“Neste filme, documentarei um sistema legal; um sistema que organiza o Estado de direito nos territórios que conquistamos em 1967. Este é um sistema único. Pouquíssimas pessoas compreendem sua profundidade”.
Este sistema, como nos conta o diretor e narrador Ra’anan Alexandrowicz em The Law in These Parts (A lei por essas bandas), é uma rede de normas fabricada por profissionais militares e aplicada para governar a Cisjordânia e a Faixa de Gaza desde sua ocupação ilegal em 1967. Por mais de meio século, esses profissionais implementaram uma série de cortes militares, emitiram leis e ordens arbitrárias e puniram milhares de palestinos por supostamente violá-las.
A legislação não tem brecha: tributação, correios, seguro de veículos, uso compulsório da moeda israelense, gestão de sítios arqueológicos, demolição de residências, construção de assentamentos ilegais e repressão a qualquer forma de resistência. Os palestinos vivem sob uma série de regras projetadas por seus ocupantes que permitiram a prisão de milhares, incluindo tortura, e expropriação das terras por mais de meio milhão de colonos ilegais.
Trata-se de um sistema judicial que questiona se a ocupação e o Estado de direito são de fato compatíveis: pode Israel realmente ser uma democracia moderna?
A lei por essas bandas, documentário de 101 minutos, foi exibido como parte do Festival de Cinema do Human Rights Watch, em Londres. Em 2012, ganhou o prêmio de Melhor Documentário do Festival de Cinema de Sundance.
A lei por essas bandas combina uma série de entrevistas extensas com esses profissionais militares — arquitetos desse sistema de discriminação legal, denunciado como apartheid —, sobrepostas a registros de vídeo da Palestina ocupada, que remetem aos processos coloniais desde a década de 1940.
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Em uma das cenas, palestinos vestindo camisa branca, paletó e seu lenço tradicional (keffieh) se reúnem em frente à Suprema Corte de Israel, na cidade ocupada de Jerusalém — uma instituição caracterizada como “absolutamente imparcial” pelo então juiz aposentado Meir Shamgar, falecido em 2019, aos 94 anos de idade, em sua entrevista ao documentário.
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Meir Shamgar (à esquerda), então presidente da Suprema Corte de Israel, visita a Mesquita Abraâmica (Túmulo do Patriarcas), na cidade de Hebron, como parte do inquérito sobre o massacre cometido pelo colono israelo-americano Baruch Goldstein, em 9 de março de 1994 [Patrick Baz/AFP via Getty Images]
Dentro do tribunal, uma das questões mais prementes a ser resolvida é precisamente a pauta dos assentamentos. Em 1979, a corte determinou o caráter ilegal do assentamento de Elon Moreh, na Cisjordânia ocupada, ao ordenar que as terras fossem devolvidas aos requerentes do caso — isto é, aos residentes da antiga aldeia árabe-palestina que deu lugar ao colonato israelense. Ainda assim, para que a construção do assentamento fosse adiante, o tenente-coronel reformado Alexander Ramati sugeriu apreender as propriedades sob o pretexto de que seriam “terra morta” — uma espécie de lacuna legal herdada dos tempos do Império Otomano.
Conforme essa lei, terras supostamente desabitadas e sem cultivo seriam expropriadas. “Logo à noite, tínhamos disponível um helicóptero e uma equipe — um piloto, um agente de operações e eu —, sentados na cabine em busca de ‘terras mortas’. Voamos de um lado para o outro até encontrarmos a área adequada”, relatou Ramati. O local que encontraram — terras palestinas — deu lugar ao atual assentamento de Elon Moreh, na Cisjordânia.
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Que a Suprema Corte de Israel, ao julgar sobre terras palestinas, tenha permitido que o assentamento fosse reconstruído é um somente um dos muitos exemplos perturbadores de um sistema judicial — na melhor das hipóteses — maleável. Na prática, o tribunal fracassou — ou, pior, se permitiu fracassar — ao impedir que as leis fossem deturpadas, com implicações severas a famílias palestinas ancestrais.
Elon Moreh, perto da cidade de Nablus, foi construído sobre as aldeias palestinas de Azmut e Deir al-Hatab, mediante limpeza étnica. O colonato abriga hoje aproximadamente dois mil habitantes, exclusivamente judeus, e impõe sua jurisdição sobre uma área oito vezes maior do que o previsto pelos supostos limites da municipalidade, de acordo com estimativos do Escritório das Nações Unidas para Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA).
O mecanismo colonial aplicado para a criação do assentamento de Elon Moreh serviu como precedente à expansão dos colonatos israelenses, replicado por toda a Cisjordânia desde a década de 1980.
Ao fim da entrevista, Alexandrowics pergunta abertamente a Meir Shamgar: “Por acaso, o senhor acha que nós — cidadãos de Israel — aceitaríamos um sistema legal como aquele que operamos nos territórios ocupados?”.
A questão, ao que parece, permanece em aberto.
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