Proeminentes artistas, políticos e intelectuais emitiram nesta quinta-feira (30) uma carta aberta ao presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, para urgi-lo a romper relações com o Estado de Israel, no contexto do genocídio em Gaza.
No último domingo (26), Israel conduziu um novo massacre contra um campo de refugiados em Rafah, no extremo sul de Gaza, deixando dezenas de feridos, em desacato às ordens do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), sediado em Haia, para suspender as operações.
Imagens gráficas circularam online — incluindo corpos carbonizados de crianças —, dando novo fôlego às reivindicações para que Lula vá além do discurso e rompa o relacionamento do Brasil com o Estado de apartheid.
Lula reconheceu o genocídio, formalizou apoio à denúncia sul-africana em Haia, contra Israel, e removeu nesta semana o embaixador brasileiro, Frederico Meyer, de Tel Aviv. No entanto, ainda procrastina uma ruptura de relações — como adotado por Colômbia em 1° de maio e Bolívia no último ano.
Entre os signatários, estão o ator Wagner Moura — um dos protagonistas do recente sucesso de Hollywood Civil War (Guerra Civil, de Alex Garland) —, os cantores Chico Buarque, Gilberto Gil e Emicida e políticos e ativistas de destaque, incluindo judeus.
Segundo o apelo, a ruptura serviria de “exemplo a outros governos [como] imensa contribuição para que se encerre essa carnificina insuportável” na Faixa de Gaza.
Estamos convencidos, querido presidente, que é hora de nosso país se juntar às demais nações que romperam relações diplomáticas e comerciais com o Estado de Israel, exigindo o cumprimento das decisões que garantam o fim do genocídio e a autodeterminação do povo palestino.
Entre as personalidades judaicas está Anita Leocadia Prestes — filha de Olga Benário, militante comunista morta em um campo de extermínio nazista em 1942 —, além de Bruno Hubberman, professor de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica (PUC—SP) e ativista do grupo antissionista Vozes Judaicas por Libertação (VJL); Markus Sokol, dirigente do Partidos dos Trabalhadores (PT); e Breno Altman, jornalista e fundador do Opera Mundi.
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A carta reúne também os ex-ministros Luis Carlos Bresser-Pereira, que chefiou a Fazenda (1987), Administração e Reforma do Estado (1995—1998) e Ciência e Tecnologia (1999); Paulo Vannuchi, Secretaria de Direitos Humanos (2005—2010); e Eugênio Aragão, chefe da Justiça no governo de Dilma Rousseff (2016).
Na área política, estão João Pedro Stédile, dirigente do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e Manuella Mirella, presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), assim como José Dirceu e José Genoíno, ex-presidentes do Partido dos Trabalhadores.
Somam-se ainda os eminentes escritores brasileiros Milton Hatoum e Raduan Nassar — vencedor do Prêmio Camões, em 2016 —, além dos jornalistas Chico Pinheiro — ex-âncora do programa Bom Dia Brasil, da TV Globo — e José Trajano — apresentador do Canal Brasil e cofundador da ESPN nacional.
Na área acadêmica, estão Salem Nasser, professor de Direito Internacional da Fundação Getúlio Vargas (FGV—SP), Arlene Clemesha, professora de História Árabe da Universidade de São Paulo (USP), Reginaldo Nasser, professor de Relações Internacionais da PUC—SP, e Francirosy Campos Barbosa, professora de Psicologia Social na USP—Ribeirão Preto.
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Israel mantém ataques indiscriminados a Gaza desde 7 de outubro, deixando ao menos 37 mil mortos, 80 mil feridos e dois milhões de desabrigados.
As ações israelenses são punição coletiva, crime de guerra e genocídio.
A seguir, a carta na íntegra:
CARTA ABERTA AO PRESIDENTE LULA SOBRE O GENOCÍDIO DO POVO PALESTINO
Estimado presidente Lula,
Antes de mais nada, queremos saudá-lo por seu comportamento sempre firme e coerente em solidariedade ao povo palestino, denunciando reiteradamente o genocídio do qual é vítima, especialmente suas mulheres e crianças.
O Brasil tem apresentado seguidas propostas para o cessar fogo na Faixa de Gaza e a solução de dois Estados estabelecida por resoluções internacionais. Graças ao seu governo, somos uma das nações que reconhecem, no âmbito das Nações Unidas, a soberania e a independência da Palestina.
No entanto, a crescente violência imposta pelo governo Netanyahu, com ataques desumanos e cruéis contra civis, obriga o mundo a ir além de gestos e propostas diplomáticas, como já debatem diversos países da União Europeia e outras regiões.
O governo Netanyahu viola abertamente deliberações emanadas da Corte Internacional de Justiça, colocando-se à margem do direito, além de desrespeitar o Conselho de Segurança e a Assembleia Geral da ONU.
Recentes ataques contra um acampamento de deslocados em Rafah, no sul de Gaza, com dezenas de inocentes assassinados, demonstram claramente inaceitável desprezo à ética humanitária.
Estamos convencidos, querido presidente, que é hora de nosso país se juntar às demais nações que romperam relações diplomáticas e comerciais com o Estado de Israel, exigindo o cumprimento das decisões que colocam fim ao genocídio e garantem a autodeterminação do povo palestino.
Essas medidas, adotadas por nosso país e sob uma liderança de sua envergadura, certamente serviriam de exemplo a outros governos e constituiriam uma imensa contribuição para que se encerre essa carnificina insuportável.
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