O genocídio israelense ainda em curso na Faixa de Gaza transcorre a milhares de quilômetros de distância da África do Sul, mas certamente se tornou um elemento chave nas eleições do país, talvez as mais disputadas em três décadas, nesta quarta-feira, 29 de maio.
As informações são da agência de notícias Anadolu.
A África do Sul tomou a dianteira nos esforços para responsabilizar Israel, ao registrar sua queixa por genocídio no Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), sediado em Haia, deferida pela corte em 26 de janeiro.
A agressão israelense a Gaza já matou em sete meses 36 mil pessoas e feriu outras 80 mil, além de dois milhões de desabrigados, sob violento cerco, sem comida, água, medicamentos e outros insumos essenciais.
O caso foi registrado pelo governo incumbente do Congresso Nacional Africano (CNA), o partido de Nelson Mandela. Suas lideranças dobraram a aposta em sua retórica pró-Palestina durante a campanha eleitoral.
Segundo Kealeboga Maphunye, professor de ciências políticas da Universidade da África do Sul, “isso se deve ao fato de que o CNA reconhece que muitos sul-africanos veem a causa palestina como algo próximo da causa dos negros sul-africanos contra o apartheid”.
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“O partido seguiu com a ideia de que este sentimento precisa receber apoio e destaque, através de passos concretos contra Israel”, acrescentou o pesquisador.
Por outro lado, o maior partido de oposição, a Aliança Democrática (AD), parece hesitar sobre a matéria. Segundo Maphunye, no entanto, a postura pode estancar seu apoio nas comunidades muçulmanas do país, como na província de Cabo Ocidental — hoje sob seu governo.
O alerta parece ser ainda mais impactante dada a atmosfera política na África do Sul: experts preveem a disputa mais acirrada desde o sufrágio universal, adotado com a abolição do regime de apartheid em 1994.
Pesquisas sugerem que o CNA pode ser derrotado, pela primeira vez desde então, de modo que cada voto conta à oposição de centro-direita, caso queira quebrar o tabu.
Voto islâmico
A votação será para parlamentares das legislaturas provinciais e os 400 membros da Assembleia Nacional, que deverão eleger o presidente. Caso o mandatário Cyril Ramaphosa consiga maioria simples, será provavelmente reeleito para seu segundo e último mandato de cinco anos.
Pesquisas indicam que o CNA oscila no momento em pouco mais de 40% dos votos, a depender então de um acordo de coalizão para continuar no poder. Analistas apontam que as chances de destituição do partido são ainda estreitas, salvo resultados piores do que o esperado.
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Há hoje mais de 27 milhões de eleitores registrados na África do Sul, com uma população total de aproximadamente 62 milhões de pessoas.
“Os muçulmanos constituem em torno de 1% da população votante na África do Sul”, comentou o professor de ciências políticas Ahmed Jazbhay, da capital administrativa Pretória. “Trata-se de uma comunidade economicamente ativa e influente na vida política”.
Para o CNA, em particular, o voto islâmico será essencial nessas eleições, em busca de um corte transversal que garanta a maioria do congresso.
“O CNA tem um vínculo histórico com a causa palestina”, reiterou Jazbhay. “Mesmo antes da era democrática, o partido possuía laços com a Organização para a Libertação da Palestina”.
Em contrapartida, a Aliança Democrática, do candidato africâner John Steenhuisen, considerado um centrista liberal, insistiu que promover o processo contra Israel seria um erro, ao insistir que a África do Sul deveria se manter “neutra”.
A postura, contudo, tem rejeição considerável da população.
“Você não pode ficar em silêncio em tempos de opressão e colonialismo”, argumentou Malume Mondli, residente de Soweto, região histórica de Joanesburgo, à agência Anadolu.
Outro eleitor — porém anônimo — alegou estar disposto a contornar a vacilação oposicionista sobre a Palestina, ao sugerir “políticas promissoras, especialmente em questões de governança, corrupção e geração de empregos”.
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A taxa de desemprego sul-africana repousa hoje pouco abaixo de 33%, maior índice nacional no mundo, tornando-a um dos principais tópicos do debate eleitoral. Outras questões preminentes são a criminalidade e a crise energética.
Para Abullahi Ali, residente do bairro de Mayfair, em Joanesburgo, porém, não há escolha senão o CNA de Mandela. “O partido se manteve ao lado dos povos oprimidos, como no caso do Saara Ocidental e da Palestina, assim como missões de paz em todo o continente”.
As urnas abrem às 7h00 e fecham às 21h00 do horário local. A Comissão Eleitoral Independente (IEC), que administra a matéria no país, deve anunciar resultados parciais dentro de horas. Nas últimas eleições em 2019, os resultados finais levaram três dias.
Contudo, neste ano, com várias cédulas em jogo, verificar os votos pode demorar mais.
A comissão formalizará os resultados no domingo, 2 de junho.