direitos humanos a nossa obrigação é chamar a atenção, com aspecto dessa situação, ao apartheid produzido pelo Estado de Israel contra a Palestina.

Esse não é o primeiro caso de apartheid no mundo, apesar da gente saber que não dá para comparar um com outro, é preciso saber que custa muito esforço de responsabilização e de muita mobilização da sociedade civil de todas as partes do planeta. É por este caminho que queremos levar, envolver a sociedade civil de todo o planeta para criar uma mobilização que garanta o fim do apartheid.

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