Embora brevemente, o genocídio israelense na Faixa de Gaza chegou aos palcos do Oscar, maior premiação de Hollywood, neste domingo (10), após o diretor Jonathan Glazer vencer a categoria de Melhor Filme Estrangeiro por Zona de Interesse (The Zone of Interest, Reino Unido).
O comentário ganha importância pelo fato de seu longa-metragem retratar a vida doméstica do comandante nazista Rudolf Höss, cuja família residia logo à margem campo de concentração de Auschwitz, convivendo com as cinzas, odores e ruídos do extermínio em massa.
As personagens buscam maneiras de viver como se nada acontecesse na instalação vizinha, ao aludir a um conceito de banalização do mal ou naturalização do horror.
Glazer agradeceu a seus colaboradores antes de voltar-se à situação em Gaza: “Nossas escolhas foram feitas para refletir e nos confrontar no presente — não para dizer, ‘Veja o que fizemos’, mas sim ‘Veja o que fazemos agora’. Nosso filme mostra para onde leva à desumanização em sua pior faceta. Moldou todo nosso passado e nosso presente”.
Em seguida, reafirmou: “Estamos aqui como homens que rejeitam que sua identidade judaica e o Holocausto sejam sequestrados pela ocupação, que levou conflito a tantas vidas inocentes”.
“Sejam israelenses em 7 de outubro ou as vítimas dos ataques ainda em curso a Gaza são todas vítimas da desumanização”, concluiu o cineasta britânico, diante de uma plateia aparentemente dividida. “Como então resistir?”
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Zona de Interesse, estrelado por Sandra Hüller e Christian Friedel, foi nomeado a cinco Oscars, incluindo Melhor Filme, e venceu duas categorias: Melhor Filme Estrangeiro e Melhor Som.
A cerimônia foi marcada por sugestões de solidariedade aos palestinos de Gaza, em meio a um apreensivo clima de macartismo na indústria cultural dos Estados Unidos — em particular, após uma série de demissões de profissionais como Susan Sarandon e Melissa Barrera, devido a seu posicionamento pró-Palestina.
Não obstante, figuras como Billie Eilish e seu irmão, Finneas O’Conneal — vencedores do Oscar por Melhor Canção Original por Barbie —, Mark Rufallo — indicado a Melhor Ator Coadjuvante por Pobres Criaturas (Poor Things) — e outros, como os apresentadores Mahershala Ali e Remy Youssef, subiram ao palco com um broche da campanha Artistas por Cessar-fogo.
A petição, com apoio das organizações não-governamentais Oxfam e Action Aid, reúne nomes como Jennifer Lopez, Joaquin Phoenix, Rooney Mara, Richard Gere, Dua Lipa, Brian Cox, Sandra Oh, Jeremy Allen White, Selena Gomez, entre outros.
Sentado ao lado de Sandra Hüller, o ator francês Swann Arlaud vestiu sobre a lapela um broche com a bandeira palestina, assim como o colega de cena de ambos — no filme Anatomia de uma Queda (Anatomie d’une chute) — Milo Machado-Graner, de apenas 15 anos.
Ainda no tapete vermelho, Remy Youssef falou abertamente da crise: “Queremos o cessar-fogo imediato e permanente em Gaza. Queremos paz e justiça pelas pessoas na Palestina. Esta é uma mensagem universal: parem de matar crianças”.
Em 18 de fevereiro, durante a cerimônia do Bafta, considerado o Oscar britânico, James Wilson, um dos produtores de Zona de Interesse, também abordou Gaza.
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Wilson aludiu a esforços de dissociação e os muros construídos em Auschwitz ou nos territórios palestinos ocupados: “Muros não são novidade, antes ou depois do Holocausto. Neste instante, parece que não nos importamos com os inocentes mortos em Gaza ou no Iêmen, ao menos da mesma forma com que pensamos nos mortos em Israel ou Mariupol”.
Israel mantém ataques a Gaza desde 7 de outubro, em retaliação a uma ação transfronteiriça do grupo Hamas, que capturou colonos e soldados. São 31.045 palestinos mortos e 72.654 feridos até então, além de dois milhões de desabrigados.
Cerca de 70% das vítimas são mulheres e crianças.
As ações israelenses são punição coletiva, crime de guerra e genocídio.