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Um Mundo Que Não é Nosso: Retratos da diáspora palestina no Líbano

A vida no campo de refugiados palestino de Ein el-Helweh, no Líbano, conforme registros do filme de documentário A World Not Ours (Um Mundo Que Não é Nosso), do diretor palestino Mahdi Fleifel [Divulgação]

Hoje, cerca de 300 mil refugiados palestinos vivem no Líbano, embora apenas 2% deles tenham autorização de trabalho. A legislação libanesa proíbe os palestinos de exercerem diversas profissões — aqueles que trabalham ganham um valor menor do que o salário mínimo. Os membros da diáspora palestina no Estado levantino tampouco podem possuir um imóvel próprio e têm seu acesso aos sistemas de justiça e saúde severamente restritos.

Ein el-Helweh, campo de refugiados no sul do Líbano, que abriga parte dessa população, foi construído ainda em 1948, na ocasião da Nakba — em árabe, catástrofe —, quando foi criado o Estado de Israel mediante limpeza étnica planejada. Seu objetivo então era prover abrigo temporário aos refugiados. No entanto, sete décadas se passaram, ao converter um campo provisório em uma espécie de favela permanente a seus moradores. Trata-se do maior campo de refugiados no Líbano, ao abrigar até 120 mil pessoas, dentro de uma área bastante inferior a sequer um quilômetro quadrado.

Campo de refugiados palestino de Ein El-Helweh, perto da cidade de Sídon, no sul do Líbano, em 23 de março de 2009 [Ramzi Haidar/AFP via Getty Images]

Foi neste campo de refugiados que os pais do diretor palestino Mahdi Fleifel, radicado em Londres, cresceram. Fleifel também foi criado na diáspora — por sua vez, na Dinamarca e em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, muito embora tenha passado algumas férias de verão junto de sua família estendida em Ein el-Helweh. É precisamente aqui que repousa o tema central de seu filme: uma perspectiva sobre a questão do exílio a partir de múltiplas gerações de refugiados, daqueles que permaneceram no campo àqueles que o deixaram — e até mesmo aqueles que jamais puseram os pés em suas terras ancestrais.

A vida no campo de refugiados palestino de Ein el-Helweh, no Líbano, conforme registros do filme de documentário A World Not Ours (Um Mundo Que Não é Nosso), do diretor palestino Mahdi Fleifel [Divulgação]

Em suas várias viagens a Ein el-Helweh, Fleifal registrou em vídeo a vida e as experiências no campo — uma paixão que herdou de seu pai. Esses registros, reunidos com imagens gravadas por seu pai das décadas de 1980 e 1990, compõem precisamente a base de A World Not Ours (em português, Um Mundo Que Não é Nosso), documentário de longa-metragem narrado pelo próprio diretor.

Cartaz do filme A World Not Ours (Um Mundo Que Não é Nosso), do diretor Mahdi Fleifel [Divulgação]

Um Mundo Que Não é Nosso estreou no célebre Festival Internacional de Cinema de Toronto (TIFF), em 12 de setembro 2012, e venceu o Prêmio Cinema pela Paz consagrado pelo Festival Internacional de Cinema de Berlim. O filme de Mahdi Fleifel ganhou também o Prêmio de Melhor Documentário do Festival Internacional de Cinema de Abu Dhabi, entre outras indicações.

Um exemplo particularmente interessante das diferentes direções que a vida dos refugiados palestinos tomou ao longo da história moderna se demonstra pela amizade entre o diretor e Abu Iyad. Enquanto Fleifal passava seus verões no campo de refugiados e então voltava para a casa no exterior, seu amigo e personagem central, Abu Iyad — que recebeu este apelido em homenagem a Salah Khalaf, chefe de inteligência e vice-líder da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), assassinado em Túnis em 1991 — jamais pôde deixá-lo. Membro de longa data do partido Fatah, que hoje controla a Autoridade Palestina, sediada em Ramallah, Cisjordânia ocupada, seu amigo se tornou, com o tempo, desiludido com a promessa de retorno e indignado frente à postura das lideranças nacionais.

“Eu queria que Israel nos matasse de uma vez”, lamenta Abu Iyad ao documentarista. “Destruímos a nós mesmos. Acho que não quero mais retornar à Palestina”.

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O tio de Fleifal, Said, na época das gravações, passava grande parte de seu tempo cuidado de seus passarinhos. Durante uma das diversas invasões da ocupação israelense à região, o irmão de Said, Jamal, instalou explosivos em torno do campo e foi baleado no pescoço por um franco-atirador quando o exército libanês sitiou o perímetro. Jamal morreu dez anos depois — tinha apenas 23 anos.

Apesar do sofrimento da vida na diáspora, o filme acompanha a sobrevivência destes personagens, como Said e Abu Iyad, no campo de refugiados. Trata-se de uma abordagem profundamente pessoal às questões do refúgio e da diáspora imposta ao povo palestino pela brutal colonização israelense, assim como a discriminação institucional sob o regime sectário libanês. Um Mundo Que Não é Nosso proporciona uma perspectiva interessante sobre as ramificações da vida desde a Nakba.

Um Mundo Que Não é Nosso está disponível para streaming na Netflix.

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