O Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) conduzirá audiências nesta quinta e sexta-feira, 11 e 12 de janeiro, sobre uma denúncia encaminhada pela África do Sul de que Israel comete um genocídio em Gaza. A queixa sul-africana busca a suspensão imediata da ofensiva militar. O tribunal sediado em Haia, na Holanda, também conhecido como Corte Mundial, é o órgão máximo de justiça das Nações Unidas, estabelecido em 1945 para solucionar disputas legais entre os Estados. O Tribunal Internacional de Justiça é uma instituição distinta do Tribunal Penal Internacional, também em Haia, que trata do julgamento de indivíduos por crimes de guerra e lesa-humanidade.
O painel de 15 juízes do TIJ — que pode receber um juiz adicional de cada lado da disputa — trata de disputas de fronteira e, cada vez mais, de violações de tratados das Nações Unidas por agentes estatais.
Tanto Israel quanto África do Sul são signatários da Convenção para Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio de 1948, o que dá a Haia jurisdição para determinar disputas sobre o tratado em questão. Embora o caso envolva os territórios palestinos ocupados, os palestinos não têm papel oficial no processo, dado que não se trata ainda de um Estado-membro das Nações Unidas.
Todos os Estados signatários da Convenção sobre Genocídio são obrigados a respeitá-la, isto é, ao não incorrer no crime ou deixar de puni-lo ou preveni-lo. O tratado define genocídio como “atos cometidos com intento para destruir, em todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso”.
Em sua denúncia de 84 páginas, a África do Sul diz que, ao assassinar os palestinos de Gaza, deixando traumas e ferimentos, e criar condições “deliberadas para lhes impor destruição material”, Israel certamente comete genocídio contra a população do território costeiro. A denúncia lista a recusa israelense de permitir o acesso a alimentos, água, remédios, abrigo, combustível e outros insumos humanitários fundamentais. O cerco absoluto instaurado por Israel já dura três meses, além de 17 anos de cerco militar. A denúncia dá enfoque ainda aos bombardeios indiscriminados e contínuos que devastaram o enclave, ao forçar a evacuação de cerca de dois milhões de pessoas de suas casas, com mais de 23 mil mortos e quase 60 mil feridos.
LEIA: Como a guerra genocida de Israel contra os palestinos é uma tradição colonial
“Podemos atribuir todos os atos a Israel, que não somente falhou em impedir o genocídio como passou a cometê-lo, em violação manifesta da Convenção sobre Genocídio de 1948”, destacou a África do Sul em sua queixa. O documento insta ainda a corte a impor medidas de emergência para conter novas violações.
O presidente israelense Isaac Herzog buscou difamar o processo como “atroz e absurdo”, ao ecoar alegações de que suas tropas buscam evitar baixas civis na Faixa de Gaza. “Estaremos lá no Tribunal Internacional de Justiça e apresentaremos com orgulho nossa justificativa de autodefesa sob nossos direitos inerentes sob a lei internacional”, insistiu Herzog.
A ofensiva israelense é retaliação a uma operação transfronteiriça do movimento Hamas que cruzou a fronteira e capturou colonos e soldados. Segundo a versão israelense, ao menos 1.200 pessoas foram mortas e 240 foram abduzidas pelo grupo palestino; desde então, no entanto, evidências surgiram de que muitas das vítimas foram mortas, na verdade, por “fogo amigo”, isto é, por disparos das próprias Forças de Defesa de Israel (FDI).
Nos próximos dois dias, Israel e África do Sul darão início aos debates. Ambos os países têm duas horas em dias separados para apresentar seu caso, seja contra ou a favor das medidas emergenciais por um cessar-fogo. Tais discursos devem se concentrar em argumentos legais proferidos por oficiais de Estado ou seus advogados.
O pedido de cessar-fogo é apenas o primeiro passo em um caso que pode levar anos e anos para ser concluído. Oficialmente chamado de “medidas cautelares”, trata-se de um recurso que busca impedir que uma disputa se agrave à medida que a corte estuda o caso.
O tribunal não deve deferir um veredito final sobre as denúncias sul-africanas de genocídio contra a população de Gaza até ouvir as argumentações de mérito — algo que pode levar anos. As audiências desta semana são meramente sobre as medidas cautelares, comumente aprovadas pelo painel de juízes, ao demandar de um país que evite ações que aprofundem a crise.
Para tais medidas, basta à corte analisar em um primeiro momento, ou prima facie, se tem jurisdição e se os atos denunciados recaem ao escopo da Convenção sobre Genocídio. Ações deferidas podem ou não ser concomitantes com aquelas reivindicadas pelo querelante.
A África do Sul pediu ao tribunal que determine a Israel a suspensão de suas ações militares em Gaza, para impedir a escalada no genocídio ou para empregar esforços razoáveis neste sentido, incluindo relatórios regulares encaminhados a Haia.
O veredito sobre as medidas cautelares, no entanto, deve ser deferido apenas nas próximas semanas. As determinações da corte são definitivas, o que significa que não há recurso. Não obstante, tampouco há meios para aplicá-las. Espera-se, todavia, que uma decisão contra Israel imponha um novo impacto de relações públicas ao Estado ocupante e estabeleça um precedente legal.
Se a corte confirmar sua jurisdição sobre o caso, este avançará ao chamado Palácio da Paz de Haia, mesmo que os juízes indefiram as medidas emergenciais.
LEIA: O destino da justiça global depende do caso da África do Sul sobre Gaza no TIJ
Israel tem, portanto, uma chance de argumentar que Haia carece de base legal para analisar as acusações da África do Sul, ao registrar uma objeção preliminar, que se limita meramente à matéria de jurisdição. Caso a corte negue a objeção israelense, os juízes poderão enfim analisar o caso em audiências públicas. Não é incomum que anos e anos se passem entre a primeira acusação e audiência factual do mérito.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.