O eventual empréstimo do Fundo Monetário Internacional (FMI) que o governo tunisiano tanto deseja pode ajudar o orçamento público, mas não trará solução à crise econômica que assola a nação, advertiu Mohamed Msilini, ex-ministro de comércio e integrante do gabinete político do Partido do Movimento Popular.
Segundo Msilini, são necessárias “reformas profundas e abrangentes”.
Em entrevista exclusiva concedida à rede Arabi21, Msilini confirmou que as negociações com o FMI devem culminar na assinatura de um novo acordo – “todos os sinais e todas as declarações apontam nesse sentido” –, mas espera-se que a quantia não exceda US$3 bilhões.
“Revogar os subsídios sobre os bens de consumo é quase impossível; a única eventual solução é buscar um mecanismo para aumentar a remuneração e o poder de compra da população, ao invés de subsidiar produtos básicos”, explicou Msilini.
No início de julho, a Tunísia e o FMI lançaram negociações oficiais com intuito de assegurar um empréstimo de US$4 bilhões ao país norte-africano, com o objetivo de preencher as lacunas de seu orçamento estatal para o ano fiscal de 2022.
Segundo rumores da imprensa, o FMI deveria deferir o empréstimo durante reuniões recentes, realizadas entre 10 e 16 de outubro.
A Tunísia sofre de uma crise financeira exacerbada pela pandemia de coronavírus e pela guerra na Ucrânia, além da instabilidade política do cenário interno – vivenciada desde o advento das “medidas excepcionais” impostas pelo presidente Kais Saied, em 25 de julho de 2021.
LEIA: Polícia da Tunísia usa violência contra protestos de professores
Veja abaixo detalhes da entrevista de Msilini:
Como você vê a crise econômica na Tunísia hoje?
A crise econômica na Tunísia é bastante complexa. Por um lado, é o legado de anos e anos que antecederam a revolução, que construiu uma economia frágil dependente dos ciclos globais e duramente afetada por suas crises. Todavia, o fracasso que acompanhou governos posteriores à revolução e sua obstinação em recorrer a um esquema desenvolvimentista que se demonstrou infrutífero, e que levou à revolução de massa de 2010, aprofundou problemas. Entre os fatores mais marcantes deste momento histórico, está a aliança de partidos notórios e influentes com os magnatas do lucro abusivo, da corrupção, da expropriação de bens e da evasão fiscal.
A crise global oriunda da pandemia de covid-19 e a guerra russo-ucraniana também ajudaram a agravar os problemas da nossa economia. Por fim, não podemos ignorar a falta de estabilidade política e social, que representa o pilar de toda e qualquer atividade econômica.
As negociações continuam. A Tunísia terá algum sucesso?
Creio que as negociações com o FMI logo chegarão a um acordo entre as partes, todos os sinais e todas as declarações apontam nesse sentido. Estamos bem perto da assinatura de um acordo. Contudo, a quantia deve ser menor do que você mencionou e não deve exceder US$3 bilhões.
Qual sua opinião sobre os termos e condições do FMI e suas eventuais repercussões?
Naturalmente, o FMI estabeleceu uma série de termos e propostas evidentes em todas as suas experiências prévias, sobretudo ao tratar com países em desenvolvimento, incluindo equilíbrio fiscal – isto é, controle dos gastos públicos por meio de tetos orçamentários e salariais. Todavia, é certo que a Tunísia requer reformas profundas e abrangentes que incluem múltiplos setores, com ou sem recomendação do FMI.
Chegar a um acordo com o FMI permitirá ao governo cobrir parte das demandas do orçamento geral de 2022-2023 e abrir prospectos para reconectá-lo aos mercados financeiros. No entanto, em troca, aprofundará o problema da dívida pública e dos juros já altos que pagamos, podendo levar a novas tensões sociais caso o governo acate a todos os requisitos do FMI.
Qual a razão para a demora nas negociações com o FMI?
As negociações foram interrompidas por dois fatores principais: o primeiro está relacionado à instabilidade política na Tunísia, dado que governos aqui têm vida curta; o segundo se deve às experiências tunisianas com o FMI após 2011. Dois acordos foram suspensos previamente como resultado da incapacidade do governo de cumprir as obrigações estabelecidas.
O quanto o empréstimo do FMI poderá contribuir efetivamente para resgatar a Tunísia de seu colapso fiscal?
O empréstimo do FMI ajudará a solucionar algumas demandas do orçamento, mas é incapaz de resolver o problema econômica que assola a Tunísia – tampouco salvará a nação de sua crise a menos que adotemos reformas socioeconômicas profundas e abrangentes para rematar o vasto déficit registrado há mais de duas décadas.
É possível cancelar subsídios sobre itens básicos antes de aumentar os salários? O que poderia acontecer?
Revogar os subsídios sobre os bens de consumo é quase impossível. A única eventual solução é buscar um mecanismo para aumentar a remuneração e o poder de compra da população, ao invés de subsidiar produtos básicos. Talvez, direcionar subsídios àqueles que mais precisam.
LEIA: Cinco partidos da Tunísia anunciam boicote às eleições de dezembro
Na sua opinião, quais as opções do governo para lidar com a atual crise socioeconômica?
O atual regime é representado por um governo interino incumbido provisoriamente de gerir o estado em caráter excepcional. Espero que o atual governo termine após as próximas eleições e tenho esperanças de que seja formado um novo gabinete técnico capaz de cumprir suas funções e enfrentar os desafios.
Esta entrevista foi publicada originalmente em árabe pela rede Arabi21, em 9 de outubro de 2022