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Réus por incêndio em campo de refugiados na Grécia denunciam julgamento injusto

Danos deixados por um incêndio que tomou o campo de refugiados de Moria, em Lesbos, na Grécia, 16 de setembro de 2020 [Angelos Tzortzinis/AFP/Getty Images]

Quatro requerentes de asilo afegãos, que residiam no campo de refugiados de Moria, na ilha de Lesbos, na Grécia, denunciam passar por um processo injusto, acusados de começar um incêndio que tomou as instalações então superlotadas.

Seu destino será selado nesta semana, à espera de uma decisão de um tribunal de apelação em Atenas, segundo informações da agência de notícias Al Jazeera.

Os réus têm atualmente entre 18 e 20 anos. Sua condenação a dez anos de prisão, por um “incêndio criminoso com risco à vida humana”, transcorreu em junho de 2021, em um julgamento denunciado pela defesa por inúmeros equívocos e irregularidades.

Desde 2020, os quatro jovens são mantidos em duas prisões distintas na Grécia continental.

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Dois outros refugiados afegãos também foram acusados, mas julgados separadamente devido a sua idade. O mais jovem permanece em uma instituição carcerária para menores de idade, após seu recurso ser indeferido no último ano.

A promotoria se baseou na identificação de uma única testemunha, que reconheceu uma série de fotos dos acusados; contudo, sem outras evidências tornadas públicas.

Conforme o Centro Legal de Lesbos, que representa os refugiados, “nenhuma das testemunhas de acusação, sejam policiais ou bombeiros, pôde identificar os réus, embora tenham vivenciado o incêndio em primeira mão”.

Lesbos era um dos principais portões de entrada para requerentes de asilo à Europa entre 2015 e 2016, em meio à crise oriunda dos conflitos no Afeganistão, Síria, Líbia e outros países. Atenas encaminhava seus refugiados a Moria, para então “processá-los”.

Na ocasião do incêndio, em setembro de 2020, o local já era descrito como um “inferno na terra” por organizações de direitos humanos.

Suas condições precárias e de superlotação eram conhecidas e documentadas. Em seu ápice, Moria abrigava 20 mil pessoas em um espaço destinado originalmente a não mais que três mil refugiados. O local era, portanto, repleto de tendas e barracos.

O incêndio foi detectado na madrugada de 8 de setembro e rapidamente tomou os olivais nas colinas de Lesbos.

Thanasis Voulgarakis, ativista de direitos humanos radicado na pequena ilha grega, correu à área ao perceber o incêndio.

“Tudo estava em chamas; literalmente, chamas por toda parte”, recordou Voulgarakis. “A noite inteira foi assim e as pessoas tentavam se ajudar, mas o plástico das tendas queimava sem parar e havia pânico por toda a parte. Que ninguém se machucou foi um milagre”.

O incêndio procedeu até a manhã. O campo foi transformado em um emaranhado de plástico e metal retorcido, repleto de pertences destruídos, deixados para trás.

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Os dias que se seguiram resultaram em cenas caóticas de milhares de desabrigados nas ruas de Lesbos, enquanto autoridades preparavam às pressas um novo campo “provisório” em um local próximo — todavia, ainda em uso.

Ativistas e organizações internacionais culpam políticas repressivas de migração da Europa pela superlotação dos campos e subsequentes tragédias.

Ainda antes de sequer indiciamento, Notis Mitarachi, então ministro de Migração da Grécia, se vangloriou de que os “incendiários de Moria” haviam sido detidos e que “a segurança de todos foi assegurada”.

Advogados de defesa apontaram para o clima político ao demonstrar “desprezo [do processo] a etapas fundamentais e salvaguardas substantivas”.

Testemunhas jamais corroboradas na corte alegaram, segundo a polícia, que os réus iniciaram o incêndio em uma área específica de Moria; contudo, que sequer queimou naquele instante, de acordo com relatos das equipes de resgate.

O Instituto de Arquitetura Forense, agência de pesquisa independente que avaliou o incidente, emitiu uma perícia em 2023 após examinar centenas de vídeos, imagens, relatos e documentos oficiais para reconstruir os eventos.

Segundo o estudo, o incêndio coincide com padrões periódicos que assolam a região, sobretudo em setembro, “quando os campos estão secos na orla mediterrânea”.

“Condições de seca, combinadas com precariedade e densidade resultante de políticas impostas pela Grécia e União Europeia, levaram à escalada nos incêndios ano após ano, na mesma época do ano”, concluiu a perícia. “Nossa análise revela, no entanto, inconsistências consideráveis nos relatos de testemunhas-chave e levam a dúvidas sobre o julgamento”.

Vicky Aggelidou, advogada do Centro Legal de Lesbos, reportou que as audiências se realizaram sem a presença de jornalistas e observadores legais, sob pretexto de um conjunto de restrições relativas à pandemia de covid-19.

“Se o público não fosse banido da corte desde o princípio, teríamos visto a dramatização ridícula que levou à condenação dos quatro de Moria, sem sequer evidências críveis”, alertou Aggelidou à Al Jazeera.

“Esperamos quase três anos e meio por um julgamento adequado, com consideração real sobre os argumentos da defesa, tempo no qual os quatro acusados continuaram na prisão”, reafirmou. “Embora as autoridades queiram varrer as cinzas de Moria para debaixo do tapete, manteremos a luta pela liberdade dos refugiados de Moria”.

“De fato, o que deveria estar no banco dos réus é a política adotada pela Grécia e pela Europa e não esses seis jovens refugiados afegãos”, concluiu a advogada.

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