A Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados do Brasil devotou uma audiência pública na noite de quarta-feira (24) para debater a crise humanitária na Faixa de Gaza. Particularmente notável foi a presença de uma testemunha ocular do que se passa no território sitiado, a convite do Congresso, para falar sobre o genocídio e as violações sistemáticas de direitos humanos cometidas pelas forças israelenses contra os palestinos e apelar aos parlamentares brasileiros para que trabalhem mais contra a ocupação.
O Dr. Jamal Naim, ex-reitor da Faculdade de Odontologia da Universidade de Gaza, retirado dos escombros de uma residência civil bombardeada por aviões de guerra israelenses, deu seu depoimento em primeira mão sobre seu sofrimento, de seu povo e de sua família.
A Comissão participativa, comandada pelos deputados federais João Daniel (PT–SE) e Padre João (PT–MG), estendeu um convite sem precedentes a diversos representantes do povo palestino. Entre eles, o embaixador da Autoridade Palestina (AP) em Brasília, Ibrahim al-Zaben, o presidente do Instituto Brasil–Palestina (Ibraspal), Ahmed Shehadeh, e o presidente da Federação Árabe-Palestina do Brasil (Fepal), Ualid Rabah — além de várias outras lideranças, incluindo ativistas, jornalistas, juristas e diplomatas de 15 países.
“Eu vim do inferno na terra, de um cemitério de crianças e sonhos — eu vim de Gaza!”, disse Naim. “O que está acontecendo em Gaza não cabe em palavras. A ocupação israelense assassinou minha mãe, minhas filhas e netas e destruiu todas as nossas casas”.
“Hoje, minha fala aqui no Brasil é uma tentativa de transmitir a voz dos palestinos soterrados pelos escombros de sua casa ao restante do mundo”, acrescentou.
O Dr. Naim fez uma longa jornada, de Gaza ao Brasil, apesar de todas as dificuldades e desafios postos em seu caminho. Então, falou em nome de Gaza, do povo palestino e de seus entes queridos. A família de Naim tem muitos médicos e dentistas e, certa vez, vislumbrou um futuro de felicidade, prosperidade e aspirações. Agora, enfrenta um vazio desolador deixado pela perda de suas filhas, Shaima e Samaah, e seus netos, Taysir, Lara e Butoul — vidas absolutamente inocentes ceifadas pela ocupação de Israel.
Em entrevista ao MEMO, o Dr. Naim confirmou que o convite representa um novo passo adiante nas relações entre o Brasil e a causa palestina. “Vemos essa sessão como um passo importantíssimo e sem precedentes, pois é um dos primeiros parlamentos do mundo a ouvir de fato uma vítima de Gaza”, destacou Naim. “Ouvir a história de alguém que foi ferido pessoalmente e perdeu membros de sua família tem maior impacto na credibilidade dos relatos sobre a situação miserável que assola Gaza”.
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Diante dos deputados, o Dr. Jamal Naim não conseguiu conter as lágrimas, ao recordar os momentos mais difíceis sobre a brutal agressão israelense. Naim foi expulso debaixo de bombas do norte de Gaza, junto de mais de 80 pessoas; assentou-se em uma casa na região central, onde viveu por mais cem dias sangrentos e sofreu cada momento de fome, sede, frio e doenças, quando subitamente se viu debaixo dos escombros, cercado de familiares mortos.
“Apesar de todas as minhas dores e perdas, sinto que devemos nos erguer para entregar ao mundo uma mensagem do povo palestino oprimido, que ainda sofre sob o genocídio israelense e sob a limpeza étnica”, reiterou Naim. “Peço ao povo brasileiro, seus legisladores e todo o mundo que parem o genocídio, que imponham pressão para responsabilizar ocupação por seus crimes e reivindiquem um boicote econômico, político e militar do Estado ocupante”.
“Gaza ressuscitou a consciência do mundo”, disse Naim, ao saudar o movimento de solidariedade ao povo palestino. “Quando encontro um brasileiro na rua, no mercado ou restaurante, quando ele descobre que sou palestino, imediatamente expressa seu apoio ao povo de Gaza e de toda a Palestina. Expressa também sua profunda indignação com o silêncio do mundo sobre os massacres israelenses em minha terra”.
O relato do Dr. Jamal Naim à Câmara dos Deputados mostra que ninguém pode apostar contra a resiliência, força e paciência do povo palestino. Após tragédias indizíveis, este médico e professor palestino renasceu das cinzas, para contar ao mundo a história de seu povo. Quem sabe, o mundo escutará e despertará de seu torpor para combater o genocídio.
“Não temos escolhas”, concluiu Naim. “Temos de nos levantar e sacudir a poeira, como a fênix das histórias”.