A Mostra do Cinema Árabe promovida pela parceria ICArabe e Cine SESC chega à 18ª edição cumprindo a promessa de aproximar o público brasileiro das muitas culturas e riquezas do mundo árabe do Oriente Médio. Homenagem a Edward Said e à sua crítica ao orientalismo ocidental, o festival idealizado por Soraya Smaili tem proporcionado viagens a paisagens e ambientes que não se confundem entre si, a mundos que se conflitam ou se conectam, e a seres humanos que no entanto compartilham problemas comuns, como o peso do patriarcado sobre as mulheres.
Uma mulher casada e amada, mãe amorosa de uma família cristã e figura invejável na sociedade libanesa de 1958 é a personagem central da trama de Ventre da Mãe, filme de abertura da próxima mostra. Mas ela não escolheu aquela vida, nem aquele marido, e terá de lidar com a explosão interna que se revela a partir da chegada do desconhecido na figura de um estrangeiro e sua mãe.
O filme puxa o fio da meada da programação deste ano, que inclui personagens marcantes que pressionam contra as limitações de seu tempo e sociedade. Mas é também um reencontro do diretor libanês, Carlos Chahine, consigo mesmo ao voltar do exílio na França, onde nunca conseguiu se sentir inteiro, para situar seu filme no vale que o fascinou e assombrou na infância. O Vale Sagrado é, para ele, o ventre da mãe. Ou o Vale Mãe, como o filme foi nomeado em inglês.
Em uma entrevista à UniFrance, ele conta que o lugar era conhecido como refúgio de perseguidos, devido aos seus relevos inacessíveis e íngremes. “Parecia uma gigantesca falha nas entranhas da terra, uma falha onde não há saída. É um pouco como a origem do mundo, o sexo de uma mulher do qual não se poderia separar-se. É uma armadilha com todas as suas superstições, a sua crueldade e a sua beleza”.
A paisagem tranquila, a estabilidade doce ritualizada pela hora do sino, é também ameaçada pelo som do vento constante e, ao fundo, o de um vulcão que rosna. Na vida isolada entre as montanhas libanesas, chegam também os ecos da guerra entre libaneses pró-nasserismo e pró-Ocidente em 1958.
O filme tem títulos diferentes conforme o idioma em que é apresentado. Premiado no Festival do Cairo, seu nome árabe é “Terra das Ilusões” e, em francês “A noite do copo d’água”. Mas os dois títulos, para o diretor, “clamam pela mesma convulsão que em breve ocorrerá para os personagens.” Em ambos, uma realidade que parece sólida e destinada a perpetuar-se está prestes a ser rompida. No caso do título francês, o que parece imutável e agora ameaçado é o sentimento do filho, um garotinho, de que a mãe lhe pertence e às suas vontades e a quem ele pode pedir no meio da noite que lhe traga um copo d ‘água. Até perceber que a realidade segura está para ruir.
Layla, a protagonista, não é a única mulher na trama a lidar com a quebra de papéis que lhe foram reservados. A preocupa uma das irmãs que se apaixona por um muçulmano e enfrenta o segregacionismo da comunidade cristã, como também a irmã mais nova que quer ter uma carreira profissional. Há ainda a mãe do estrangeiro, a francesa Helene, compondo um quadro de conflitos de um Líbano que mal se tornara república (em 1943) e sonha em tornar-se um país moderno.
O curador da 18ª edição, Arthur Jafet, explica em entrevista a Soraya Misleh, do ICArabe que a conexão com a história é um aspecto presente entre os diretores desta edição e que a mostra não é uma apologia ao Oriente Médio, mas tem um recorte humanista, um contato com personagens comuns em diferentes lugares e realidades da região.
A exibição de “Ventre Materno” abrirá a mostra no dia 31 de agosto (quinta-feira), às 20h30, no CineSesc (Rua Augusta, 2075, Cerqueira César – São Paulo\. A programação, que vai até o dia 6 de Setembro, pode ser conferida no site oficial da mostra.
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