Estiagem, escassez de combustível e carestia dos fertilizantes: o ano corrente se mostrou particularmente árduo aos produtores rurais no nordeste da Síria. Como se não bastasse, índices deploráveis de sua colheita de trigo impuseram um novo golpe ao abastecimento alimentar do país assolado pela guerra.
O fazendeiro Mohamed Hussein afirmou à agência Reuters ter plantado somente um quinto da área que costumava cultivar todos os anos, devido às dificuldades somadas pela inflação global dos fertilizantes – efeito colateral da invasão russa na Ucrânia.
“Sofremos com a falta de diesel e fertilizantes caros”, reportou Hussein, de 46 anos, enquanto uma colhedeira cortava seu caminho pelos campos dourados de trigo, em uma aldeia próxima da cidade de Qamishli, no norte da Síria.
A região nordeste é vital para a produção de grãos do país levantino. Entretanto, autoridades curdas que administram a área alertam que a colheita deste ano não suprirá as demandas da população, muito menos será capaz de fornecer alimentos a outras partes do país.
A crise global soma-se à vertiginosa queda na produção de trigo da Síria, desde o começo da guerra civil em 2011 – quando o presidente Bashar al-Assad reprimiu brutalmente protestos por democracia. A conjuntura atual instiga apreensões sobre o advento da fome em um país que a Organização das Nações Unidas (ONU) alerta ter necessidades sem precedentes.
Imran Riza – coordenador humanitário das Nações Unidas na Síria – confirmou à Reuters que os indicadores preliminares apontam outra temporada fraca em termos de produção agrária, após a decepção na colheita de 2021.
Semelhante ao último ano, reafirmou Riza, a produção de 2022 foi severamente afetada pela demora no início das chuvas, pela brevidade do volume pluvial e pela delongada seca, em um país cuja infraestrutura está em frangalhos.
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As colheitas também sofreram com anomalias climáticas, incluindo forte geada e súbito aumento nas temperaturas.
“O preço dos alimentos subiu dramaticamente, produção e abastecimento continuam baixos e os indicadores da próxima temporada são inquietantes”, insistiu Riza. “Estamos extremamente preocupados sobre a situação da segurança alimentar em geral”.
Da bênção ao fardo
A produção de grãos na Síria desmoronou de uma média anual de 4.1 milhões de toneladas – o bastante para conter a procura doméstica – a aproximadamente 1.05 milhões de toneladas em 2021, segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).
Em 2020, a produção era estimada em 2.8 milhões de toneladas.
Embora as importações de trigo da Rússia – principal parceiro do regime de Assad – tenham remediado parte do problema, a insegurança alimentar em todo o país é mais aguda do que qualquer outro momento desde a deflagração da guerra.
Dentre os fatores que fomentam a crise está o colapso da moeda nacional.
Segundo o Programa Alimentar Mundial (PAM), ao menos 12.4 milhões de sírios – ou 70% da população radicada no país – vivem atualmente à margem da fome.
Nabila Mohamed é oficial do programa de desenvolvimento agrário do governo de oposição no nordeste da Síria. Segundo seu relato, a colheita de trigo gerou apenas 379 mil toneladas desde janeiro até então. A produção total está prevista para 450 mil toneladas de trigo – muito abaixo das 600 mil toneladas necessárias para abastecer a população.
Os números significam que não há superávit para “exportar” trigo às áreas administradas pelo regime de Assad – a crise não reconhece trincheiras.
“No último ano, houve pouca chuva. Neste ano, teve chuva, mas veio no momento errado”, acrescentou Mohamed, ao recordar da carestia de fertilizantes oriunda do conflito no Leste Oriental, além da queda nas importações dos países diretamente envolvidos na guerra.
Os fazendeiros conseguiram realizar sua colheita em apenas uma pequena parte das áreas saciadas pela chuva, dado que a produção depende sobretudo de terras irrigadas.
Até então, a produção deste ano foi infimamente melhor que do ano anterior, pois o governo de facto emitiu mais licenças para que a população carente escavasse novos poços artesianos na região, observou Mohamed.
Não obstante, em termos absolutos, segundo a FAO, os fazendeiros sírios nas áreas de chuva perderam a maior parte de sua colheita pelo segundo consecutivo.
Mohamed Ahmed, de 65 anos, reportou enorme prejuízo devido à seca, ao descrever sua terra mais como fardo do que patrimônio. “Reclamamos da terra, após dois anos seguidos de perdas. Então, decidimos emprestá-la a pastores para criarem seus rebanhos”.