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Conheça os artesãos do Cairo que produziam o kiswah, tecido que cobre a Caaba

O tecido bordado que cobre o santuário em Meca era produzido no Egito, antes da incumbência ser repassada à Arábia Saudita
Chaves da Caaba ao lado do fragmento de um kiswah sagrado, confeccionado no Egito em 1961, durante a inauguração do Museu da Civilização Egípcia, no distrito de Fustat, na Cidade Velha do Cairo, em 4 de abril de 2021 [Mahmoud Khaled/AFP via Getty Images]

Enquanto muçulmanos de todo o mundo se preparam para realizar a peregrinação do Hajj, que ocorre nesta semana, todos os olhos se voltam à Grande Mesquita de Meca, na Arábia Saudita, onde a Caaba está localizada.

Essa singular estrutura cúbica — descrita como “bayt Allah”, ou Casa de Deus — é para onde os muçulmanos direcionam suas preces, não importa onde estejam. O monumento é sagrado para o Islã. Durante as peregrinações do Hajj e Umrah, se torna epicentro de uma notável procissão de fé, que a circunda sete vezes, simbolizando a unidade de Deus.

Um dos aspectos mais marcantes da estrutura é o tecido de seda negra que a cobre, conhecido como kiswah. O tecido do kiswah é trocado anualmente, no nono dia do Dhul Hijjah, o 12° mês do calendário islâmico lunar.

A troca do kiswah, o tecido que cobre a Caaba, durante a peregrinação islâmica do Hajj, em Meca, Arábia Saudita, 24 de setembro de 2015 [Ozkan Bilgin/Agência Anadolu via Getty Images]

Devido a seu design detalhado, o kiswah é considerado um verdadeiro exemplo de arte islâmica e altamente reconhecido. Velhos kiswahs costumam ser cortados em pedaços, então agraciados a figuras de alto perfil ou dignatários internacionais.

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O kiswah é bordado à mão com versões do Alcorão, com fios de ouro e prato. Hoje, é o trabalho de um grupo distinto de artesãos radicados em Meca. Contudo, antes de a tarefa ser transferida exclusivamente à Arábia Saudita, a produção cabia ao Egito.

Durante o regime fatímida, no século XII, o Cairo recebeu a incumbência de produzir o tecido da Caaba. Oficinas dedicadas foram fundadas para fazê-lo e, uma vez concluído o trabalho, o tecido era transportado a Meca em uma caravana de camelos, escoltada por soldados.

Antes de o kiswah deixar o Cairo, as pessoas se reuniam nas ruas para obter um breve vislumbre de um evento, muitas vezes, considerado histórico.

O Egito manteve a produção do kiswah até 1962. Ainda hoje, oficinas que produziram o kiswah continuam a operar no Cairo.

Artesãos egípcios em uma antiga oficina de confecção do kiswah, tecido que cobre a Caaba, no bairro de al-Hussein, no Cairo, Egito, em 15 de junho de 2022 [Khaled Desouki/AFP via Getty Images]

Sobhi Salih al-Tayyib, de 80 anos à época desta matéria, é um dos últimos homens envolvidos na produção do kiswah na cidade do Cairo. Al-Tayyib recorda começar a trabalhar com uma tarefa tão marcante ainda aos 15 anos de idade, junto de seu pai, no bairro de al-Kharnfash.

“É uma profissão que amei e considero uma honra ter colaborado com a confecção de algo para a Caaba sagrada”, relatou al-Tayyib à rede Middle East Eye, ao lamentar, porém, que a produção do kiswah tenha deixado o Cairo. “Sempre trabalhei com absoluta convicção de que estávamos fazendo algo notável”.

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Sua oficina, Dar al-Kiswah, operou por mais de um século e, no ápice, empregava cem artesãos. Hoje, al-Tayyib trabalha com exposições internacionais que incluem versões menores do kiswah ou outras peças têxteis, com a característica caligrafia árabe. Seu trabalho chegou não somente aos países do Golfo, como até mesmo à Indonésia. Sua oficina também recebe encomendas de nobres de todo o mundo. Um exemplo é uma peça no palácio do Sultão de Brunei, que imita os portões da Caaba.

Velhas oficinas que sobrevivem no Cairo moderno costumam produzir versões menores da peça sagrada e outras formas de bordados decorativos. Seus produtos giram o mundo, desde o Golfo até mesmo à Rússia.

O processo de confecção é longo e meticuloso. Tradicionalmente, no Egito, o kiswah tinha como primeiro passo mapear os designs em papel transparente então perfurado e posto em um apoio de madeira. Em seguida, os artesãos despejavam a tinta sobre o molde e desenhavam no tecido com os fios dourados.

Artesãos egípcios em uma antiga oficina de confecção do kiswah, tecido que cobre a Caaba, no bairro de al-Hussein, no Cairo, Egito, em 15 de junho de 2022 [Khaled Desouki/AFP via Getty Images]

Yasser Muhammad, de 50 anos, trabalha na oficina de al-Tayyib e reitera que produzir o kiswah não é tarefa fácil. “É difícil para os mais jovens entenderem como fazer isso, porque exige muita paciência”, observou Muhammad.

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O Museu Nacional da Civilização Egípcia, em Fustat — a Cidade Velha do Cairo — abriga kiswahs de valor histórico. Inaugurado em 2021, o museu contém artefatos que transcendem o Egito da Antiguidade, passando não apenas pela era dos faraós, como copta e islâmica. Um dos kiswahs expostos no museu é uma peça original que, por acaso, não chegou à Arábia Saudita. A exibição também mostra o mahmal, árabe para caravana, que o transportaria a Meca.

Publicado originalmente em inglês pela rede Middle East Eye, em 21 de junho de 2023.

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