A extrema direita que cobiça o continente americano tem aquela retórica do falecido astrólogo Olavo de Carvalho, de que os valores civilizatórios não têm mais serventia, enquanto apelos escatológicos têm mais utilidade. No caminho ao poder, o fanatismo religioso e o desprezo por direitos ditam a política.
O Brasil que passou por isso e por pouco não sucumbiu ao golpe de 8 de janeiro, aprendeu a tapar o nariz para aceitar as alianças inevitáveis para mandar o perigo fascista embora. Mas o perigo, no entanto, ronda.
Nos Estados Unidos, o ex-presidente Donald Trump amealha apoios enquanto os tribunais acumulam denúncias, sem até agora condená-lo por crimes conhecidos. E não é difícil imaginar o que seria uma nova dobradinha do bolsonarismo brasileiro com um Trump reeleito presidente.
A América Latina em disputa parece às vezes uma caixinha de surpresas que explode sob pressão. O que dizer da eleição seguida de afastamento do socialista Pedro Castilho no Perú? Quem poderia imaginar que, depois das vigorosas campanhas no Chile por uma nova Constituição, as urnas acabariam por derrubar a proposta em um plebiscito no ano passado e ainda eleger o partido de ultradireita para liderar uma nova constituinte?
Os golpes legalizados que se repetiram no continente desde a deposição, em Honduras, do presidente Manuel Zelaya, por exemplo no Paraguai, com a queda de Fernando Lugo, no Brasil, com Dilma Rousseff, na Bolívia, com Evo Morales – deixaram muitas lições sobre o uso do legislativo, judiciário e mídia para afastar presidentes. E nenhuma lição recente foi mais duramente aprendida do que a dos ataques ao Capitólio em Washington e o 8 de janeiro na Praça dos Três Poderes, em Brasília.
Se a extrema direita é capaz de arrastar multidões para a negação e a histeria, e inclusive tornar-se opção nas urnas, a esquerda argentina se pergunta se é possível detê-la ainda no ovo da serpente.
O que acontece na Argentina com a vitória de Javier Milei das Prévias Abertas, Simultâneas e Obrigatórias (PASO), é um prenúncio de um neofascismo ganhando adeptos no sul da América do Sul. Embora hoje o cenário mais provável seja de disputa entre direita de Patrícia Bullrich e a extrema-direita do representante do Partido “A Liberdade Avança”, ambas se conectam em várias questões econômicas e de costumes.
Na base da nova ascensão da direita está o desespero popular com uma economia quebrada e a promessa dos neoliberais de saídas milagrosas , como se dolarizar a economia pudesse fazer da Argentina um país de economia forte, imposta na base da politica autoritária.
No nivel global, analisa o antropólogo argentino Alejandro Grimson, no jornal Página 12, “vive-se uma nova etapa histórica, de grande instabilidade econômica e política e de fortalecimento de forças de extrema direita; em nível global, essa direita radicalizada se manifestou de duas maneiras. Ou com o surgimento de novas forças, como o Vox, ou com a radicalização de partidos tradicionais, como nos Estados Unidos. Na Argentina as duas coisas estão acontecendo ao mesmo tempo.”
O uso político da religião e os laços com o sionismo indicam apoios da extrema direita internacional ao avanço do candidato. Com a eventual vitória de Miel, o tecido conservador entre os países da região vai se tornando ultraconservador e é possível vislumbrar costuras que dizem mais respeito aos interesses externos do que aos da própria região.
🇦🇷Milei vence as primárias na Argentina. Se fizesse 25% já seria vitorioso, obteve mais de 30%
Um ano atrás era um sonho, daí virou meta e hoje é realidade. Um excelente começo para o que pode ser a mudança real que a Argentina precisa
Com vizinhos livres do socialismo o Brasil… pic.twitter.com/5J1INS1t5C
— Eduardo Bolsonaro🇧🇷 (@BolsonaroSP) August 14, 2023
Miel, por exemplo, é contra a integração latino-americana, coloca em risco a entrada da Argentina no BRICS, defende a dolarização da economia, fala em romper com a China – o maior parceiro comercial da Argentina – e está mais preocupado em reafirmar seus laços com Israel. Nestas questões, reproduz as políticas de Donald Trump e Bolsonaro. Entre elas, a promessa de mudar a embaixada argentina de Tel Aviv para Jerusalém.
Os países vizinhos sofrem diferentes ingerências mas têm em comum governos atuais que colocam a diplomacia com Israel em destaque na agenda.
Santiago Pena, presidente recém eleito do Paraguai, reafirmou na última semana sua promessa de campanha de fazer a transferência da embaixada. O fato foi festajado pelo ministro das Relações Exteriores Eli Cohen que anunciou outra conquista na região: o governo de Luis Alberto Lacalle Pou , do Uruguai, abrirá uma missão diplomática em Jerusalém. São decisões que desconsideram o que pensam os palestinos, um ponto em comum entre candidatos e governantes de extrema direita no continente, e não por acaso compromisso reafirmado por governos já cheios de problemas ao sul da América do Sul.
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