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Quais são as intenções de Erdogan para a Síria?

Presidente da Turquia Recep Tayyip Erdogan em Ancara, Turquia, 24 de agosto de 2022 [Ali Balikçi/Agência Anadolu]
Presidente da Turquia Recep Tayyip Erdogan em Ancara, Turquia, 24 de agosto de 2022 [Ali Balikçi/Agência Anadolu]

Em meu artigo anterior, discuti os motivos do governo turco normalizar relações com o regime criminoso de Bashar al-Assad, na Síria. Indaguei então se as declarações do Presidente da Turquia Recep Tayyip Erdogan – e seu chanceler Mevlut Cavusoglu, antes dele – seriam uma maneira de barganhar com a Rússia, ao normalizar relações com Damasco em troca do apoio de Moscou ao projeto turco de controlar Manbij e Tal Riffat. Contudo, poderia ser meramente uma tática momentosa, ao invés de um estratagema já adotado, em processo de implementação?

Creio que a decisão da Turquia já está feita, mas sua execução em campo deve demorar e pode não levar a uma normalização completa. Ao contrário, é um caminho árduo e perigoso, provavelmente trilhado passo a passo, tanto em campo quanto politicamente. Não há qualquer garantia de sucesso, embora os turcos seja habilidosos em conduzir manobras táticas, aproveitar oportunidades e empregá-las a seu favor. Dessa forma, creio que a Turquia não abandonará seu relacionamento com a oposição síria – ao menos por ora – dado que justamente a presença de tais grupos representam um de seus maiores trunfos em toda a matéria, regional e internacionalmente.

Sabemos que a Turquia concedeu refúgio a parte considerável das facções oposicionistas, seja em âmbito político – como ao Conselho Nacional Sírio e ao Governo Interino da Síria – ou militar – como ao Exército Nacional da Síria, nas áreas libertadas do regime. Tais ações criaram uma noção de lealdade em relação à Turquia e as forças em questão devem obedecer às instruções de Ancara, de um modo que seja adequado a sua política externa com os governos envolvidos na arena síria e com os interesses interligados de tais países.

Lamentavelmente, portanto, tais grupos oposicionistas recaíram sob controle da Turquia e se distanciaram das ambições populares da revolução síria. A violência que tomou o país nos últimos 11 anos e os episódios subsequentes mostraram a ruptura das facções com a população nas ruas. Há uma enorme lacuna entre as partes dado, sobretudo, à ausência de um mandato popular. Facções e seus acordos se impuseram sobre as vontades revolucionárias, como demonstrado pelo desastre do caminho de Astana – promulgado por Ancara às entidades armadas e ao conselho nacional, a despeito de notável repúdio entre a população. Forças populares argumentam que tais acordos refletem um caminho falacioso e ímpio que se desviou da bússola moral da revolução. Segundo sua lógica, o povo sírio não se insurgiu contra o assassino Bashar al-Assad, sacrificou tudo que lhes é precioso e ofertou centenas de milhares de mártires para culminar em uma “solução política” proposta por dois inimigos – isto é, Rússia e Irã –, que devastaram o país e executaram amigos e entes queridos, com a missão de conservar no poder seu criminoso aliado.

O caminho de Astana tanto indignou quanto dividiu a oposição. Quando a dissolução do conselho foi ordenada, um membro respondeu: “Convoquem protestos, peçam por nossa renúncia; faremos o que quer a população. Fomos nomeados por decisões dos estados e não dos senhores; serão eles quem nos destituirão e não os senhores”.

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Não resta dúvida de que o processo de Astana e o comitê constitucional constituído por decisão da Conferência de Diálogo Nacional realizada em Sochi, em 2018, com presença da Turquia, Rússia e Irã, encobriu os crimes do regime de Assad e o poupou de suas amarras sob a Resolução 2254 do Conselho de Segurança das Nações – sobretudo a formação de um órgão administrativo de caráter transicional. As negociações ignoraram ainda a questão dos prisioneiros políticos e os direitos legítimos do povo sírio consagrados pela resolução. Muito ao contrário, confinou a debate a um único ponto de atrito, o processo constitucional, o que conferiu ao regime a oportunidade de ouro de ludibriar a comunidade internacional por mais de três anos, sob a persistente ilusão de engajar-se em negociações políticas sem jamais demonstrar qualquer resultado.

O processo de Astana já não tem utilidade alguma; contudo, beneficiou o regime. De fato, rematou a presença de forças que repudiavam o governo de Assad em toda a Síria e marginalizaram sua posição em âmbito global e regional, de modo semelhante ao que ocorreu aos palestinos por meio dos acordos de Oslo.

Apesar da Rússia não ter qualquer compromisso material e efetivo com o caminho constitucional na Síria – após ser precisamente uma das partes a interromper a nona rodada de conversa –, seu governo ocasionalmente assume medidas que sugerem apoio à constitucionalidade. Por exemplo, busca manipular o Comitê Constitucional e suas ações, conforme a atmosfera de normalização que paira entre Ancara e Damasco, ao alegar disposição absoluta em conceder apoio à reconciliação entre as partes beligerantes para encorajar a Turquia a proceder passo a passo sob seus interesses.

A Turquia consentiu com a entrada russa em Aleppo em 2016, apesar de reivindicar a cidade como “linha vermelha”, para que não se tornasse uma nova Hama. Certa feita, declarou Erdogan: “Rezaremos na Mesquita Omíada [em Damasco]”; contudo, recuou de sua promessa e seguiu o caminho de Astana e do suposto Comitê Constitucional, além de estabelecer quatro frágeis zonas de desescalada na região. Agora, a Turquia chegou ao ponto de falar de reconciliação entre governo e oposição ou regressar ao caminho de Genebra. Moscou decerto rejeitará tais medidas e a Turquia se verá entre a cruz e a espada sob seus esforços de normalização, dado que o Kremlin não deseja qualquer solução real à questão síria. A solução, não obstante, é nítida a todos: remover o açougueiro de Damasco do poder, destituir seu regime e compor um governo transicional com autonomia plena, como estipulado pela Resolução 2254 do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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