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Soldados israelenses em Gaza ostentam má conduta

Silenciar jornalistas palestinos é uma forma de punição coletiva

Entrevista com Ahmad Alzoubi, diretor do Monitor do Oriente Médio (MEMO) no Brasil
Grafite de Shireen Abu Akleh em Nazaré [Davide Mauro/Wikimedia]

O ano de 2022 marcou uma escalada quantitativa e qualitativa na violação cometida contra jornalistas e mídias palestinas. O Sindicato dos Jornalistas Palestinos (PJS) acompanhou no período mais de 900 violações e crimes cometidos pelas autoridades de ocupação, além de uma clara participação de colonos em agressões a jornalistas.

A entrevista com Ahmad Alzoubi, diretor do Monitor do Oriente Médio no Brasil, é parte de uma pesquisa que busca entender as violações à liberdade de imprensa na Palestina e como a mídia internacional contribui na manutenção da opressão contra os colegas palestinos.

Qual a importância da liberdade de imprensa para a emancipação da Palestina?

A liberdade de imprensa é necessária para romper o silêncio ou a inação do resto do mundo sobre o que acontece na Palestina sob ocupação. Mas infelizmente não é assegurada aos palestinos. Por isso, a solidariedade internacional é importante, para fazer suas vozes serem ouvidas. Precisamos de esforços conjuntos de todos, especialmente dos meios de comunicação não controlados pela narrativa ocidental sionista, para fazer da escrita e ações midiáticas ferramentas decisivas para apoiar uma Palestina livre.

O Facebook, da empresa Meta, foi o meio de comunicação social que mais registrou práticas repressivas contra profissionais e mídias palestinas (dados fornecidos pelo PJS); chegando em muitos casos a censurar, restringir e excluir contas de jornalistas e outros usuários que reportavam as violações sionistas. A Palestina é um caso internacional de violação do processo de comunicação, quando o código não chega aos receptores. Desta maneira, pode-se dizer que conteúdos digitais, em qualquer mídia ao redor do mundo que reportem o direito palestino pode ser alvo de censura, ou das pressões do lobby sionista?

Sim! O maior exemplo disso foi o que vimos com a supermodelo americana Bella Hadid. Ela denunciou à revista de moda Harper’s Bazaar que, “o Instagram desabilitou meus stories principalmente, imagino, quando falo da Palestina… Quando falo da Palestina, sou punida e minhas postagens perdem quase um milhão de visualizações”.

O Facebook está censurando a Palestina? - Charge [Sabaaneh/ Monitor do Oriente Médio]

O Facebook está censurando a Palestina? – Charge [Sabaaneh/ Monitor do Oriente Médio]

Conforme o relatório anual de acompanhamento de crimes e violações aos direitos humanos cometidos contra os jornalistas palestinos, o PJS registrou que em 2017, o American Israel Public Affairs Committee (AIPAC), um grupo de lobby pró-Israel com histórico de difamação contra organizações em defesa dos direitos humanos – palestinas e internacionais – estabeleceu um “centro de comando” no Vale do Silício. O objetivo da nova base operacional sionista em território americano é monitorar as publicações em defesa do direito palestino, ao qual a AIPAC afirma ser “discurso de ódio online”. No mesmo ano, o YouTube designou a AIPAC como uma “organização confiável de denúncias”, o que significa que seus pedidos de remoção de conteúdo têm prioridade sobre os outros. O American Israel Public Affairs Committee (AIPAC) mantêm no congresso americano uma base aliada para votar a favor de políticas pró-Israel. O AIPAC esteve em foco nas mídias internacionais após apoiar 37 membros republicanos do Congresso que votaram contra a certificação da vitória eleitoral de Joe Biden, episódio que resultou na tentativa de golpe e ataque ao Capitólio.

LEIA: Israel matou 20 jornalistas desde 2001, ninguém foi punido, alerta órgão da categoria

Impedir que as violações contra o povo palestino sejam reportadas, mesmo que em mídias sociais, é uma violação flagrante à liberdade de opinião e expressão (art.19 DUDH) e outras leis internacionais. Baseado neste argumento podemos dizer que Israel também comete esses crimes contra jornalistas no Brasil?

Primeiro, é preciso lembrar que o Estado ocupante não se importa muito com as leis internacionais e as decisões da Assembleia Geral das Nações Unidas, ou não haveria o apartheid que vemos hoje. Sobre a mídia, sua narrativa é apoiada e propagada pelos Estados Unidos e mídias ocidentais. E essa narrativa chega ao Brasil também, desde sempre. Lembremos os esforços midiáticos e diplomáticos dos EUA em 1948 para persuadir Osvaldo Aranha, que era o Presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas a levar os países do mundo a votarem a favor da criação do Estado de Israel. Assim como vimos como Netanyahu promoveu o apoio à eleição de Bolsonaro, um amigo de Israel, na eleição e presidente e na tentativa fracassada de reeleição. Além disso, manifestações em favor da Palestina nas redes são alvo de ataques sionistas, como podemos lembrar do caso do ex-parlamentar Milton Temer, processado por criticar Israel.

Registro de agressão a jornalistas palestinos pela ocupação israelense [Arquivos do Centro de Mídia Alternativas via Ahmad Jaradat]

Quais as dificuldades de reportar notícias sobre o Oriente Médio, no Brasil?

O acesso imediato ao noticiário árabe, onde há mais informações de fontes regionais, é difícil para os brasileiros devido ao idioma. Este público acaba dependendo muito de agências internacionais, e a maioria é orientada pela linha editorial das matrizes europeias ou norte-americanas. Por isso, essa rede de contatos com que o MEMO estabelece com fontes regionais e articulistas que acompanham os acontecimentos mais diretamente é importante para apresentar uma cobertura de interesse e alternativa. Há dificuldades também nos diferentes países da região, conforme os padrões de controle, censura ou liberdade de imprensa em cada um. Mas por isso mesmo, pesquisadores e articulistas externos que rompem essas barreiras a partir de seus próprios contatos locais ampliam a visão de fora sobre os processos e acontecimentos regionais.

As violações à liberdade de imprensa podem ser consideradas uma forma de punição coletiva?

Israel é um estado de apartheid e um regime arbitrário contra um povo inteiro que é punido quando resiste. Silenciar a população e a imprensa pelo medo é uma forma de punição coletiva pela resistência. E isso é feito de várias maneiras. Basta lembrar como a jornalista Shireen Abu Akleh foi assassinada em maio de 2022 por um sniper israelense que disparou diretamente em sua testa. Ela morreu por transmitir ao mundo os crimes da ocupação sionista. Certamente, o bombardeio de centros de mídia contribuiu muito para reduzir a cobertura de fatos e crimes cometidos. Canais de mídia como a Al-Jazeera têm casos em tribunais internacionais denunciando crimes contra seus jornalistas e escritórios nos territórios palestinos.

LEIA: Shireen Abu Akleh e a defesa da causa palestina

O PJS e a Federação Internacional de Jornalistas (FIJ), em conjunto com o Centro Internacional de Justiça para os Palestinos (ICJP) e a Al Jazeera Media Network, apresentaram ao Tribunal Penal Internacional (TPI) acusações de crimes de guerra contra jornalistas palestinos por parte do Estado de Israel. A acusação contém 4 casos graves de ataques, incluindo os mártires Ahmed Abu Hussein, Yasser Murtaja e Shireen Abu Akleh.

Segundo a Convenção de Genebra, jornalistas, mesmo em territórios de conflito armado, são considerados civis não-combatentes, portanto, não podem, em nenhuma hipótese, serem considerados alvos.

O site do MEMO diz que “A difusão parcial ou incorreta da informação é uma questão central para o conflito no Oriente Médio e é preciso enfrentar essas distorções com um trabalho de apuração constante. Reunir, analisar e difundir informações de qualidade exigem organização, monitoramento, foco e direcionamento preciso. Tais iniciativas são virtualmente não-existentes no Ocidente atual.” E que “O Monitor do Oriente Médio (MEMO) busca ocupar essa lacuna.” Baseado nessa afirmativa, quais as dificuldades de cumprir essa meta? 

A dificuldade existe para todo jornalismo sério que se preocupe em apurar e difundir informações sobre o Oriente Médio, que tem uma imagem muito estereotipada no Ocidente. Para atravessar essa imagem, é preciso noticiar considerando os valores culturais dos povos e os aspectos dos direitos sociais, humanos e nacionais que estão sendo afetados ou obstruídos pela política interna ou externa. O jornalismo político tem compromisso com esses direitos e é por isso que a causa palestina é tão importante, porque a violação nesse caso tem sido protegida pelos organismos que deveriam aplicar o direito internacional. Para noticiar criticamente, com dados e análises, o MEMO conta com articulistas brasileiros e internacionais e parcerias no campo do jornalismo regional. Parte é produzida no Brasil, e grande parte é produzida fora, por profissionais ou pesquisadores especializados ou próximos dos acontecimentos

A violação à liberdade de imprensa é uma realidade em muitos países e em diferentes graus. Qual a semelhança da violação à liberdade de imprensa entre profissionais palestinos e profissionais brasileiros?

O Brasil teve saltos de violência contra jornalistas nos últimos anos, principalmente em 2021, com mais de 400 ocorrências, e 374 em 2022, segundo levantamento da Federação Nacional dos Jornalistas. Isso incluiu agressões físicas contra profissionais ou ataques a veículos de comunicação, mas também ofensas e “desacreditação” de jornalistas. Mas nada se compara com a Palestina, onde jornalistas trabalham em meio a uma guerra e repressão constante e, quando são palestinos, não têm sequer o direito de cidadania, de ir e vir. Jornalistas que cobrem ataques de Israel não estão protegidos nem pelo uso de capacetes, uniformes e coletes de imprensa, como foi o caso de Shireen Abu Akleh.

LEIA: A explosão da violência contra jornalistas palestinos

No período de 2022, o Sindicato dos Jornalistas Palestinos (PJS) identificou mais de 1200 violações das plataformas YouTube, Instagram, Twitter, WhatsApp, Tik Tok e Zoom contra conteúdo palestino. Existe no Brasil algum órgão ou sindicato responsável pelo mesmo monitoramento de violações em território brasileiro?

O Brasil está discutindo uma lei de regulação das plataformas justamente para evitar esse comportamento malicioso das redes sociais. Trata-se do projeto de lei das Fake News. E isso porque as violações são crescentes e foi preciso que o Supremo Tribunal Federal entrasse em cena. No campo do jornalismo, temos os sindicatos ligados à Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), por sua vez integrante da

Federação Internacional dos Jornalistas (FIJ), temos uma rede da sociedade civil organizada no Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, e outra rede exclusiva sobre internet chamada Coalizão pelos Direitos na Rede, e além disso a representação brasileira de Repórteres Sem Fronteiras. Mas não trabalham exatamente sobre censura a conteúdos sobre Palestina, e sim sobre violações em geral, especialmente contra jornalistas e casos de censura e fake news.

Jornalistas palestinos presos por Israel [Sarwar Ahmed/Monitor do Oriente Médio]

Quais medidas, os jornalistas brasileiros deveriam, ou poderiam adotar para cessar ou combater as violações à liberdade de imprensa do Estado de Israel em território brasileiro?

É muito importante conscientizar e entender como as coisas estão indo na Palestina, e não seguir sem refletir uma narrativa que protege a ocupação israelense de seus crimes contra a população que luta para resistir em sua própria terra. Também é importante abrir espaço para escritores da Palestina escreverem em jornais e sites brasileiros sobre a situação que vivem e conhecem. Não é lógico um escritor analisar ou escrever sobre a Palestina para jornais brasileiros quando ele não sabe o que está acontecendo lá e só se baseia em agências ocidentais.

É importante monitorar as violações, restrições ou censura de jornalistas ou mídias brasileiras quando reportam notícias sobre a Palestina? Qual órgão ou sindicato deveria fazer esse monitoramento?

Eu tinha um amigo que trabalhava como correspondente de uma das principais televisões do Brasil e, em 2008, quando houve um grande ataque da ocupação israelense na Faixa de Gaza, ele estava transmitindo a verdade e dizendo o que estava acontecendo lá. Então alguns simpatizantes dos sionistas no Brasil se manifestaram em frente à sua casa. Diante disso, o editor-chefe daquela televisão, ao se comunicar com o jornalista, disse a ele que, quando você fizesse uma reportagem, não mandasse publicar antes de mandar que ele pudesse ver, mudar o que quisesse e depois publicar. Isso continuou até que aquele jornalista apresentou sua demissão diante desses crimes diretos.

LEIA: Israel prendeu 410 palestinos por postagens online em 2022, alerta relatório

As “Fake News” ou desinformação propagadas pelo Estado de Israel chegam em território brasileiro?

Quando a resistência palestina contra a ocupação é chamada de terrorismo por Israel e isso é repetido no Brasil, isso é fakenews de Israel reproduzida aqui. É como se uma população nativa não tivesse direito de lutar contra o soldado e colonos invasores de suas terras e sua ação truculenta. Veja que no caso da Ucrânia, a mídia diz que o povo tem direito às armas. Mas os palestinos não podem se defender de um Estado de apartheid que devora suas terras, derruba suas casas, destrói suas plantações, sem falar da juventude presa e das vidas perdidas.

 Em que medida a desinformação propagada pelo Estado de Israel pode interferir na emancipação do Estado da Palestina?

A desinformação é uma forma de acobertar, proteger e distorcer a visão dos danos que já estão sendo causados historicamente contra a Palestina, desde a Nakba, em que a população nativa foi arrancada à força de suas casas e suas vilas para a instalação do Estado de Israel. A limpeza étnica nunca parou, mas não é tratada desse modo pelos meios de comunicação.

“O censor não apenas pune o delito, mas também o cria.” Karl Marx

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