“As pessoas me disseram que isso é como um fragmento inspirador de humanidade, em um momento em que a discriminação parece vencer”, comentou o fotógrafo Brandon Tauszik, radicado na Califórnia, sobre as reações em torno dos registros de seu projeto Syrian Street — batizado em homenagem à maior rua da cidade de Trípoli, no norte do Líbano. O endereço, ao longo dos anos, converteu-se em um campo de batalha entre os bairros rivais de Bab el-Tebbaneh e Jabal Mohsen.
Guiado pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), Tauszik passou uma semana conhecendo e fotografando os residentes de ambos os bairros. Na superfície, o resultado são imagens animadas como GIFs, das vielas movimentadas da região e da concha de retalhos formada pelas vidas compartilhadas dos residentes, descrita por Tauszik como uma espécie de “voz coletiva”. Para além disso, contra um cenário de discórdia, há uma tentativa profunda de debater as causas basilares de um conflito duradouro que assombra a região.
Ao longo de oito décadas, desde a Guerra Civil no Líbano até 2014, confrontos entre os bairros alauíta e sunita de Trípoli se tornaram um microcosmos de crises regionais. Após a repressão militar impor uma tranquilidade instável entre ambos os lados, em 2015, Tauszik explicou ter testemunhado a “presença sufocante de tanques e postos de controle na maioria dos quarteirões residenciais”. Conforme o fotógrafo, “o conflito segue sob a superfície, oculto no dia a dia; as pessoas perderam suas casas, a economia está em frangalhos e combatentes desempregados mantém suas mãos sobre a bainha de suas armas, à espera de uma nova crise”.
Com uma comunidade tão diversa, cujas vidas ainda assim se entrelaçam, é fácil culpar o sectarismo. No entanto, a falta de segurança econômica, bastante evidente nas ruas de Trípoli, é a verdadeira causa do problema. Comentou Tauszik: “Compreendi que algumas coisas podem até parecer discriminação, mas têm, na verdade, raízes políticas. A pobreza torna as pessoas vulneráveis, para que sejam, de alguma maneira, manipuladas”.
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Rami, um ex-combatente de Bab al-Tabbaneh, comentou ao projeto: “Quando os meninos crescem vendo seus pais correndo atrás de qualquer miséria para sobreviver, terminam também no mau caminho. Se você tem sete ou oito crianças para cuidar, vai fazer qualquer coisa por uns trocados”.
A câmera de Tauszik proporciona uma janela à vida de pessoas assoladas pela violência urbana, mas também uma válvula de escape das trivialidades do dia a dia. De acordo com o autor, os residentes se mostram “ansiosos para se sentarem conosco e contar suas histórias pela primeira vez e então serem fotografados. Apesar da adversidade que enfrentam, a maioria tem orgulho de onde vive”.
Uma das personagens é Alaa, então com 20 anos, que recordou sua infância, correndo pelas ruas agarrada à mão de sua irmã, para chegar à escola o mais rápido possível. Ambas, mais tarde, abandonaram os estudos, conforme se tornou impossível sequer atravessar a Rua Síria sem serem baleadas ou mortas.
Tauszik destacou sentir-se pequeno diante da resiliência, apesar do sofrimento coletivo, que testemunhou na região:
Uma das mulheres que participou do projeto é Hana, de Bab al-Tabbaneh, mãe de três filhos e única pessoa a prover sustento para sua família. Seu marido tinha uma loja de carros, mas teve de fechar as portas quando clientes de fora começaram evitar a área. O marido virou taxista, mas perdeu a audição quando um morteiro explodiu ao seu lado.
Tauszik descobriu também como a guerra civil na Síria agravou diretamente as tensões sectárias no norte do Líbano. “Quando visitei a casa de Hana, uma família de refugiados sírios vivia nos fundos, sem conseguir trabalho ou moradia”.
Embora a cidade estivesse se recuperando aos poucos após 2015, a incerteza que assombra as gerações mais jovens, de ambos os lados do conflito, permanece palpável. Paredes cravadas de balas servem de lembrança de como a violência pode emergir a qualquer instante e sem alerta algum. Pouca atenção da imprensa e do poder público é dada aos logradouros, seja entre ou logo após os conflitos.
Para o autor, a arte é um meio de construir pontes: “Descobrir elementos em comum, com os quais todos possam se identificar, é algo fundamental, especialmente em uma sociedade dividida; a confiança é essencial neste contexto, para construir algo em conjunto, e vivenciar a arte é algo universal”.
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Sobre a Rua Síria em particular, ainda não é certo se esta “fronteira”, que tanto serviu para dividir, poderá ser usada para unir as partes. A Rua Síria, registrada por Tauszik, guarda sonhos e ambições, sobretudo em um período que sugere dormência — em que não há violência, tampouco paz. Apesar dos problemas, Alaa comenta: “Quando eu saio de casa, sou otimista. Sinto que as coisas estão melhorando, ganhando vida — mesmo que devagar”.
O projeto fotográfico Syria Street foi lançado em inglês, árabe e francês. A Cruz Vermelha mantém seu trabalho em Trípoli desde novembro de 2014, com numerosos projetos voltados a ajudar as comunidades locais a se recuperarem dos sucessivos traumas e duradouros ciclos de pobreza e violência.