Em 6 de maio, quando Israel lançou sua ofensiva por terra contra Rafah, no sul de Gaza, tendas se espalharam no gramado no Museu Pitt Rivers da Universidade de Oxford, onde centenas de estudantes passaram a se reunir dia após dia, sob os apelos de que sua instituição rompa laços financeiros com o Estado de apartheid.
Em 23 de maio, o vice-chanceler de Oxford impôs um lockdown no campus e chamou a polícia, ao autorizar a prisão de dezenas de estudantes.
“Isso fez todo mundo tremer nas bases”, reconheceu Amytess Girgis, doutoranda e organizadora do Oxford Action for Palestine. “Um dia depois de estabelecermos os acampamentos em Oxford e Cambridge, Rishi Sunak [primeiro-ministro do Reino Unido] convocou vice-reitores de todo o país a Westminster, para debater formas de subjugar os protestos. Desde então, vemos gestões universitárias coordenando ações repressivas em todo o país. Isso nos diz, porém, que estamos fazendo alguma coisa certa. Portanto, vamos seguir adiante”.
A Intifada dos Estudantes, que empresta seu nome do termo árabe para “levante” e que atingiu uma escala global, certamente não passou despercebida, sobretudo pelo primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, que decidiu difamar os protestos, incluindo com a participação de judeus antissionistas, como “antissemitas”.
Girgis interpreta esses ataques como um reflexo do medo.
Similar aos protestos nos Estados Unidos, o acampamento em Oxford ressoou profundamente com estudantes e membros da comunidade que apoiam a causa. Apoiadores argumentam que os acampamentos provocam tamanha reação porque expõem contradições notáveis: governos que clamam defender os direitos humanos dão apoio a Israel e universidades que se proclamam verdadeiros bastiões da liberdade de expressão endossam a repressão policial.
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Para Girgis, os acampamentos são uma escalada necessária em uma campanha que enfrentou anos e anos de inação administrativa e serve tanto como protesto quando como plataforma de educação e conscientização, ao atrair transeuntes curiosos e fomentar debates bem embasados sobre a conjuntura e o conflito.
“Quando vimos subirem os acampamentos nos Estados Unidos, soubemos imediatamente que tínhamos de fazer a mesma coisa”, destacou Girgis. “Não apenas porque é uma excelente forma de impor pressão à gestão de Oxford, mas também porque compreendemos qual é nosso papel em âmbito global. Sabemos quão importante é ter um acampamento em Oxford, no coração do Império Britânico, para mostrar solidariedade a Gaza e nossos colegas de todo o mundo”.
A beleza deste acampamento é que atrai as pessoas porque estamos presentes. Damos nossa cara e a resposta vem sendo majoritariamente positiva. Estudantes, professores, membros da comunidade passam por nós e acenam, e temos uma tenda para que as pessoas possam também se informar e se engajar. Centenas e centenas de pessoas, que vieram a nosso acampamento.
“Todas as semanas, temos palestras e eventos”, detalhou Girgis. “Em meados de maio, tivemos eventos em memória da Nakba, ou ‘catástrofe’ palestina, e várias outras atividades para educar as pessoas sobre a causa palestina. Chegou a um ponto em que parece — honestamente — que toda comunidade nos apoia. É claro, contudo, quando se fala de Palestina, que sempre teremos problemas com a mídia mainstream e o público britânico em geral”.
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Os ativistas de Oxford traçaram quatro demandas claras. Primeiro, transparência — a gestão de recursos da faculdade é opaca e frustrante, apesar de numerosos requerimentos por acesso às informações. Segundo, desinvestimento imediato de empresas ligadas ao genocídio, à ocupação e ao regime de apartheid, além de todas as fabricantes de armas e itens militares. Os ativistas sabem que Oxford tem investimentos com empresas como Elbit Systems e Caterpillar, célebres por seu papel na ocupação, porém sem detalhes. Terceiro, reforma na política de investimentos da instituição, ao denunciar as “normas éticas” em voga como limitadas.
Por fim, os ativistas se somam à campanha de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS) — nos moldes da luta antiapartheid na África do Sul — ao pedir ruptura de relações com parceiros ou empresas ligadas aos crimes israelenses na Palestina ocupada, entre as quais o Banco Barclays, por seu apoio financeiro notável a entidades ligadas à ocupação. Um relatório de maio revelou que o Barclays tem mais de £2 bilhões em ações de companhias cujas armas, componentes ou tecnologia são usadas contra os palestinos. Além disso, dá £6.1 bilhões em empréstimos a essas empresas militares, incluindo £2.7 milhões à Elbit Systems.
“Deixar de usar o Barclays para suas operações bancárias é grande parte de nossa campanha, à medida que o Barclays insiste em suplantar a falta de escrúpulos de todos os outros bancos ao financiar o genocídio em Gaza”, argumentou Girgis. “Clamamos à universidade que deixe de ser cliente do Banco Barclays”.
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Por último, mas não menos importante, os ativistas reivindicam de Oxford que apoie os esforços para reconstrução do sistema educacional de Gaza, conforme as demandas do povo palestino, após meses de violência. Ativistas denunciam um “genocídio da educação”, com a demolição de 103 escolas, além de 309 instituições parcialmente danificadas, segundo números locais. Todas as universidades do enclave foram destruídas pela ocupação.
“Queremos que Oxford ajude a financiar esforços em campo e, no momento adequado, ajude a reconstruir o sistema de ensino superior em Gaza”, indicou Girgis. “Essas são nossas demandas, todas elas enraizadas no profundo desejo de nossa comunidade de obter transparência no que diz respeito ao maior fundo universitário do Reino Unido, estimado em US$8.1 bilhões.”
Para Girgis, contudo, é também pessoal. Como persa-egípcia com laços nos Estados Unidos, sua identidade parece profundamente interligada à causa palestina. “A Palestina é importante para mim desde que saí do útero. Sou também americana, o que significa que tenho consciência de que meu país possibilita não apenas esse genocídio, como a ocupação da Palestina desde o dia um”.
A violência em Gaza já supera 37 mil palestinos mortos, sobretudo mulheres e crianças, além de quase 90 mil feridos. Dois milhões de pessoas foram expulsas de suas casas, sob violento cerco — sem comida, água ou medicamente. Cerca de 60% da infraestrutura do enclave foi destruída ou danificada, segundo a Organização das Nações Unidas.
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Israel é réu por genocídio no Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), em Haia, que deferiu, em 26 de janeiro, medidas cautelares para evitar crime de genocídio e permitir o fluxo humanitária aos civis de Gaza — contudo, sem aval.
A Intifada dos Estudantes, segundo Girgis, reflete uma compreensão maior de que “a libertação da Palestina está ligada a todo o resto”, como uma prova de fogo a sua geração. A doutoranda, não obstante, destacou que a realidade brutal do genocídio em Gaza expôs camadas e camadas de mentiras que protegeram Israel por décadas do escrutínio global. Propagandas de longa data sobre as ações militares de Israel caíram por terra, à medida que as pessoas veem ao vivo todas as atrocidades cometidas em Gaza — negligenciadas até então.
As mentiras de Israel expostas pelo genocídio em Gaza são a coisa mais poderosa de se ver. Ver aqueles ao meu redor, que têm consciência de que o que Israel faz algo inaceitável, mas que não podiam ver antes, por causa da força das mentiras da imprensa — agora expostas para todo mundo ver. É um caminho sem volta. Se Israel tinha alguma legitimidade na comunidade internacional, nunca mais vai ser a mesma.
Girgis, no entanto, alertou para como a imprensa corporativa voltou-se aos acampamentos nas universidades como forma de desviar os olhos das cenas de Gaza. Mesmo coberturas um tanto mais simpáticas tendem a enfatizar as imagens dos campi e a pauta da liberdade de expressão, em vez da situação de urgência enfrentada pelos palestinos de Gaza. Para Girgis, são coisas que demandam consciência, cautela e atenção.
“Ainda assim, se há beleza nas redes sociais, é que podemos dizer o que queremos, em nossos próprios termos, então insistimos em atualizar os seguidores, dia após dia, sobre o que ocorre em Gaza ou em Rafah, em particular”, concluiu Girgis. “Nada disso é sobre nós, mas sim sobre o que está acontecendo na Faixa de Gaza”.