Portuguese / English

Middle East Near You

Soldados israelenses em Gaza ostentam má conduta

Israelismo: O despertar da juventude judaica nos Estados Unidos

Judeus americanos protestam por cessar-fogo em Gaza, em frente ao Comitê Nacional do Partido Democrata em Washington DC, em 15 de novembro de 2023 [Celal Günes/Agência Anadolu]

O despertar dentro da comunidade judaica nos Estados Unidos, do estupor oriundo da propaganda e das mentiras às quais seus membros são submetidos desde criança, em nome da causa colonial sionista, é o tema deste poderoso documentário lançado sob o título Israelism — ou Israelismo, em tradução livre.

A obra acompanha dois jovens judeus americanos, Simone Zimmerman e Eitan — que não usa seu sobrenome. Zimmerman frequentou uma escola judaica e chegou a morar em Israel, ou Palestina histórica, por meio de um programa de intercâmbio. Eitan, por sua vez, até mesmo serviu as chamadas Forças de Defesa de Israel (IDF), após graduar-se do colégio.

Como muitos judeus americanos, Zimmerman e Eitan foram doutrinados desde muito cedo a amar incondicionalmente um Estado colonial e, como muitos de seus pares na comunidade judaica, encerrou drasticamente seu romance com o regime de apartheid, como relata este documentário. Ambos se juntaram a um novo movimento de jovens judeus que combatem a velha guarda para ressignificar o elo entre Israel e o judaísmo, ao expor uma profunda cisão geracional pairando sobre a moderna identidade judaica.

A doutrinação de jovens americanos ocorre por meio de programas como o “Birthright Israel” — ou “direito de nascença”. Fundado em 1994, a iniciativa concede uma viagem gratuita de dez dias a jovens da comunidade à Palestina histórica, incluindo Jerusalém ocupada, além das colinas sírias de Golã. O público alvo tem entre 18 e 26 anos.

LEIA: Como a ‘farsa do antissemitismo’ ofuscou as covas coletivas em Gaza

Tais iniciativas alegam fomentar uma conexão patrimonial entre os judeus americanos e Israel. Contudo, alimentam também as sementes do racismo antipalestino dentro da comunidade judaica, como denuncia Zimmerman. Ela mesmo participou de numerosos programas, incluindo grupos de jovens, acampamentos e viagens educacionais. Nestas iniciativas, Israel é retratado como um elemento essencial da identidade judaica. Entre os personagens, está um jovem que descreve as viagens como “o cultivo de sementes que eventualmente possam prosperar”.

Entre os diferentes programas, estão acampamentos de verão exclusivamente judaicos que, na prática, alimentam a doutrinação e radicalização dos jovens — como reportou Eidan. Tais acampamentos exercem um papel crucial em modelar a mente dos jovens para que acreditem em Israel como uma espécie de milagre da história judaica. Jovens são frequentemente ensinados que o regime colonial é como uma apólice de seguro — um suposto refúgio a judeus perseguidos por todo o mundo. Esses eventos chegam ao ponto de estimular experiências militares, em busca de recrutamento.

Jovens judeus participam de simulações armadas, passando as noites em gincanas que buscam emular a vida nas forças ocupantes. Dois caminhos são introduzidos a partir de então: alistar-se ao exército da ocupação israelense ou promover suas ações nos campi universitários dos Estados Unidos. Aprender sobre “o conflito” é parte do programa, a despeito da história documentada, em favor de estereótipos racistas reafirmados pelo establishment americano sobre os árabes e palestinos. Jovens judeus são equiparados com tópicos de debate a favor de Israel e uma nova e veemente convicção sobre como tratar a pauta em favor do apartheid.

LEIA: Guerra contra Gaza – Mentiram para nos levar a um genocídio e a Al Jazeera nos mostrou como

A doutrinação não termina com o verão, mas sim continua quando os jovens chegam à universidade. Representantes de Israel se engajam ativamente junto de seus pares, ao reforçar e vigiar seu vínculo para com Israel. Estudantes são incitados a se recrutar ao exército ocupante, como se fosse “uma dádiva” de sua juventude. A visão genocida do “Grande Israel” — segundo a qual toda a região estendida se tornaria um único Estado supremacista judaico — é instilada na mente dos jovens.

Após testemunhar em primeira mão a brutal realidade da ocupação ilegal israelense na Palestina, Zimmerman e Eitan, no entanto, se conscientizaram da plena extensão das mentiras às quais foram subjugados. Eitan foi enviado à Cisjordânia meses após entrar no exército e começar seu treinamento. O objetivo declarado, recorda, era intimidar e humilhar os palestinos para que soubessem que estariam sob constante vigilância. Dia após dia, ficou claro que sua missão era proteger os assentamentos ilegais, não apenas o Estado que o condicionaram a amar. Ao compreender que cidadãos americanos que emigrassem à Cisjordânia teriam mais direitos que os palestinos nativos, muitos judeus passaram a questionar o próprio âmago da narrativa sionista.

Eventualmente, aterrorizar as famílias palestinas lhes trouxe um dilema moral, como é o caso de Eitan. Em umas das várias cenas comoventes deste documentário, o público percebe que Eitan levou anos para admitir para si que exerceu um papel em brutalizar os palestinos, para então buscar se redimir.

Zimmerman passou por uma transformação igualmente inspiradora. Como muitos dos membros da comunidade judaica nos Estados Unidos, disseram e repetiram a ela que o Estado israelense era parte integral de sua própria identidade. A doutrinação acontece a todo instante nas escolas judaicas. Os palestinos são apagados de sua história, como ela é contada por ideólogos sionistas. Professores repisam a velha propaganda de que as terras históricas da Palestina estariam vazias, quando judeus aportaram da Europa, como parte de um projeto colonial de longa data.

LEIA: Massacre no Hospital de Gaza e o marketing das mentiras israelenses

Zimmerman não tinha ideia do que é ser palestino, além da difamação racista de que é um povo que supostamente odiaria os judeus — muito embora a identidade palestino-judaica fosse parte da terra há milênios.  Inconsistências e contradições entre a versão idealizada do Estado e a realidade em campo levaram Zimmerman a uma epifania. Ao cruzar à Cisjordânia, segundo seu relato, descobriu a si mesma. Chocada e horrorizada com as condições, Zimmerman descobriu que tudo que haviam lhe dito — que a única maneira dos judeus estarem seguros seria subjugar os palestinos — era mentira.

Ao explorar o fim de um romance constitutivo entre cada vez mais de jovens cidadãos americanos de raízes judaicas e o Estado de apartheid, vozes proeminentes dentro da comunidade têm a oportunidade de explicar o fenômeno. “Viemos a Israel e saímos da Palestina”, dizem alguns dos entrevistados que fizeram sua dura peregrinação desde o sionismo ao antissionismo.

Apesar de tamanha transformação atingir o coração de cada vez mais jovens, trata-se ainda de um tabu na comunidade. Zimmerman, Eitan e seus pares são ostracizados por suas famílias e demonizados em suas congregações. Zimmerman, que chegou ao cargo de coordenadora de comunicação nacional judaica do senador Bernie Sanders, se viu forçada a se demitir após forte campanha do lobby israelense.

Para muitos, visitar a Palestina desafia tudo aquilo que aprenderam. Jovens judeus se veem indignados, mobilizados por toda sua vida em favor de uma colonização violenta, com base em mentiras e doutrinação. Zimmerman e Eitan integram uma história muito maior, sobre as crises existenciais postas à comunidade judaica dos Estados Unidos por seu duradouro apoio à limpeza étnica do povo palestino.

Jovens judeus passam hoje por “um despertar moral e espiritual”, como caracterizou o célebre acadêmico e ativista Cornel West, em sua participação no documentário. Fora de Israel, uma nova geração de judeus tem em mãos a chance de transformar a brutal realidade da ocupação colonial na Palestina histórica.

LEIA: Por que tantos jovens judeus americanos são anti-sionistas

Categorias
Ásia & AméricasEstados UnidosIsraelOriente MédioPalestinaResenhasResenhas - Filmes & Documentários
Show Comments
Palestina: quatro mil anos de história
Show Comments