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Torcer para o Newcastle não é tarefa fácil no que se refere a direitos humanos

Torcedores do Newcastle United vestem bandeira e lenço tradicional saudita durante jogo pela Premier League contra o clube Tottenham Hotspur, em Londres, 16 de outubro de 2021 [Robbie Jay Barratt/AMA/Getty Images]

O hediondo príncipe herdeiro Mohammed Bin Salman está em outro nível no que se refere ao uso da pena capital na Arábia Saudita, destacou mais um relatório nesta semana. O sorridente governante de facto do país supervisionou medidas que quase dobraram as taxas de execuções de um ano ao outro desde sua escalada ao poder, em 2017. Esta é uma verdade inconveniente para a maior parte dos torcedores que cresceram junto do clube britânico de futebol Newcastle United, que chegou à final da tradicional Copa da Liga Inglesa – conhecida hoje, por razões de patrocínio, como Copa Carabao.

Assim como o histórico de direitos humanos da Arábia Saudita é ignorado por muitos premiês e presidentes ocidentais, viciados em petróleo, o leal exército de torcedores do Newcastle parece pronto a lavar as mãos diante de questões desconfortáveis, confrontados pelos investimentos sauditas que tanto promoveram a ascensão meteórica do clube.

A realidade é que o dinheiro fala e o dinheiro saudita foi injetado nas veias da equipe popular, embora sofredora, para lhe entregar conquistas jamais sonhadas. Anos de baixo investimento e resultados ainda menos expressivos enfim acabaram. Agora, uma prestigiosa final no estádio de Wembley se avizinha do clube de Newcastle. A equipe está em terceiro lugar na Premier League – um dos campeonatos nacionais mais disputados do mundo –, ao perder somente uma vez em 20 partidas, por causa de um gol solitário e tardio marcado por Muhammad Salah do Liverpool.

O nome Eddie Howe pode não ser tão ressonante no mundo árabe quanto Mo Salah; em Riad, no entanto, já ganhou status de lenda, à medida que o dirigente do Newcastle é capaz de atrair jogadores de ponto a seu elenco. Ademais, um número cada vez maior de torcedores radicados na Arábia Saudita adotou o Newcastle como time “nacional”.

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“Embora o Newcastle esteja em uma jornada ambiciosa e animadora para aumentar seu alcance e sua base de torcedores em escala mundo, estamos também concentrados em ampliar o apoio na Arábia Saudita e no restante do Oriente Médio”, insistiu o dirigente comercial do time, Peter Silverstone. “Ambicionamos nos tornar o maior clube da Premier League na Arábia Saudita, um país cuja população comporta uma comunidade grande, jovem e apaixonada por futebol”.

Howe creditou o renascimento do Newcastle a uma zaga competente, com novas contratações. Reforços incluem o brasileiro Bruno Guimarães (£40 milhões) e o atacante sueco Alexander Isak (£60 milhões), que mostrou a que veio apesar de uma lesão. O reforço mais recente é Anthony Gordon, ex-jogador do Everton, cujo contrato é estimado em £45 milhões. Os cofres sauditas, é claro, arcam com as contas.

Como torcedora do Newcastle desde criança, sinto-me em conflito, mas não estou sozinha. Sou membro da organização Torcedores do Newcastle Contra Sportswashing – tática empregue por regimes para encobrir crimes mediante investimentos no esporte. Recentemente, lemos juntos um relatório da Organização Saudi-europeia por Direitos Humanos (ESOHR) e da ong Reprieve, que luta contra a disseminação da pena de morte. O documento, intitulado Bloodshed and Lies: Mohammed Bin Salman’s Kingdom of Executions (Sangue e mentiras: O reino das execuções de Mohammed Bin Salman), é uma leitura chocante.

A Reprieve adverte que a média de execuções subiu 82% sob Bin Salman, que busca promover-se ao mundo exterior como “reformista moderno”. Tais números aumentaram de 70.8% entre 2010 e 2014 a 129.5% ao ano desde 2015, quando o atual monarca ascendeu ao trono, com seu futuro príncipe herdeiro no encalço. Apesar do regime insistir que a pena capital não se aplica a menores de idade, ao menos 15 crianças foram executadas no país desde 2010, segundo dados de organizações de direitos humanos. Mais de mil execuções foram conduzidas desde 2015.

O estudo expõe ainda o aumento do emprego de execuções em massa como meio de dissuasão a eventuais dissidências. Oitenta e uma pessoas foram executadas em um único dia, em março de 2022, batendo recordes assustadores. Michelle Bachelet, alta-comissária das Nações Unidas para Direitos Humanas, condenou a prática, ao reiterar que a monarquia adota “uma definição extremamente ampla” de terrorismo, incluindo atos não-violentos.

Maya Foya, diretora da Reprieve, foi ainda mais direta: “A explosão no número de execuções na Arábia Saudita sob Bin Salman é uma crise que a comunidade internacional não pode continuar a ignorar”. E reafirmou: “Cada número neste relatório é uma vida humana … Enquanto isso, ele [Bin Salman] mente ao mundo todo ao alegar reformar o sistema para reduzir execuções. Cada vez que Estados Unidos, Reino Unido e União Europeia abraçam suas mentiras, torna-se mais e mais provável a próxima execução em massa”.

A Arábia Saudita raramente responde a reportagens ou sequer perguntas sobre seu histórico de direitos humanos. Contudo, oficiais da embaixada do reino em Londres não tardaram em alegar à rede BBC que outros países também adotam pena capital sob critérios próprios. “Assim como respeitamos seu direito de decidir suas leis e costumes, esperamos que todos respeitem nossa soberania para empregar nossas próprias escolhas judiciais e legislativas”.

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O sistema judiciário que condena tantas pessoas a pena capital é envolto em sigilo, confirmou o relatório. Autoridades sauditas não costumam notificar as famílias dos primeiros até o instante final no qual a execução é iminente; corpos dos presos raramente são liberados pelo estado.

“Este relatório dá uma noção sobre o que é a justiça saudita [sob Bin Salman], encorajado pelos governos ocidentais que jamais o responsabilizaram pelo assassinato do dissidente e jornalista Jamal Khashoggi, entre muitos outros casos de crimes e abusos, incluindo a guerra no Iêmen”, comentou Abdullah Al-Oudah, cujo pai – um eminente intelectual saudita – está no corredor da morte. “Meu pai deve sofrer pena capital a qualquer momento apenas por pedir paz e reformas nas redes sociais”.

Quando Eddie Howe foi nomeado dirigente após a demissão de Steve Bruce, em novembro de 2021, os novos proprietários majoritários do Newcastle logo começaram a reformular a marca. O Fundo de Investimento Público da Arábia Saudita tem hoje 80% das ações no consórcio que venceu os esforços de compra do controverso Mike Ashley, um mês antes da saída de Bruce.

Comprarei um ingresso para ver a final em Wembley no fim de fevereiro? Não tenho certeza. É uma ocasião histórica, é verdade, mas é uma pena que meu time de coração tenha vendido sua alma para chegar lá.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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