No primeiro mês da guerra em Gaza, a mídia usou termos como “massacres” e “atrocidades” para descrever a morte de israelenses cerca de 11 vezes mais do que para descrever a morte de palestinos.
Essa é uma das conclusões de um novo relatório que analisa a cobertura da guerra em Gaza do Centre for Media Monitoring, que examina as representações dos muçulmanos na mídia britânica. O relatório surge no momento em que o número de mortos em Gaza ultrapassa 30.000.
No ano passado, jornalistas da BBC escreveram uma carta destacando o que eles descreveram como parcialidade na cobertura da guerra pela emissora – e eles certamente têm razão.
Ainda assim, alguns defensores pró-Israel continuam insatisfeitos, sugerindo que certos termos deveriam ser exclusivos dos ataques do Hamas em 7 de outubro. Em um exemplo citado no relatório do centro, um político conservador acusou um jornalista britânico convencional de usar “linguagem emotiva” ao chamar a matança de palestinos em Gaza de “massacre”.
Na verdade, uma análise da cobertura da mídia britânica mostra uma falha generalizada na representação das vozes e preocupações palestinas, com quase três quartos das atribuições na televisão aberta favorecendo uma fonte ou um ponto de vista israelense.
O relatório mostra um desequilíbrio que prioriza as narrativas israelenses, em um conflito em que as reivindicações concorrentes sempre foram difíceis para os jornalistas navegarem. O enquadramento desigual levou a repetidas exigências de convidados e comentaristas de televisão para que reconhecessem o “direito” de Israel de se defender, mencionado mais de cinco vezes do que o direito dos palestinos de se defenderem.
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Como o escritor e sindicalista Andrew Fisher respondeu na BBC: “Ouvimos dizer que Israel tem o direito de se defender, mas a Palestina tem?”
Falta de contexto
Analisar a extensão da cobertura tem sido um desafio, com mais de 176.000 vídeos de notícias transmitidos e quase 26.000 artigos de notícias on-line aparecendo em apenas um mês após os ataques de 7 de outubro.
Mas surgiram padrões claros. Apesar do fato de o conflito consistir em um Estado ocupante e um povo ocupado, uma emissora internacional (Al Jazeera – English) fez mais menções a “territórios ocupados” do que todos os canais de notícias britânicos juntos. Das quase 100.000 referências a Gaza, houve apenas 28 menções a “Gaza ocupada” – uma situação de fato em meio ao cerco de Israel – e metade delas foi feita pela Al Jazeera – English.
Isso se refere a um problema maior com a cobertura da mídia, ou seja, a falta de contexto, apesar dos esforços dos palestinos para lembrar aos espectadores e leitores que eles sofreram repetidos massacres e humilhações nos 75 anos anteriores a 7 de outubro. Alguns foram posteriormente acusados de tentar justificar os ataques do Hamas.
A ideia de que aqueles que defendem a Palestina são apoiadores do terrorismo tem recebido um tempo de antena significativo, mesmo antes de a polêmica ter sido turbinada pelo primeiro-ministro britânico após a eleição de George Galloway como novo deputado de Rochdale.
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Um fato surpreendente ausente da cobertura da mídia britânica é que houve menos prisões nos protestos “abertamente criminosos” contra a Palestina do que no festival de música de verão de Glastonbury, realizado no sul da Inglaterra. Os canais de notícias de direita, especialmente a GB News e a TalkTV, têm estado na vanguarda do enquadramento dos protestos como pró-Hamas, com os manifestantes sendo descritos como “dando um álibi para o mal” e decretando “terror em nossas ruas”.
Em um caso que se tornou viral, a BBC corrigiu sua descrição dos manifestantes como “apoiadores do Hamas”, mas outros exemplos não foram contestados.
Não tem sido fácil encontrar um equilíbrio para a BBC em particular, já que a emissora foi criticada pelo presidente israelense, Isaac Herzog, por não seguir a linha israelense quando se trata de rotular certos grupos como “terroristas”.
Alegações não verificadas
No entanto, apesar dos ataques implacáveis de comentaristas e políticos pró-Israel, foi notável ver um artigo do Guardian sobre a equipe “angustiada” da BBC com a imagem de um jovem manifestante pró-Palestina segurando um cartaz criticando a emissora.
Agora é comum que as mesas de fotografia associem a bandeira palestina e outros símbolos nacionais ao extremismo e ao antissemitismo. Um artigo do Guardian de outubro que discutia o aumento de incidentes antissemitas, por exemplo, usou uma foto de manifestações pró-Palestina, reconhecendo posteriormente que era inadequada e trocando-a por uma foto de uma vigília pelas vítimas israelenses dos ataques de 7 de outubro.
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Alegações horríveis sobre bebês decapitados e mulheres mutiladas receberam cobertura de primeira página na mídia britânica, sem o vigor jornalístico necessário para comprovar sua veracidade. Uma decisão recente do órgão regulador de mídia do Reino Unido, Ipso, inocentou o jornal Sun de irregularidades, observando que ele relatou o incidente dos “bebês decapitados” como uma alegação e não como um fato estabelecido.
Isso aponta para outro problema que encontramos: uma aparente prontidão entre muitos meios de comunicação para aceitar afirmações e narrativas israelenses, enquanto duvidam do que é dito pelos palestinos. O grande aumento na atribuição do rótulo “administrado pelo Hamas” ao Ministério da Saúde de Gaza após o ataque ao hospital al-Ahli em outubro é apenas um exemplo.
A islamofobia, que tem sido descrita como um fator importante na defesa do genocídio, tem sido amplamente difundida na mídia de direita, com editores e comentaristas promovendo uma narrativa de antissemitismo muçulmano que, segundo eles, está enraizada na própria religião do Islã.
Resta saber se o órgão regulador de comunicações Ofcom se tornará mais rigoroso ao responsabilizar as expressões de retórica antiárabe e islamofóbica. Um bom começo seria reequilibrar a cobertura da guerra de Israel em Gaza, que tem sido, em sua maioria, unilateral.
Artigo publicado originalmente em inglês no Middle East Eye em 08 de março de 2024
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