Universidades americanas alegam ser santuários onde ideias se encontram e pontos de vista são contestados. Contudo, muitos professores e estudantes pró-Palestina não podem dizer o mesmo.
Desde a ação surpresa de grupos da resistência armada palestina através da fronteira, em 7 de outubro, cuja resposta israelense foi uma guerra aberta contra a população civil da Faixa de Gaza, tensões escalaram nas universidades dos Estados Unidos — considerados bastiões tradicionais do ativismo político no mundo ocidental.
Em universidades de elite como Harvard, Columbia e Yale, entre outras, estudantes e ativistas reportam que seus esforços para denunciar os horrores impostos a Gaza são difamados como “antissemitismo”, com um efeito devastador sobre suas vidas.
Na última semana, o Senado dos Estados Unidos aprovou uma resolução para caracterizar grupos discentes palestinos em diversas universidades como “antissemitas, repugnantes e moralmente repreensíveis”, ao afirmar que “simpatizam com a violência genocida contra o Estado de Israel, ao pôr em risco a segurança física de judeus americanos”.
Nesta semana, o governo do presidente Joe Biden instruiu os Departamentos de Justiça, Segurança Nacional e Educação a colaborar com as polícias universitárias para investigar supostos incidentes “antissemitas” nos campi.
Estudantes de várias instituições, muitos dos quais falaram ao Middle East Eye em condição de anonimato, relataram que mesmo os esforços mais ponderados de conscientizar colegas sobre a história palestina e pedir por um cessar-fogo na Faixa de Gaza foram recebidos com tentativas atrozes e implacáveis para criminalizá-los, incluindo assédio direto contra famílias e perseguição empregatícia.
Os alunos reiteram que debates sobre os 75 anos de ocupação dos territórios palestinos são amordaçados há anos, muito antes do presente ciclo de violência. A intimidação, contudo, é mais severa do que nunca, com esforços institucionais para encobrir os crimes de Israel.
“Estudantes em todo o país enfrentam uma escala sem precedentes de assédio e difamação por seu apoio aos direitos palestinos”, reportou Dima Khalidi, diretora do Palestine Legal, ao Middle East Eye. “Somente nas últimas duas semanas, o Palestine Legal respondeu a mais de 260 incidentes de supressão do ativismo por direitos do povo palestino, aproximadamente o mesmo número de casos registrados em todo ano passado”.
“A escala não tem precedentes”, acrescentou Khalidi.
Diversos estudantes informaram ao Middle East Eye que, após o assassinato de um menino palestino-americano de seis anos de idade em Chicago, e um surto de islamofobia e crimes de ódio, foram aconselhados a tomar precauções, incluindo pseudônimos nas redes sociais, uso de máscaras nos protestos e que andem sempre acompanhados nos campi.
Este novo macarthismo, reiteram, é um exemplo do grosseiro autoritarismo que ganha forma na América — independente do espectro político.
Perseguição virtual, intimidação e assédio
Na Universidade de Harvard, prestigioso assento de aprendizado no noroeste americano, estudantes relatam que esforços para esmagar o sentimento pró-Palestina estão entre as mais violentas.
Logo no dia seguinte à ação da resistência palestina, estudantes de mais de duas dezenas de organizações, dentre as quais, o Comitê por Solidariedade Palestina e Judeus de Harvard por Libertação, rapidamente responsabilizaram o bloqueio de 17 anos a Gaza pelo episódio.
Declarações fortes pediram transparência da universidade sobre “a plena extensão de seus investimentos” em Israel, para reinvesti-los nas comunidades palestinas, uma demanda de longa data de grupos de direitos civis e contrários a esforços de guerra dos Estados Unidos.
O apelo foi rapidamente atacado por sionistas de várias castas e origens, desde alunos a doadores bilionários e deputados americanos — tanto democratas quanto republicanos.
A liderança de Harvard se sentiu compelida a escrever uma série de comentários sobre o incidente. A reitora Claudine Gay condenou categoricamente o grupo Hamas, mas tentou distanciar-se da polêmica, ao se recusar a adotar qualquer censura direta. Ao titubear, no entanto, deflagrou inadvertidamente uma campanha repressiva em escala nacional.
Um casal de bilionários israelenses, que chegou a doar US$30 milhões a Harvard, renunciou do conselho executivo para pressionar pela censura institucionalizada ao corpo discente. Em seguida, Bill Ackman, investidor bilionário, doador e ex-aluno de Harvard, exigiu da entidade que revelasse os nomes dos alunos signatários da declaração, para que empresas deixassem de contratá-los. Sem tardar, uma “lista de terrorismo” difundiu online informações pessoais dos alunos, tática referida como “doxxing” — ou intimidação virtual. A lista foi apagada, mas deixou danos.
Desde então, diversos estudantes de Harvard e outras instituições perderam oportunidades de emprego apenas por expressar posições que contradizem o posicionamento hegemônico dos Estados Unidos sobre Israel e Palestina.
Entre as mais bizarras campanhas de assédio contra ativistas pró-Palestina estão cartazes em caminhonetes que vagam pelo campus. Patrocinados pelo observatório reacionário Accuracy in Media (AIM) — título notavelmente irônico —, os veículos exibem nomes e fotografias, ao referir-se ao expor “os maiores antissemitas de Harvard”. O website da organização chegou a abrir uma seção chamada “Harvard Odeia os Judeus”.
Um professor de Harvard, em condição de anonimato, disse que a situação saiu do controle e que as caminhonetes são vistas nos subúrbios onde moram os estudantes e suas famílias.
“Não sinto segurança alguma”, comentou um aluno de Harvard ao Middle East Eye, também anônimo. “Estudantes que escolheram denunciar o genocídio em curso sofrem perseguição contínua”.
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Táticas repressivas se replicaram por todo o país. Na Universidade de Columbia, em Nova York, estudantes solidários ao povo palestino se viram monitorados de perto, com graves restrições a sua liberdade de movimento, à medida que a gestão converteu o campus em uma fortaleza, ao fechar entradas e saídas normalmente abertas ao público.
Aqueles que se juntaram aos protestos são alvejados e ostracizados, descritos ora como incômodo ao coletivo acadêmico, ora como ameaça.
Os agressores, em contrapartida, se sentem livres para cuspir em mulheres muçulmanas e arrancar os véus de suas cabeças.
Um graduando de Columbia alertou ao Middle East Eye que ativistas civis são retratados como “arruaceiros e criminosos” por falar em nome do povo palestino. Outra estudante, envolvida com o grupo Students for Justice in Palestine (SJP) reiterou tom de ameaça, ao ponto de “se tornar um problema vestir um keffiyeh ou hijab na escola” — isto é, o lenço nacional palestino e o tradicional véu islâmico.
Segundo o relato, incidentes de assédio tomaram o campus, incluindo um discurso de um professor de Columbia, em 26 de outubro, que viralizou. Em seu lamento de dez minutos, Shai Davidai, buscou constranger a universidade de um modo particularmente autoritário, ao acusá-la de permitir protestos de “estudantes que apoiam o terrorismo”.
“Jamais deixaríamos que a Ku Klux Klan marchasse pelos campi”, insistiu Davidai, ao ignorar atos de grupos neonazistas e supremacistas brancos que tomam os Estados Unidos há anos, tolerados pelo establishment nacional. “Jamais deveríamos permitir um protesto a favor do Estado Islâmico em nosso campus”, acrescentou.
O recurso indiscriminado do “antissemitismo”, ao vinculá-lo com críticas legítimas de alunos e professores ao Estado de Israel, levou um grupo de 144 acadêmicos de Columbia a redigir uma carta à comunidade na qual expressaram alarde sobre como muitos estudantes foram vilipendiados. Os signatários do alerta — entre os quais, Katherine Franke, Rashid Khalidi e Mahmood Mamdani — condenaram as maneiras pelas quais estudantes sofrem assédio e intimidação ao buscar um contexto para os eventos de 7 de outubro. Não tardou e mesmo os professores foram alvejados por não condenar as “ações terroristas” do Hamas.
Alunos de outras universidades, como Princeton, Yale e a Universidade da Cidade de Nova York, narraram experiências similares.
“Nos meus últimos dois anos em Yale, sempre foi difícil obter proteção institucional para realizar nosso trabalho, com intuito de criar espaços de diálogo e ativismo sobre a causa palestina”, relatou Ruqaiyah Damrah, ex-presidente do Yallies for Palestine. “Nós sempre soubemos que a Palestina é a exceção no que se refere à liberdade de expressão em Yale, considerada uma instituição liberal de elite de livre pensamento acadêmico. No entanto, esperávamos mais”.
Um porta-voz de Yale disse ao Middle East Eye que o colégio “se concentra em orientar e dar apoio a todos os membros da comunidade”.
“Encorajamos nossos alunos e todos os membros de nossa comunidade a estender respeito uns aos outros, ponderar cuidadosamente sobre suas palavras, se portarem com decência e avançar com generosidade, empatia e compaixão”, acrescentou o porta-voz.
A recusa da reitoria em debater o assunto com seus alunos, não obstante, abalou a crença de que Yale seja um caldeirão de ideias ou até mesmo um santuário de livre aprendizado.
“A maioria dos alunos que sofrem assédio de grupos vigilantes antipalestinos — como a Canary Mission e a Accuracy in Media —, aqueles cuja segurança e a subsistência estão sendo ameaçados por agentes externos, são cidadãos não-brancos e/ou muçulmanos”, corroborou Khalidi sobre a matéria.
Professores na linha de fogo
Professores também se tornaram alvo dos ataques deliberados à liberdade acadêmica. Nos dias seguintes a 7 de outubro, Joseph Massad, notório professor de Política Árabe Moderna e História Intelectual da Universidade Columbia, foi citado por uma petição com mais de 47 mil assinaturas pedindo sua demissão.
Seu crime? Escrever um artigo sobre o incidente.
A responsável pela petição, Maya Platek, trabalhou previamente com o exército israelense e acusou o pesquisador de “tolerar e apoiar o terrorismo”.
Esforços similares transcorreram na Universidade de Cornell em Ithaca, na Universidade de Nova York (NYU) e em Yale. Na instituição nova-iorquina, Ryna Workman, aluna do curso de direito, foi removida da presidência do grêmio discente e demitida do escritório Winston & Strawn, após escrever uma peça em uma newsletter na qual declarou sua solidariedade aos palestinos.
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Em Cornell, Russell Rickford, professor associado de História, foi forçado a tirar licença sob dura perseguição acadêmica por sua reação pessoal às ações de resistência. “Emocionante, energizante. E se eles não estivessem tão radiantes em contestar o monopólio da violência, em transformar a balança de poder, talvez fossem mais do que humanos. Eu mesmo fiquei entusiasmado”, declarou Rickford a estudantes no campus.
Em Yale, Zareena Grewal, professora de antropologia e estudos religiosos, foi acusada de “tolerar a violência e defender um grupo terrorista”, ao caracterizar supostos “crimes de guerra contra civis como atos de resistência”. Suas declarações foram compartilhadas em sua página pessoal do Twitter. Grewal reitera que as postagens foram tiradas de contexto para difamá-la como “apoiadora do Hamas” — algo que nega.
Em nossa última contagem, ao menos 50 mil assinaturas pediam a cabeça de Grewal.
O porta-voz de Yale prometeu parcimônia: “Demos apoio à segurança de protestos pacíficos dentro ou perto do campus. Resistimos também a apelos para disciplinar membros de nossa comunidade que declarem sentimentos pró-Palestina — o mesmo vale para declarações em apoio a Israel”.
Uma história de censura
Tentativas de humilhar, censurar e mesmo eliminar vozes acadêmicas palestinas ou outras vozes críticas à Israel, ao equipará-las ao “antissemitismo” têm uma história de longa data nas universidades americanas.
O ex-deputado Paul Findley escreveu em seu livro They Dare to Speak Out: People and Institutions Confront Israel’s Lobby que, desde o final da década de 1970, o Comitê de Assuntos Públicos Israelo-Americano (AIPAC) mantém atividades para instruir e treinar estudantes a propagar elementos da narrativa israelense, além de monitorar críticos e interferir diretamente em políticas editoriais dos jornais universitários.
Da mesma forma, acadêmicos foram mencionados em listas produzidas pela chamada Liga Antidifamação (ADL), incluindo muitos rechaçados por “Propaganda Pró-árabe nos Estados Unidos: Vozes e Veículos”. O intuito era expor as vozes palestinas e então isolá-las.
“Organizações e militantes pró-Israel frequentemente adotam táticas de difamação, assédio e intimidação para inibir a livre troca de ideias e pontos de vista”, reportou Findley em 1985.
O célebre acadêmico Edward Said, professor de Columbia, enfrentava ameaças rotineiras não por sua obra, como por suas raízes palestinas. Seus detratores recorreram à alcunha racista de “professor do terrorismo” e, no início da década de 1990, Said foi colocado em uma lista de alvos de militantes sionistas. Seu escritório em Columbia foi incendiado.
“Além da reitoria, apenas o escritório de Said tinha janelas à prova de bala e um alarme que emitia um sinal direto à segurança do campus”, recordou Timothy Brennan em sua biografia do professor palestino.
Em 2007, a Universidade DePaul cancelou o curso de Norman Finkelstein, notório judeu antissionista e autor de The Holocaust Industry: Reflections on the Exploitation of Jewish Suffering, por suas eloquentes críticas a Israel e seu exame científico de como ideólogos sionistas recorreram ao Holocausto para justificar os crimes contra os palestinos.
Em 2015, Steven Salaita teve sua oferta de emprego na Universidade de Chicago rescindida por tuítes críticos à “Operação Margem Protetora” — operação israelense contra a Faixa de Gaza que deixou 2.200 mortos pelos ataques aéreos.
Em 2021, o ativista e filósofo Cornel West se demitiu de Harvard, em parte, por conta do racismo antipalestino, ao acusar a instituição de ser “motivada pelo mercado”.
Mais recentemente, uma campanha se voltou contra a professora Satyel Larson, com intuito de demiti-la de Princeton, por sua decisão em recorrer como fonte um livro que denuncia o exército israelense por mutilar deliberadamente civis palestinos. Na ocasião, Amichai Chikli, então ministro de Assuntos da Diáspora do Estado de Israel, escreveu uma carta de próprio punho à universidade para exigir a remoção do livro do currículo acadêmico — novamente, sob a acusação de “antissemitismo”.
A universidade se negou a demitir a professora ou intervir em suas aulas. Um grupo sionista, em retaliação, instalou outdoors móveis por todo o campus, a fim de constranger estudantes judeus que eventualmente defenderam Larson.
Emanuelle Sippy, estudante judia de Princeton, destacou ao Middle East Eye que, no sentido contrário das alegações de Chikli, não foram os apelos por justiça e igualdade aos palestinos que a deixaram insegura no campus, mas sim a resposta dos grupos sionistas.
“De fato, é o anti-intelectualismo e o dogmatismo de sionistas e supremacistas brancos que representa uma verdadeira ameaça a nós, judeus progressistas”, acrescentou.
Cartas e mais cartas
Os ataques mais recentes a estudantes e a pressão às universidades para que condenem o movimento Hamas e seus eventuais “apoiadores” — isto é, para que criminalizem a causa palestina — se mostraram bastante focados e cada vez mais implacáveis.
Um professor palestino radicado nos Estados Unidos, em condição de anonimato, observou que o ritmo e a escala da retaliação e perseguição nas universidades americanas sugere que os colégios recebem instruções diretas para reprimir qualquer sentimento tangencialmente hostil ao Estado de Israel. Segundo seu relato, a Associação de Reitores de Israel emitiu uma carta a homólogos de todo o mundo tão logo quanto 11 de outubro — a fim não apenas de orientar a narrativa como instruir a repressão.
“Ouvimos falar de iniciativas tomadas por professores e estudantes em alguns campi no exterior que apoiam as ações do Hamas e da Jihad Islâmica e achamos que nem sempre houve uma resposta clara da liderança acadêmica a esses sinais de apoio”, queixaram-se nove reitores israelenses. “Esperamos que concordem que não pode haver apoio a essas organizações terroristas [sic] nas democracias ocidentais, assim como não há apoio para organizações como a Al-Qaeda e o Estado Islâmico”.
A carta reproduz falsas equivalências e ignora que muitos países não consideram os grupos da resistência palestina como “terroristas”, assim como Estados Unidos e Israel, ao preferir, no entanto, a abordagem do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Todavia, exigiu de colegas “ações excepcionais”.
“Não se trata de uma guerra como de costume ou outro capítulo do conflito entre Israel e Palestina. Não há ‘boa gente’ em ambos os lados. O Hamas e a Jihad se provaram cruéis e bárbaros, algo que nos lembra o Talibã e o Estado Islâmico”, insistiu o apelo.
Não é possível identificar com precisão quais universidades no mundo receberam a carta, mas laços institucionais entre Israel e Estados Unidos, por exemplo, se mantêm como um pilar do “relacionamento especial” entre ambos os países. Yale conduz intercâmbios com sete das nove universidades signatárias. Harvard tem programas com três. Columbia tem relações duradouras com ao menos quatro das instituições israelenses.
Em resposta ao Middle East Eye, Yale prometeu “checar” se havia recebido a carta. Columbia e Harvard se negaram a comentar.
Outras universidades em que o ativismo pró-Palestino foi posto em xeque, como Cornell, Princeton e Berkeley, têm relações de longa data com colégios israelenses. A NYU possui campus próprio na cidade de Tel Aviv.
Propaganda nos campi
O governo israelense investe pesadamente em estímulos ao intercâmbio com destino e origem de Israel, por meio de programas como Birthright, ou “direito de nascença”, que possibilitam uma viagem gratuita a jovens judeus às terras ocupantes, com objetivo, em último caso, de inculcá-los com um profundo sentimento de patriotismo.
Os esforços se intensificaram na década passada, a fim de conter uma crescente onda de solidariedade multicultural, multiétnica e multirreligiosa que tomou as universidades nos Estados Unidos, em favor dos direitos palestinos.
Há décadas, líderes e movimentos sociais afro-americanos se mostraram inclinados à causa palestina — como Malcolm X, Huey P. Newton, Angela Davis e Cornel West. Esta posição de longa data foi também adotada por grupos recentes, como o Black Lives Matter (BLM), que vinculam a causa palestina a outras causas sociais e por direitos civis.
Em resposta, houve uma emergência de entidades sionistas como o Instituto Israel, que busca “aprimorar o conhecimento sobre Israel moderno” com “prioridade” nos centros universitários. Fundado em 2012, o Instituto Israel alega objetividade e independência; contudo, tem diversos ex-militares israelenses entre suas fileiras. Desde 2020, Daniel B. Shapiro é presidente da entidade — ex-embaixador americano em Israel e, atualmente, responsável pela comunicação com Teerã. Até meados de 2022, dezenove universidades americanas receberam eventos do instituto.
As trocas incluem milhares de israelenses — incluindo colonos — que viajam aos Estados Unidos para estudar. O ano letivo de 2020 viu aumento de dois mil estudantes israelenses em programas de universidades de todo o país.
Neste mesmo contexto, em 17 de outubro, uma coalizão de colégios e universidades americanas, incluindo a Universidade da Cidade de Nova York (CUNY), publicou uma declaração em apoio a Israel e em oposição ao movimento Hamas.
“Construímos uma coalizão ampla capaz de articular a desumanidade quando a vemos”, declarou o rabino Ari Berman, presidente da Universidade Yeshiva.
Desde então, doadores impõem pressão a universidades, expõem estudantes e professores e buscam criminalizar o ativismo. Segundo o jornal The New York Times, vários investidores de Wall Street contactaram escolas de elite para influenciar suas políticas na conjuntura em curso. A Fundação Wexner rompeu com Harvard; a Universidade da Pensilvânia perdeu um de seus maiores doadores por não condenar “suficientemente” as ações do Hamas.
Esforços para vincular a militância pró-Palestina com apoio ao Hamas abriram caminho para a criminalização de algumas organizações nos Estados Unidos. Recentemente, o governador republicano da Flórida, Ron DeSantis, ordenou as universidades a banir o grupo Students for Justice in Palestine (SJP) de seus campi.
Em nota, o Palestine Legal reiterou que tais ações para demonizar o SJP — grupo com cerca de 200 agremiações filiadas em todo o país, que apoia a campanha não-violenta de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS) — busca “desviar, distorcer e silenciar vozes de estudantes e ativistas americanos, da mesma forma que a propaganda sionista busca distrair o público dos crimes de guerra atualmente conduzidos por Israel”.
Crise nas universidades
Estudantes concordam que os ataques não surpreendem, mas advertem que a escalada repressiva nas universidades desmonta qualquer ilusão de compromisso humanista com igualdade, justiça e mesmo integridade acadêmica nos campi.
Diversos graduandos reiteram que seu apoio a um Estado palestino independente nada mais que parte de uma luta mais ampla por políticas progressistas na América moderna, incluindo apelos por redução nas dívidas universitárias, melhroes direitos trabalhistas, antimilitarismo, acesso universal à saúde, políticas migratórias inclusivas, habitação, entre outros.
De fato, a causa palestina atraiu apoio de movimentos sociais de todo o espectro: ativistas palestinos e muçulmanos, judeus antissionistas, imigrantes asiáticos e nativos americanos. Muitos destes se tornaram defensores ferrenhos do apelo por boicote acadêmico contra o Estado colonial de Israel, nos moldes da luta contra o apartheid na África do Sul.
Na semana passada, milhares de estudantes nos Estados Unidos e Canadá realizaram uma marcha seguida por um protesto sit-in, reivindicando pressão por um cessar-fogo em Gaza, contra o genocídio do povo palestino e pelo fim da ajuda militar a Israel.
“Reconhecemos esses ataques como atos de desespero porque eles sabem que não tem o povo do seu lado”, argumentou Amari Butler, cofundadora da Organização por Resistência Africana e Afro-americana (Afro), em Harvard. “Somente nas últimas semanas, dezenas de milhares nos Estados Unidos e centenas de milhares em todo o mundo saíram às ruas em apoio à Palestina, para reivindicar que Washington cesse, de uma vez por todas, seu apoio ao apartheid israelense, e deixe de gastar o dinheiro do contribuinte em atos de genocídio. Agora, por puro desespero, recorrem a campanhas hediondas de intimidação para tentar nos assustar a não falar mais da Palestina”.
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Professores confirmam que o assédio contra figuras solidárias é uma clara manifestação de que o sionismo está perdendo a batalha e, sobretudo, os corações e mentes de uma vasta parcela da sociedade americana. Segundo os intelectuais, o papel da imprensa corporativa, dos grandes negócios e do Estado em permitir o genocídio não passou batido.
“Vimos o termo ‘consentimento fabricado’ ressurgir recentemente para descrever o papel da mídia no genocídio contra o povo palestino. As universidades também são cúmplices”, relatou um professor palestino radicado nos Estados Unidos. “A mistura de viés midiático, ingerência israelense, demonização dos ativistas serve para reprimir os palestinos e seus aliados, como também para normalizar a ideologia sionista, cujo objetivo é aniquilá-los e apagá-los do mapa”.
Por essa mesma razão, muitos estudantes dizem que não há caminho senão à frente: seguirão com o ativismo não importam as ameaças.
“As autoridades israelenses estão com medo de como as pessoas não somente passaram a apoiar a causa palestina, como estão orgulhosas em fazê-lo”, afirmou Butler. “Agora, é mais importante do que nunca dobrar a aposta e mostrar a todos eles que não, não temos medo e não seremos intimidados. Ainda assim, é chocante vê-los se comportar assim. Mas agora sabemos que eles têm medo e que certamente estamos do lado certo da história”.
Artigo publicado originalmente em inglês no MIddle East Eye, em 01 de novembro de 2026
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