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Feira em Paris sinaliza arte do Oriente Médio e Norte da África como vanguarda atual

Foto da equipe da Feira Menart; da esquerda para a direita Amélie Kalafat (assistente de arte), Clara Alabed Alnaef (comunicação), Joanna Chevalier (direção artística), Laure d’Hauteville (fundadora e diretora do evento), Tara El Khoury Mikhaël (relações com galerias), Léonie Racy (cenografia) e Camelia Esmaili (assessora de projetos) [@Irenederosen]
Foto da equipe da Feira Menart; da esquerda para a direita Amélie Kalafat (assistente de arte), Clara Alabed Alnaef (comunicação), Joanna Chevalier (direção artística), Laure d’Hauteville (fundadora e diretora do evento), Tara El Khoury Mikhaël (relações com galerias), Léonie Racy (cenografia) e Camelia Esmaili (assessora de projetos) [@Irenederosen]

A bem-sucedida Feira Menart concluiu seu último evento em Paris, ao mostrar como artistas do Oriente Médio e Norte da África assumiram a vanguarda do debate contemporâneo, ao abrir os olhos da arena cultural europeia a novos horizontes.

Às vezes, vemos feiras de arte como lugares onde colecionadores impassíveis comprar suas peças, em franco contraste a museus e bienais onde a “verdadeira arte” acontece. Contudo, em um sistema determinado pelo mercado, as feiras transcenderam transações de compra e venda. Como os leilões, são lugares que podem nos dizer o que está acontecendo no mundo da arte, à medida que uma nova modalidade de influência cultural se materializa.

“Percebemos que cada vez mais galerias francesas e europeias estão agregando artistas do Oriente Médio”, explicou Laure d’Hauteville, fundadora da Menart, que realizou sua quarta edição entre 15 e 17 de setembro. “As instituições estão preparando exibições sobre artistas do Oriente Médio e Norte da África para o próximo ano”.

De fato, a feira parisiense influenciou o interesse crescente na arte contemporânea da região em países da Europa, ao dedicar-se a autores do Levante, do Golfo — Pérsico e Árabe — e do Norte da África. Trinta e uma galerias de 11 países se apresentaram no  Palais d’Iéna, sob a direção artística de Joanna Chevalier.

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Neste sentido, caminhar dentre as elegantes colunas de cinza pastel do palácio de 1939 — tomado por cores vibrantes no fim de semana retrasado — se tornou quase uma metáfora. O fascinante edifício projetado pelo arquiteto Auguste Perret, representa a velha guarda. As telas cativantes, as instalações ousadas, as esculturas políticas, as cerâmicas surrealistas e as danças e performances do Oriente Médio e Norte da África são novos ideais que chegam ao coração da Europa.

Graças à Feira Menart, o público e profissionais de arte têm a chance de descobrir talentos e observar a evolução daqueles que já conhecem,

comentou d’Hauteville. “Podemos dizer que um novo mercado se forma na Europa”.

Amantes da arte precisam saber o que está acontecendo nesta parte do mundo hoje.

A verdade é que a estética contemporânea da região é marcada por uma incrível diversidade cultural e linguagens visuais pouco convencionais. Entre as obras, podemos encontrar novas linhas de pesquisa e novas perspectivas que ponderam sobre narrativas históricas, sociais e políticas além de representações dominantes na região e no mundo. A Europa atual precisa disso, a fim de construir melhores canais de comunicação com base não somente na teoria, mas na compreensão emocional dos fatos.

Nascida em Dusseldorf, d’Hauteville tem formação como jornalista especializada em cultura, em particular nas relações entre a França e o Oriente Médio. D’Hauteville busca chances de se familiarizar com expressões artísticas contemporâneas desde 1991, quando se apaixonou pela estética da região. Determinada em promover o diálogo, d’Hauteville lançou a “Artuel”, sua primeira feira de arte em Beirute, em 1998, sobre a qual manteve curadoria e diretoria até 2005. “Esta foi a primeira feira de arte moderna e contemporânea na região”, comentou.

D’Hauteville seguiu carreira com a criação de outras feiras: JABAL, dedicada à descoberta de jovens talentos no Líbano; a Feira Artparis-Abu Dhabi; a Feira de Arte de Beirute; e a Feira de Arte de Singapura em 2014.

Em 2021, ela concebeu e desenvolveu o projeto da Feira Menart em Paris, o primeiro evento dedicado a artistas do Oriente Médio e Norte da África na cidade francesa, que se expandiu a outras capitais europeias, como Bruxelas.

Diante dos investimentos de hoje, não surpreende encontrarmos galerias dos três países do Golfo que mais investem em público e soft power: Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Catar. Em termos artísticos, conhecemos os três países por seus projetos governamentais de escala monumental, de modo que é interessantíssimo ver também um debate paralelo que galerias privadas e eventos menores trazem à tona.

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O exemplo mais interessante dentre as galerias do Golfo que colaboram com a Menart é um projeto que ainda carece de espaço material. A Hunna, mencionada várias vezes no Monitor do Oriente Médio, agrega camadas de complexidade às narrativas sobre a Península Arábica no continente europeu. Fundada em 2021 pela pesquisadora e curadora francesa, Océane Sailly, a Hunna representa exclusivamente mulheres radicadas no Golfo, com um ponto de vista ultracontemporâneo sobre a região. As artistas da companhia buscam novas dinâmicas de poder, com uma abordagem de vanguarda sobre o matriarcado, o corpo feminino e sua representação na história da Península Arábica.

Entre as obras expostas por Sailly na capital francesa estão pinturas e esculturas surrealistas de Alymamah Rashed. Inspirada por sua pesquisa de mitos, artefatos e fragmentos das ilhas Failaka no Kuwait, a obra de Rashed recorre a imagens de lesmas, caracóis e larvas para criar um cenário pós-apocalíptico estranho porém fascinante.

Os protagonistas da edição deste ano da Menart, no entanto, são os artistas libaneses, que representam um terço das galerias participantes. “Apesar da crise econômica no Líbano, o mercado de arte exige que os artistas do país continuem fortes”, afirmou d’Hauteville. Dado seu vínculo com o Líbano, d’Hauteville está determinada em apoiar e dar visibilidade a um país aflito. “Assim como trouxemos a Menart do Líbano à Europa, muitos artistas presentes nesta edição são originalmente de um país, cresceram em outro e trabalham ou residem em um território terceiro. Essas trajetórias pessoais se refletem em uma produção artística que carrega consigo as encruzilhadas entre Oriente e Ocidente”.

De fato, diversos artistas participantes são parte do que podemos descrever, talvez, como “étrangers”, que sob influência regular de uma terceira cultura. Suas referências são diversas e miscigenadas, embora busquem preservar raízes profundas com o Oriente Médio e Norte da África e explorem tais dinâmicas em sua arte.

É certamente o caso da designer Nada Debs, da galeria parisiense BSL, que descreve o estilo adotado em suas obras como “Oriente e Oriente”. Sua abordagem única mescla linguagens culturais que a princípio parecem incompatíveis: o refinamento minimalista do Japão — ou do chamado Extremo Oriente — com os adornos maximalistas do Oriente Médio. Nascida em Beirute, de pais libaneses, Debs cresceu no Japão e agora vive entre Dubai e sua cidade natal. Debs deseja não somente retratar seu conhecimento acumulado como reinventá-lo — quase como um ato de rebelião.

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Na Menart, Debs apresentou obras de uma série intitulada “Horizontes costurados”, na qual o bordado tradicional encontra o design de interiores. A série inclui cinco cadeiras de seixo decoradas com bordados nas costas. Seu projeto resulta de uma colaboração com mulheres refugiadas no Líbano, de modo que os materiais escolhidos pela artista buscam contar uma história táctil. Para ela, a mão humana é uma voz; o artesão, um contador de histórias.

Outro exemplo notável dessa mesma categoria de produtores artísticos é Lien Hoang-Xuan, que detém raízes vietnamitas e tunisianas. Sua obra ilustra toda uma gama de referências, ao retratar cidades imaginárias inspiradas por Saigon, Túnis e Beirute. Hoang-Xuan recorre a muitas referências líricas da literatura clássica e mesmo canções de amor e vídeos cativantes da cultura pop, ao combinar tudo isso com símbolos e motivos folclóricos de seus ancestrais e das cidades por onde passou.

Hoang-Xuan nunca falha em representar figuras douradas ao lado de garranchos de escrita. Seu trabalho exposto na galeria Revie Projects é quase como as páginas de uma história em quadrinhos tocada pelo rei Midas. A artista, que vive hoje entre Paris e Beirute, descreve sua obra como um “questionamento a temas elegíacos como os lamentos de amor e a nostalgia, por meio de escultura, pintura e vídeo”.

A Menart é certamente uma feira bem-sucedida. Conforme seus organizadores, a exibição recebeu 5.727 visitantes em quatro dias; das 230 obras expostas 128 foram vendidas. A ideia era trazer uma experiência abrangente que envolvesse não apenas diferentes modalidades estéticas, mas também reunir museus, galeristas e artistas de toda a Europa — incluindo o trabalho do escultor libanês Samar Moeghabael, exposto no Musee de l’Homme.

Embora o cenário artístico no Oriente Médio e Norte da África mostre uma clara ascensão, é ainda crucial estar presente em Paris — há séculos, o coração do establishment artístico. Sua exposição ao público francês — e consequente europeu e global — não tem como objetivo apenas terminar na parede de um colecionador, mas expandir a conversa sobre o chamado mundo árabe, transformar paradigmas de um suposto embate entre culturas e introduzir elementos de beleza, curiosidade e estranhamento no diálogo cultural contemporâneo.

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