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A Nakba: Relembrando o que se perdeu na Palestina em 1948

A terra hoje tomada pelo Estado de Israel já teve uma sociedade e economia próspera, construída através de milênios pelos palestinos nativos, com cultivos e indústrias tradicionais de laranjas, tabaco e outros.
Empacotamento de laranjas em uma tradicional oficina familiar de Jaffa, na Palestina, em 1907 [Bibliothèque nationale de France/Reprodução]

A Nakba — em árabe, catástrofe — desmantelou e fragmentou a terra e sociedade da Palestina histórica 76 anos atrás, em 15 de maio de 1948, através da destruição de 500 cidades e aldeias, o exílio forçado de metade da população nativa, a perda de proeminentes indústrias nacionais e a erradicação de importantíssimas tradições culturais e sociais que uniam palestinos de diversas raízes e crenças.

Para jamais se esquecer da Nakba e denunciar as atrocidades que sucederam desde então, o ato de preservar a história e a memória coletiva do povo palestino serve de exemplo de resiliência e dignidade, ao dar forma a toda a região apesar das ramificações do colonialismo britânico, cujo retrato atual é o regime militar sionista.

Ao honrar o legado do povo palestino, este ensaio ilustrado examina parte do que se perdeu no país, a começar pelos pomares de Bir Salem, uma das muitas aldeias históricas responsáveis por cultivar a célebre laranja de Jaffa, situada no subdistrito de Ramle, desenvolvida por camponeses palestinos em meados do século XIX.

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A indústria de frutos cítricos na Palestina histórica era um de seus carros-chefes. As laranjas de Jaffa dominavam os mercados globais, sendo a principal exportação palestina no ano de 1900. Três décadas depois, a indústria de produtos cítricos já representava 77% das exportações da Palestina.

Laranjais de Jaffah, na Palestina histórica, entre o fim do século XIX e início do século XX [Biblioteca do Congresso/Reprodução]

Por todo o sul da Palestina, laranjais decoravam a paisagem, com cultivos familiares na maioria das aldeias. A indústria, no entanto, foi completamente destruída pelas forças sionistas durante a Nakba. Após os eventos de 1948, o destino das laranjas de Jaffa se pôs em debate. Em 1949, durante a Conferência de Lausanne, refugiados Palestinos solicitaram o direito de retorno a seus pomares, para que cultivassem devidamente a terra. No ano seguinte, o Estado supremacista de Israel impôs a chamada Lei de Propriedade Ausente, uma das dezenas de leis racistas do país, ao permitir a colonos que confiscassem as terras dos refugiados.

Os laranjais de Bir Salem foram destruídos. A aldeia, que abrigava 400 famílias e cores vibrantes, tornou-se um colonato cinzento logo em junho de 1948, rebatizado de Netzer Sereni, a fim de apagar a existência pregressa de uma população nativa. No lugar dos pomares, foi erguido uma estátua memorial do Holocausto, genocídio executado na Europa, a milhares de quilômetros de distância, instrumentalizado desde então pela ideologia colonial sionista.

Memorial do Holocausto em Bir Salem (Netzer Sereni), na Palestina [Wikimedia/Reprodução]

Durante toda a década de 1920, Haifa se consolidou como a capital administrativa da Palestina, um lugar onde novas indústrias começaram a florescer. Era também uma área proeminente na produção de tabaco, desenvolvida pelos camponeses palestinos nativos logo nos primeiros anos do Mandato Britânico. Um das primeiras e maiores fábricas da Palestina pertencia à Companhia de Cigarros Karaman, Dick & Salti.

Mulheres separam tabaco na cidade de Nazaré, na Palestina histórica, em meados de 1940 [Biblioteca do Congresso/Reprodução]

A empresa foi fundada por membros das tradicionais elites urbanas na Palestina histórica, como Hajj Tahir Karaman, um dos mais estimados empreendedores palestinos e um dos protagonistas no desenvolvimento da indústria nacional e da cidade de Haifa. Os palestinos eram incentivados a dar apoio às indústrias nacionais (“watani”), como a Karaman, Dick & Salti, para promover e robustecer os esforços nativos. Karaman foi ainda uma figura política de liderança na Palestina, como fundador do Partido Árabe Palestino e membro da Câmara de Comércio de Haifa, além de membro do Comitê Nacional que comandou a greve geral durante a Grande Revolta da década de 1930, contra o ditamos da colonização britânica.

Cidade de Haifa, na Palestina, em 1930 [Wikimedia/Reprodução]

A Companhia de Cigarros Karaman, Dick & Salti foi destruída durante a Nakba. A fábrica de Haifa ainda existe, como ruínas, destituída de sua eminência histórica.

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Uma das muitas aldeias ancestrais da Palestina era Cesareia (Qisarya), antiga capital da Palestina romana e bizantina marcada por uma economia pesqueira. Qisarya, versão árabe do topônimo latino, serviu ainda como centro intelectual da região mediterrânea. A cidade milenar tinha uma longa história que remetia desde a era de Herodes à conquista mameluca, em 1265. Na história mais recente, se tornou aldeia de imigrantes de todo o mundo islâmico, em particular durante o Império Otomano.

Aldeia de Cesareia (Qisarya), na Palestina, em 1938 [Biblioteca do Congresso/Reprodução]

Em 1880, após a ocupação austro-húngara da Bósnia, Cesareia recebeu refugiados muçulmanos que tentavam escapar da perseguição supremacista europeia. A comunidade bósnia restituiu a aldeia em suas ruínas ancestrais e permaneceu ali até 1947, quando foi expulsa violentamente por milícias sionistas.

Mesquita bósnia de Cesareia (Qisarya), na Palestina, em 5 de outubro de 2014 [Wikimedia/Reprodução]

Um dos grandes eventos anuais da Palestina é o festival Nabi Rubin, que acontecia na aldeia de mesmo nome na região de Ramla. Todos os anos, entre julho e setembro, dezenas de milhares de residentes palestinos das aldeias próximas de Yaffa, Ramle e Lydd iam ao santuário de Rubin, filho do profeta Jacó (Yaqub), para participar das celebrações em sua homenagem. Durante o festival, com duração de um mês, tendas cercavam o santuário e tomavam as aldeias vizinhas para receber os peregrinos. Bazares, restaurantes e cafés instalavam estandes para o evento, ao lado de cerimônias religiosas e laicas, incluindo dança e contação de história.

Festival de Nabi Rubin, na aldeia homônima, na Palestina histórica, entre 1920 e 1933 [Biblioteca do Congresso/Reprodução]

Em 1935, foi exibido o primeiro filme no festival de Nabi Rubin, ao reafirmar a tradição moderna e cosmopolita da Palestina. Tão importante eram os eventos que reuniam todo os anos, em um ambiente notavelmente democrático, residentes dos campos e das cidades. O festival se tornou ainda um dos eventos culturais e religiosos mais prestigiosos do país.

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Sua última edição ocorreu em 1946. Após dois anos de investida violenta das gangues coloniais sionistas, que deram corpo ao exército de Israel, a aldeia de Nabi Rubin e suas terras adjacentes foram enfim capturadas e expropriadas pela milícia Haganah, dando fim — ao menos até então — a uma longa tradição cultural que conectava os palestinos uns com os outros por séculos e séculos. Hoje, um pouco mais a oeste, a região abriga o assentamento de Gan Soreq. Do festival e sua agitada vida cultural, sobrevivem as ruínas e a resiliente memória.

Santuário de Nabi Rubin, na Palestina histórica, em 2021 [Wikimedia/Reprodução]

Este artigo foi publicado originalmente em inglês em 13 de maio de 2024 pela rede Middle East Eye.

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Palestina: quatro mil anos de história
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