Nos últimos anos, houve grande burburinho sobre o uso israelense de cidadãos palestinos como escudos humanos durante incursões militares. A expressão controversa — “escudos humanos” — se define, de acordo com o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, como “método de guerra proibido pela lei humanitária internacional na qual a presença de civis ou o movimento de uma população civil, voluntário ou não, é usado para proteger ou facilitar objetivos militares”.
A seguir, demonstramos que Israel usa sua própria população como escudos humanos em nome de suas ambições coloniais na Palestina histórica.
O projeto colonial israelense recorre à violência para expulsar palestinos nativos de suas terras e substituí-los por colonos ilegais. Os refugiados são forçados a buscar asilo em áreas vizinhas ou mesmo no exterior, com nada senão o sonho de retornar a sua terra.
A propaganda de guerra israelense busca encorajar seus cidadãos a se mudar a assentamentos subsidiados pelo Israel, através de narrativas nacionalistas, supremacistas ou fundamentalistas, que buscam convenientemente omitir a probabilidade real de se depararem com a resistência palestina. Muitos colonos chegam a consentir mudança cientes do conflito, devido aos esforços de radicalização do Estado.
Quando os palestinos impõem inevitável resistência em suas terras, inescapavelmente colonos ilegais se tornam os primeiros afetados na linha de fogo. Quando se tornam baixas, Israel utiliza suas mortes para incitar ainda mais agressão, mediante respostas militares desproporcionais e punição coletiva contra o povo palestino, não somente nas áreas de onde emana a resistência, mas em todo o território. Habitualmente, os ciclos de violência precedem avanços da ocupação.
Mesmo ao considerarmos que a violência contra não-combatentes seja condenável, é essencial destacar a forma como, por meio do colonialismo de povoamento, o Estado israelense usa seus próprios cidadãos como bucha de canhão para justificar sua violenta escalada contra cidades e aldeias palestinas. Em suma, todos os colonos são, portanto, escudos humanos, uma estratégia renovada tanto antes quanto depois das operações transfronteiriças de 7 de outubro.
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Entre 1947 e 1949, forças militares sionistas intensificaram sua campanha da Nakba — isto é, a catástrofe palestina —, na qual conduziram sucessivos massacres para expulsar da terra o povo nativo. O chamado envelope de Gaza não foi exceção. Aldeias palestinas perto do enclave foram destruídas e seus habitantes foram deslocados à força. Para consolidar o jugo israelense sobre a região, o projeto colonial passou então a construir assentamentos.
A ocupação do território, no entanto, não equivalia ao objetivo final do projeto israelense, mas sim o enraizamento de comunidades tão próximas da Faixa de Gaza quanto possível, para que estas servissem como zona neutra uma vez que os refugiados buscassem reaver suas terras. São justamente os primeiros colonatos afetados pela Operação Tempestade de Al-Aqsa, conduzida por forças da resistência palestina em 7 de outubro.
Em reconhecimento ao contexto histórico no qual tais ações ocorreram, devemos ponderar que os grupos armados palestinos efetivamente buscaram retomar controle da terra expropriada 75 anos atrás. A inevitabilidade dos incidentes de 7 de outubro resultam de ações israelenses que instauraram em Gaza sitiada condições caracterizadas como “campo de concentração” e “prisão a céu aberto”, além de sucessivos massacres e bombardeios e rejeição veemente a esforços de negociação ou protestos pacíficos por direitos palestinos.
Embora boa parte da imprensa insista que a tomada israelense de Gaza não está em jogo para o pós-guerra, o premiê Benjamin Netanyahu manifesta intenções expansionistas ao declarar que, após suas operações no enclave serem concluídas, a “responsabilidade geral de segurança” em Gaza estará nas mãos de Tel Aviv. A terminologia capciosa praticamente preconiza a ocupação do exército israelense sobre o território palestino, sob o pretexto de “segurança”.
O governo israelense também confirma que não tem qualquer intenção de permitir a cidadãos deslocados do norte de Gaza que retornem a suas casas, em uma retórica que ecoa os esforços de expropriação do projeto colonial sionista, desde os primórdios do século XX até hoje. Mesmo durante a chamada “pausa” humanitária em Gaza, forças da ocupação israelense abriram fogo contra palestinos que buscavam regressar ao norte. Diversos oficiais israelenses, neste mesmo contexto, insistem em planos para realocar os palestinos de Gaza ao deserto do Sinai, por meio de transferência compulsória — crime de guerra e lesa-humanidade.
Não surpreende, todas essas narrativas de expansão e violência colonial ganharam nova tração após 7 de outubro, com a morte de colonos — incluindo aqueles que, investigações revelaram, foram mortos por “fogo amigo”, isto é, por tanques e forças israelenses. Tamanha sequência de eventos revela a verdadeira natureza da política de Israel de utilizar sua própria população como escudos humanos, via colonialismo de povoamento com fins militares e supremacistas.
A natureza premeditada dessas políticas se reforça ainda pelo fato de que os líderes israelenses sabiam do ataque há mais de um ano; contudo, nada fizeram para instruir os colonatos ao redor de Gaza a qualquer evacuação ou proteção efetiva. O flagrante desdém de Tel Aviv pela vida dos colonos se evidencia também por sua recusa persistente em negociar com o movimento Hamas uma eventual troca de prisioneiros, a fim de priorizar a libertação dos reféns. Muitos destes, ao contrário, foram mortos justamente pelos bombardeios indiscriminados de Israel.
Escudos humanos na Cisjordânia
A população israelense na Cisjordânia ocupada também é usada como escudo humano, a favor dos interesses militares do Estado colonial e seus aliados, para expropriar e expulsar os cidadãos nativos de suas terras e forçá-los ao refúgio. Assentamentos, junto de estradas exclusivamente judaicas, que configuram crime de apartheid, isolam comunidades palestinas umas das outras e impedem qualquer reunificação nacional. Uma vez expropriados os palestinos de suas terras —seja por forças do exército oficial ou milícias sionistas escoltadas por soldados — Israel incentiva colonos judeus a povoar novos assentamentos, para consolidar trincheiras na Cisjordânia.
Todos os colonos israelenses na Cisjordânia são ilegais segundo a lei internacional, ao ocupar as terras palestinas e, portanto, estarem sujeitos a ações de resistência da população nativa. De fato, a maioria dos colonos guarda convicções ideológicas que os fazem consentir com as ações de Israel, ao se colocar voluntariamente ou quase na vanguarda do conflito. No entanto, levam consigo crianças que servem, em um primeiro momento, como escudo ideológico — para mais tarde serem doutrinadas, radicalizadas e recrutadas pelo exército de Israel.
Similar à histeria em torno da mentira de que combatentes do Hamas degolaram bebês, caso as crianças transferidas pelo regime ocupante às trincheiras do conflito acabem mortas ou feridas, sua tragédia é instrumentalizada por Israel como uma oportunidade perfeita para desumanizar os palestinos e justificar os avanços coloniais. Quando dois adolescentes anglo-israelenses e sua mãe foram mortos nas estradas do apartheid perto do assentamento de Efrat — em retaliação à campanha genocida em Gaza —, suas mortes foram usadas como arma para “lembrar todos os israelenses quão prevalente é a ameaça do terrorismo em todas as suas formas [sic]”, a fim de instaurar novos bloqueios na região e intensificar campanhas de prisão e punição coletiva.
Além disso, quando Israel ataca palestinos nativos nos territórios ocupados, vale notar que os colonos, muitas vezes, são o único alvo ao alcance das forças de resistência, cujo movimento e eventuais operações são bastante restritas. A morte dos colonos se converte, portanto, em um instrumento a favor dos objetivos coloniais de Israel na Cisjordânia.
Israel essencialmente vende uma árdua propaganda colonial a pais de meninos e meninas para que deixem a segurança de suas casas em seus países natais — como a Grã-Bretanha e muitos outros — para se transformaram, na prática, em bucha de canhão nas fileiras da colonização da Palestina histórica.
Antissemitismo israelense
O uso deliberado e reiterado de Israel de sua população como escudos humanos, para avançar com seus objetivos expansionistas, revela uma natureza antissemita do projeto colonial sionista. À medida que Israel aglomera cidadãos judeus nos assentamentos e postos avançados ilegais, estes mesmos judeus enfrentam riscos de vida em nome da expropriação de terras.
Se o antissemitismo é, fundamentalmente, o desprezo pela vida judaica, então Israel é hoje um de seus principais agentes, ao empregar justamente o mal que alega combater.
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