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Soldados israelenses em Gaza ostentam má conduta

Bassem Tamimi: Relatos da resistência da sociedade civil palestina

Família Tamimi (da esquerda para a direita: Bassem, Ahed e Nariman) em Túnis, capital da Tunísia, em 2 de outubro de 2018 [Fethi Belaid/AFP via Getty Images]

Os caças israelenses rasgavam o céu, realizando ataques aéreos devastadores que eles chamavam de “preventivos” contra Egito, Síria e Jordânia. As explosões ecoavam pelo território palestino, e o pânico se espalhava rapidamente. No vilarejo de Nabi Saleh, a população desesperada buscava refúgio em cavernas nas proximidades, tentando escapar do fogo cruzado e dos bombardeios. Famílias inteiras se revezavam para cuidar dos feridos, idosos e bebês, todos amontoados nos pequenos espaços dos abrigos improvisados.

Eu tinha seis anos quando começou a Guerra dos Seis Dias, minha família não conseguiu fugir, então tivemos que nos refugir em cavernas próximas a Nabi Saleh.

— Bassem Tamimi

No sexto dia, quando as bombas finalmente cessaram, os moradores de Nabi Saleh deixaram as cavernas e retornaram ao que restara de suas casas. Mal sabiam eles que, a partir daquele dia, suas terras nunca mais passariam um só momento sem as botas da ocupação. Com a retirada da Jordânia, as forças israelenses ocuparam territórios que haviam sido poupados durante a Nakba. A necessidade de expansão foi implementada através de leis como a Lei de Propriedade dos Ausentes (1950), a Lei de Aquisição de Terras (1953) e a Lei do Fundo Nacional Judaico (1958), que financiaram uma nova onda de imigração europeia e a criação de novos assentamentos.

Ao longo dos anos, não havia mão-de-obra suficiente para dar sequência aos avanços da colonização israelense em todos os territórios ocupados. Em paralelo, os palestinos, que enfrentaram mais uma vez deslocamentos forçados em larga escala, deparavam-se com uma crise distinta: a escassez de empregos. Milhares deles haviam perdido suas terras agrícolas, suas principais fontes de sustento, exacerbando sua vulnerabilidade econômica. Enquanto a colonização clamava por trabalhadores, os palestinos despossuídos buscavam desesperadamente por qualquer forma de emprego. Em resposta, o Estado de Israel começou a permitir que os palestinos trabalhassem na construção civil, tanto nas áreas ocupadas em 1948 quanto nos territórios tomados em 1967. Nessa época, os palestinos chegaram a compor mais de 40% da força de trabalho na construção civil. Para sobreviver, eles se viam forçados a construir casas para colonos europeus em terras que anteriormente lhes pertenciam. Embora esses trabalhos fossem mal remunerados e muitas vezes ligados à expansão de assentamentos ilegais, a necessidade de subsistência os obrigava a aceitar tais condições. Construir sobre as ruínas de suas próprias vidas, era, para os palestinos, uma forma de existir e, existir era sua maior agressão contra a ocupação.

Tive que trabalhar para a ocupação se quisesse sustentar minha família; muitos palestinos se negaram, mas eu acreditava que continuar vivo seria a melhor forma de resistir.

— Bassem Tamimi

Mesmo trabalhando para o colonizador, os palestinos continuaram a lutar contra a ocupação. Bassem Tamimi era um desses trabalhadores. Crescer em meio à destruição de lares palestinos e à construção de assentamentos estrangeiros alimentou seu desejo de organização para a libertação nacional, especialmente enquanto a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) e seus líderes permaneciam exilados.

Enquanto Yasser Arafat e a OLP se reestruturavam no exílio, surgiam nos territórios ocupados forças sindicais e lideranças comunitárias que apoiavam as famílias palestinas e organizavam manifestações. Em Nabi Saleh, Bassem Tamimi se engajava ativamente em protestos e reuniões clandestinas de estudantes e sindicalistas.

LEIA: Eu, como palestina, resisto e não podem me colonizar. Jovens israelenses não conseguem ver que estão sendo colonizados” – Entrevista com Janna Jihad, a mais jovem repórter da vida sob ocupação

A insurgência palestina e sua estratégia de resistência não-violenta começaram a ganhar apoio na mídia internacional, que transmitia as imagens do massacre de palestinos lutando pela libertação nacional. Em resposta, o ministro da Defesa israelense, Yitzhak Rabin, implementou a política do “Punho de Ferro”, que autorizava deportações e expandia os assentamentos judaicos ilegais. Sob essa estratégia, o número de colonos aumentou de 35 mil em 1984 para 130 mil no início dos anos 1990. Para acomodar esses novos imigrantes, foi necessária a construção de mais assentamentos, o que alimentava um ciclo vicioso de violência, demolições, repressão, prisões e deportações.

Soldado israelense agride menino palestino perto do assentamento ilegal de Halamish, em Nabi Saleh, na Cisjordânia ocupada, em 28 de agosto de 2015 [Abbas Momani/AFP via Getty Images]

Dividindo seu tempo entre os estudos, o trabalho, as manifestações em Nabi Saleh e as reuniões clandestinas, Bassem Tamimi, juntamente com muitos outros palestinos, continuava a alimentar a chama da resistência. Mesmo com a liderança da OLP exilada, o apoio aos grupos de base dentro dos territórios ocupados tornou-se a principal ferramenta de resistência contra o contínuo avanço do plano sionista de limpeza étnica. Esses grupos comunitários emergiram como pilares fundamentais, organizando a resistência popular e proporcionando apoio essencial às famílias palestinas. Enquanto os líderes estavam afastados, a luta pela libertação nacional se intensificava através da solidariedade e da ação coletiva nos vilarejos e cidades palestinas.

Primeira Intifada (1987)

Quando chegou a Primeira Intifada, novas estratégias de luta foram usadas.

— Bassem Tamimi

Em 8 de dezembro de 1987, trabalhadores palestinos voltavam de seus postos em Israel. No checkpoint de Erez, entrada para a Faixa de Gaza, uma longa fila de carros aguardava a permissão das Forças de Ocupação de Israel (IOF) para retornar às suas casas. Em uma manobra controversa, um transportador de tanque israelense colidiu com a fileira de veículos palestinos, resultando na morte de quatro palestinos e ferimentos graves em outros sete.

A indignação rapidamente se espalhou. Em poucas horas, uma onda de manifestações tomou conta dos territórios palestinos. Jovens levantaram barricadas de pedras e queimaram pneus nas ruas, comerciantes fecharam suas lojas e trabalhadores palestinos se recusaram a ir trabalhar em Israel. Tanques, jipes e qualquer veículo identificado como militar da ocupação se tornaram alvos das pedras lançadas pelos manifestantes. Milhares de homens, mulheres e crianças se uniram ao levante, enquanto as IOF responderam com força brutal para conter a multidão.

No meio do caos, Ariel Sharon, então um importante líder israelense, provocou ainda mais revolta ao realizar uma festa de inauguração de sua nova casa em Jerusalém Oriental, território palestino. Confrontos intensos eclodiram na rua Saladino em Jerusalém, onde jovens enfrentaram a polícia e, em diversas localidades, bancos israelenses foram incendiados. A repressão foi feroz. Muitos jovens chegaram aos hospitais com as costas laceradas, pernas e braços quebrados. Durante as manifestações, o Ministro da Defesa, Yitzhak Rabin, adotou a estratégia de “força, poder e espancamento”, permitindo extraoficialmente que os soldados quebrassem os braços de palestinos suspeitos de arremessar pedras. Rabin declarou: “Os rebeldes devem sair dali cheios de contusões, e é bom que haja feridos!” Assim começou a Primeira Intifada.

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O levante se espalhou rapidamente. Trabalhadores palestinos se demitiram de seus empregos na construção civil da ocupação e declararam boicote aos produtos israelenses. A OLP teve um papel limitado na Intifada, devido ao exílio de seus principais líderes, que proporcionavam apoio indireto e financeiro. Surgiu então a Liderança Nacional Unificada da Revolta (UNLU), composta por grupos comunitários, sindicatos e comitês de bairros leais à OLP e a Yasser Arafat.

Meninos palestinos durante um ato da Primeira Intifada, na Cisjordânia ocupada, em 1989 [Derek Hudson/Getty Images]

A UNLU adotou inicialmente uma estratégia de resistência não-violenta. Durante o primeiro ano, até mesmo os braços militares do Fatah, Hamas, Jihad Islâmica e Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP) se abstiveram de responder com violência. Exilado na Tunísia, Arafat, para evitar massacres, decretou a proibição do uso de armas de fogo, afirmando: “Nossa força não está na natureza das armas, mas na justiça da nossa causa.” Panfletos distribuídos durante a Intifada incentivavam a resistência cívica, considerando que um levante armado seria desastroso para os palestinos. Nesse período, houve uma mudança nas reivindicações originais, passando a exigir a retirada de Israel dos territórios ocupados em 1967 e a criação de um Estado palestino na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, em contraste com a reivindicação inicial pelos territórios perdidos na Nakba.

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A participação ativa dos grupos comunitários em bairros e vilarejos foi crucial para o desenvolvimento da Intifada. Israel impôs toques de recolher prolongados, muitas vezes permitindo apenas algumas horas para que as pessoas pudessem sair e comprar alimentos e medicamentos. Além disso, os israelenses cortaram o fornecimento de água, eletricidade e combustível, e fecharam hospitais, escolas e universidades, incluindo a Universidade de Birzeit, onde Bassem Tamimi cursou Licenciatura em Economia e Mestrado em Direito Internacional. Em resposta, a UNLU e os grupos comunitários organizaram redes clandestinas para fornecer educação básica e universitária, bem como assistência médica e alimentar aos palestinos.

Naquela época, os grupos comunitários foram os responsáveis por manter a Intifada de pé e os palestinos alimentados. Sem esses grupos, não haveria tratamento médico para os mais velhos e nem escolas para os mais jovens. Fazíamos tudo clandestinamente.

— Bassem Tamimi

Um dos eventos mais marcantes da Intifada ocorreu na noite de 15 para 16 de abril de 1988, quando soldados israelenses invadiram a Tunísia e assassinaram Abu Jihad, o segundo em comando da OLP e amigo íntimo de Arafat. Seu corpo foi encontrado crivado com 70 balas. Abu Jihad se tornou o 142º mártir da Intifada. Arafat, em resposta, declarou: “Os americanos estavam a par desta operação. Eles devem saber que Abu Jihad representa uma linha vermelha para nós. Ainda não decidi se voltaremos às ações de resistência armada. Mas se for descoberto que participaram desta operação, pagarão caro.” A morte de Abu Jihad incitou manifestações por toda Palestina, reprimidas com a típica violência desproporcional israelense. Ao fim do dia, além de Abu Jihad, outros 18 palestinos foram assassinados.

Soldados israelenses gesticulam contra a câmera enquanto revistam cidadãos palestinos na Cidade Velha de Jerusalém ocupada, durante a Primeira Intifada, em 1989 [Derek Hudson/Getty Images]

Durante a Primeira Intifada, a violência israelense deixou aproximadamente 1.280 palestinos mortos, incluindo 300 crianças. Mais de 120 mil pessoas ficaram feridas, a maioria por tiros de munição real, balas revestidas de borracha, espancamentos e bombas de gás. Mais de 2.500 casas palestinas foram demolidas. As autoridades israelenses registraram 200 mortos e 3.100 feridos, a maioria soldados em serviço.

As atrocidades cometidas e o elevado número de mortos levaram o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) a emitir as resoluções 607 e 608, condenando Israel por violar a Quarta Convenção de Genebra. Com o apoio dos Estados Unidos, que vetaram três propostas para denunciar as violações dos direitos humanos, Israel declarou que não acataria nenhuma das resoluções e se recusou a receber qualquer delegação de inquérito das Nações Unidas.

Tribunal parcial

Durante a Intifada, Bassem Tamimi e dois de seus primos foram detidos pelas forças israelenses. No interrogatório, foram acusados de envolvimento no assassinato de um colono. Sem apresentar provas concretas, os tribunais militares israelenses utilizavam frequentemente as prisões em massa como uma tática de repressão para sufocar as manifestações. Estima-se que mais de 100 mil palestinos foram presos, muitos sob acusações absurdas ou até mesmo sem qualquer acusação formal. Bassem e seus primos foram deliberadamente impedidos de se encontrar com seus advogados, uma estratégia para ocultar as marcas das sessões de tortura que sofreram. Essa prática constitui uma clara violação dos direitos humanos, especialmente o direito a um julgamento justo, conforme garantido pelo Artigo 10 da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Soldado israelense gesticula contra a câmera durante julgamento de Bassem Tamimi, em uma corte militar da ocupação na cidade de Ramallah, na Cisjordânia, em 20 de maio de 2012 [Ahmad Gharabli/AFP via Getty Images]

Inicialmente, Bassem foi detido no centro de detenção al-Moskobiyeh, conhecido como Complexo Russo ou “matadouro”, e posteriormente transferido para a prisão de Maasiyahu em Ramle. Ele foi submetido a várias sessões de tortura. Em uma delas, a brutalidade dos interrogadores lhe causou uma lesão cerebral traumática, exigindo uma cirurgia para a remoção de um hematoma subdural. Dez dias depois, quando Bassem ainda estava em coma, as autoridades, sem conseguir provar as falsas acusações e justificar a agressão, libertaram-no, porém com o lado esquerdo do corpo paralisado.

Eles me bateram muito e me sacudiram sem parar. A tortura acabou comigo e deixou marcas profundas que me deram muitos problemas.

— Bassem Tamimi

O término da Primeira Intifada não marcou o fim das perseguições à família Tamimi em Nabi Saleh. Durante sua quinta prisão, Bassem recebeu a notícia de que sua irmã havia sido assassinada dentro de um tribunal em Ramallah. Enquanto procurava pela sala onde seria realizada a audiência de seu filho, ela foi atacada por um grupo de mulheres israelenses e empurrada pelas escadas. Mesmo após o impacto, os soldados continuaram a agredi-la. A tragédia familiar não parou por aí: seu primo Mustafa Tamimi foi morto pelo impacto de uma bomba de gás disparada contra sua cabeça; seu cunhado Rushdi Tamimi foi baleado nas costas e morto por soldados israelenses; seu sobrinho Munir Tamimi foi atingido na cabeça por uma bala revestida de borracha; outro sobrinho, Mohammad Tamimi, foi baleado no estômago por um soldado em um jipe em movimento e depois alvejado à queima-roupa; sua esposa, Nariman, foi baleada na perna; e sua filha, Ahed Tamimi, foi presa por esbofetear um soldado.

A palestina Ahed Tamimi (centro) gesticula na frente de um soldado israelense, em 02 de novembro de 2012, durante um protesto contra o confisco de terras palestinas por Israel na vila de Nabi Saleh, na Cisjordânia, perto de Ramallah [Abbas Momani/AFP via Getty Images]

A palestina Ahed Tamimi (centro) gesticula na frente de um soldado israelense, em 02 de novembro de 2012, durante um protesto contra o confisco de terras palestinas por Israel na vila de Nabi Saleh, na Cisjordânia, perto de Ramallah [Abbas Momani/AFP via Getty Images]

Outro episódio impactante na vida de Bassem Tamimi ocorreu durante uma incursão militar em Nabi Saleh. Soldados israelenses tentaram prender seu filho mais novo, que estava com o braço quebrado e engessado. A operação foi brutalmente violenta, mas a família, em um ato de desespero e coragem, correu para proteger o garoto e impedir sua captura.

Muhammad Tamimi, então com 12 anos, é visto com sua família após ser agredido por soldados israelenses, em Ramallah, na Cisjordânia ocupada, em 19 de agosto de 2015 [Issam Rimawi/Agência Anadolu via Getty Images]

Corri para ajudar no local, onde toda a minha família estava tentando salvar meu filho. No entanto, sendo homem e de porte grande, minha aproximação poderia ser vista como uma ameaça pelos soldados, que poderiam acabar disparando suas metralhadoras e matando toda a minha família. Foi duro, me senti impotente, mas foi a melhor solução.

— Bassem Tamimi

Após os Acordos de Oslo, que dividiram os territórios em áreas A, B e C, a situação em Nabi Saleh se deteriorou ainda mais. Mais de 70% do vilarejo passou a estar sob controle israelense, facilitando a expansão do assentamento ilegal de Halamish, entre outros na Cisjordânia, considerados pela comunidade internacional como uma violação da Quarta Convenção de Genebra. A casa que a família de Bassem havia construído antes da Guerra dos Seis Dias, com autorização do governo jordaniano que controlava a Cisjordânia até 1967, foi declarada ilegal, e uma ordem foi emitida para a demolição de 250 m², embora a casa inteira não tivesse essa metragem. Como muitos outros habitantes do vilarejo, a família Tamimi enfrentava um impasse legal e existencial, levando Bassem a organizar protestos semanais.

Passei a fazer parte da organização das manifestações em Nabi Saleh, rapidamente o governo de Israel me identificou como organizador e isso acarretou várias prisões, uma atrás da outra.

— Bassem Tamimi

Convencido de que a libertação do colonizador só seria possível através de atos de desobediência civil, Bassem se inspirava na resistência não-violenta, como a empreendida pelos indianos contra o Império Britânico. No entanto, seus métodos pacíficos eram frequentemente respondidos com força brutal, resultando em mais prisões.

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As acusações contra Bassem incluíam a de perverter o curso da justiça e incitar jovens a atirar pedras nos soldados israelenses. Essas alegações eram baseadas unicamente nos depoimentos de duas crianças de 14 anos, Islam Dar Ayyoub e Mu’tasim Tamimi, que foram presas por atirar pedras. As crianças foram raptadas à noite e levadas para interrogatórios exaustivos sem dormir. A Associated Press teve acesso ao vídeo do interrogatório de Mu’tasim, onde dois policiais israelenses pressionavam o menino por três horas, afirmando repetidamente: “Confesse, foi Bassem quem ordenou que vocês atirassem as pedras”. Sem a presença de pais ou advogados, a criança acabou assinando uma confissão que incriminava Bassem. Na audiência, Mu’tasim afirmou que as forças de segurança o haviam “espancado” e instruído a acusar Bassem Tamimi. O advogado de Bassem argumentou que a confissão deveria ser desconsiderada, pois foi obtida sob coerção. Apesar do tribunal militar reconhecer as condições extremas do interrogatório, ele se recusou a excluir o testemunho incriminatório.

Bassem Tamimi, com sua esposa, Nariman, chegam à corte militar da penitenciária de Ofer, na cidade de Ramallah, na Cisjordânia ocupada, em 29 de maio de 2012 [Ahmad Gharabli/AFP via Getty Images]AFP PHOTO/AHMAD GHARABLI (Photo credit should read AHMAD GHARABLI/AFP/GettyImages)Um julgamento justo deve considerar as circunstâncias em que as provas são obtidas, especialmente quando se trata de depoimentos extraídos sob coerção, em violação à Lei da Juventude (Emenda 14) de 2008 do próprio “Estado de Israel”.

O que é mais importante: a maneira que lutamos ou pelo que lutamos?

— Bassem Tamimi

A Lei da Juventude (Emenda 14) (2008)

A Lei da Juventude israelense (Emenda 14), de 2008, estabelece diretrizes rigorosas para a detenção e interrogatório de crianças. Ela se aplica a todas as crianças israelenses, inclusive aos colonos na Cisjordânia. A lei proíbe a prisão de crianças durante a noite e garante que seus pais e advogados possam estar presentes durante os interrogatórios. Além disso, os interrogadores da polícia devem ser especificamente treinados para lidar com menores.

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Embora os tribunais militares israelenses tenham afirmado que aplicariam o “espírito” da Lei da Juventude às crianças palestinas na Cisjordânia, na prática, a aplicação dessa proteção é raramente observada. Isso ficou evidente no caso dos jovens Mu’tasim Tamimi e Islam Dar Ayyoub, que foram presos à noite, privados de sono e interrogados sem a presença de seus pais ou advogados.

Soldados israelenses prendem menino palestino durante a Primeira Intifada, na Cisjordânia ocupada, em 1° de fevereiro de 1988 [Patrick Robert/Sygma via Getty Images]

Apesar das alegações de que outras testemunhas — soldados israelenses, incluindo um oficial — afirmaram ter visto Bassem Tamimi ordenar o uso de pedras durante manifestações, as condições em que as “provas” foram obtidas levantam sérias dúvidas sobre a validade dessas acusações. Em particular, uma testemunha-chave, Uday Tamimi, declarou em tribunal que foi instruído pelos interrogadores da polícia a dizer que Bassem havia incitado os moradores a atirar pedras. Uday também afirmou que “era do conhecimento geral no vilarejo que Bassem os convocava a manifestações pacíficas”.

Um detalhe crítico e questionável no julgamento foi a alegação de que Bassem, falando ao celular no terraço de sua casa, estava incitando as manifestações. A lógica de como uma conversa ao telefone poderia ser considerada prova em um tribunal levanta sérias questões sobre a imparcialidade do processo judicial.

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No julgamento, Bassem Tamimi foi inocentado de duas acusações de obstrução da justiça, mas foi declarado culpado de incitar jovens a atirar pedras em manifestações ilegais. Ele foi condenado a 30 meses de prisão, dos quais já havia cumprido 13 meses. A juíza Eti Ador suspendeu os 17 meses restantes por cinco anos, advertindo que a pena poderia ser reativada se Bassem participasse de qualquer evento de “desordem pública”. Notavelmente, um porta-voz militar reconheceu que a sentença de Tamimi foi suspensa devido a irregularidades no julgamento. Bassem recusou-se a se declarar culpado e, após 14 meses de prisão, foi colocado em prisão domiciliar.

As leis vêm de um regime ocupante cuja legitimidade não reconheço. Não acho nem por um minuto que haverá justiça.

— Bassem Tamimi

A prisão de Bassem Tamimi atraiu condenação internacional. A União Europeia reconheceu-o como defensor dos direitos humanos, enquanto a Anistia Internacional declarou-o prisioneiro de consciência. Segundo a Anistia Internacional, “Bassem foi detido apenas por seu papel na organização de manifestações pacíficas contra a invasão de terras palestinas por colonos israelenses”.

Bassem Tamimi foi preso diversas vezes ao longo dos anos. Sua família continuou sendo alvo das chamadas Forças de Defesa de Israel, e sua casa enfrenta uma ordem de demolição que está atualmente suspensa. Todavia, os moradores não podem expandir ou reformar sua casa sem a autorização do governo israelense.

Ativista palestina Ahed Tamimi se reúne com sua mãe ao ser libertada das cadeias de Israel, em Ramallah, na Cisjordânia ocupada, em 30 de novembro de 2023. Seu pai, Bassem, continuou preso por mais oito meses [John Macdougall/AFP via Getty Images]

7 de outubro

Após 7 de outubro de 2023, as Forças de Ocupação de Israel (IOF) iniciaram uma estratégia bem conhecida de limpeza étnica, visando prender os principais líderes da resistência palestina, independentemente de estarem associados a organizações ou não. Bassem Tamimi e sua filha Ahed Tamimi, ambos reconhecidos como vozes importantes na luta pela libertação palestina e conhecidos por organizações e ativistas no Ocidente, foram novamente detidos. Ahed foi libertada após três meses de detenção, mas seu pai teve mais oito meses de sua vida usurpados pelas autoridades israelenses. Ele foi solto em junho de 2024, e as fotos de sua libertação evidenciam os maus-tratos e a tortura que ele enfrentou.

Esta entrevista foi realizada com Bassem Tamimi em 2021, com a assistência do tradutor Jehad Afaghani, para o livro “Olho por Olho” Lucas Siqueira, ainda em processo de publicação.

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