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Síria, uma história de amor: Documentário busca humanizar o conflito

Bandeira síria adotada pelos manifestantes por democracia, em Idlib, norte da Síria, 24 de fevereiro de 2012 [Bulent Kilic/AFP via Getty Images]

Em 18 de setembro de 2015, o Instituto de Cinema Britânico (BFI), na capital Londres, recebeu a sessão de estreia de A Syrian Love Story — ou Síria: Uma história de amor —, documentário do jornalista Sean McAllister, da rede The Independent, que, por mais de meia década, acompanhou a vida de Amer e Raghda, na tentativa de humanizar a crise e o conflito na Síria e levar sua história ao público amplo, não importa o conhecimento sobre a matéria ou as inclinações políticas.

O documentário é precisamente um romance que começou 15 anos atrás em uma cela de prisão na Síria, quando Amer, refugiado palestino no país e membro da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), conheceu Raghda, cidadã síria alauíta que se opôs ao regime de Bashar al-Assad no curso dos protestos por democracia. Foi desta forma que Amer viu de relance a face ensanguentada de Raghda, após tortura, quando ela foi colocada em uma cela vizinha e passaram a se comunicar por um pequeno buraco que fizeram em segredo através da parede. Ambos se apaixonaram e se casaram logo após serem libertados, começando uma nova família. Contudo, a conjuntura política jamais os permitiu ter uma vida matrimonial comum, à medida que Raghda voltou a ser presa vezes por longos períodos, deixando Amer para cuidar de seus quatro filhos.

Em 2009, quando McAllister estava passeando por um bar local, encontrou Amer, que estava no telefone falando de sua esposa encarcerada. O jornalista observa que, até o momento, “vivia em uma bolha”, destinada à imprensa pela ditadura de Assad, ao ver e registrar apenas o que bem queria o governo. Em seu primeiro encontro, Amer afirmou a McAllister: “Se você quer falar da vida real na Síria, me acompanhe e vou lhe mostrar a realidade oculta que o mundo não quer ver”. O jornalista então conheceu o povo, ao deixar os limites do quarteirão turístico da velha Damasco — e assim nasceu o projeto deste documentário.

McAllister começa a filmar Amer ainda alguns meses antes da onda de revoluções que abalou o mundo árabe. Na ocasião, Raghda já era uma prisioneira política e Amer tinha de cuidar sozinho de seus filhos — Fadi, Shadi, Kaka e Bob, que passaram a vida inteira vendo seu pai ou sua entrando e saindo da prisão por suas crenças políticas. Durante a filmagem, a família se mudou várias vezes, pois a polícia conhecia e perseguia Raghda, ao vigiá-la constantemente.

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Bob, que tinha apenas três anos de idade quando começou a filmagem, não era capaz de compreender por que sua mãe não estava com eles e porque seu único contato com ela era por telefone. Kaka, uma criança quieta um pouco mais velha, promete em certo momento seguir os pais à prisão para que sejam todos libertados, enquanto Shadi — o primogênito — parece se dissociar dos arredores, apaixonado por uma menina a favor do governo e contra tudo e todos que ousam desafiá-lo. A política força Shadi a romper com a menina, destinada a se casar com outra pessoa; seu destino é selado no fim do documentário.

Este retrato familiar bastante íntimo auxilia os espectadores a compreenderam a razão pela qual os cidadãos estavam literalmente morrendo por mudanças no mundo árabe. Uma vez que começa a revolução, Amer vê uma chance de libertar a esposa da prisão e decide participar dos protestos. Porém, é novamente forçado a deixar sua casa e acaba no hoje infame campo de refugiados de Yarmouk, na periferia de Damasco.

A pressão internacional de fato forçou o governo sírio a libertar prisioneiros políticos —

Raghda entre eles. Contudo, pouco depois, o próprio documentarista, McAllister, acaba preso por filmar a conjuntura e a pressão contra ativistas e jornalistas se intensifica. A perseguição contra o casal chega a um ponto sem precedentes quando os serviços de inteligência apreendem os registros de McAllister.

Por medo, a família se vê forçada a fugir ao Líbano, onde fissuras no relacionamento de Amer e Raghda começam a surgir. Sentindo-se dividida e desesperada para juntar-se à esperança de uma mudança que varra a Síria, Raghda se diz incapaz de assistir de longe e retorna ao país.

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Na sessão de estreia, o próprio Amer informou ao público que sua família teve de obter ajuda para comer de igrejas libanesas; que, por ser palestino, não conseguia encontrar emprego no regime sectário do país; pela mesma razão, que suas crianças não podiam frequentar a escola; e que, quando solicitou asilo político às Nações Unidas, disseram a ele e seus filhos que, sem Raghda, não haveria chance — afinal, ele não é sírio.

Após três meses, Raghda regressou à família e enfim conseguiram asilo internacional. Então, seguiram ao pequeno lugarejo de Albi, na França, vendo de longe a repressão de Assad esmagar seu povo e incidir em uma brutal guerra civil. Ainda assim, refugiados, tensões perduraram na família. A saúde mental de Raghda se degradou, sob o trauma de suas sucessivas prisões, e a mãe tentou o suicídio. O amor do casal, encontrado em uma cela de prisão, jamais voltou à tona. A guerra, embora distante, se projetou à casa, entre marido e mulher; em busca da liberdade porque tanto lutaram, começaram a se afastar.

No fim do documentário, Kaka, favorável à revolução, põe em dúvida os benefícios do processo diante das repercussões desde então. Bob, com oito anos, passa a se declarar francês e sequer se lembra da vida na Síria.

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A Syrian Love Story é um documentário que McAllister caracteriza como “o filme mais especial em sua carreira até então” — uma obra que duvidou até o fim que poderia ser ao menos ver a luz do dia, dado que careceu de apoio até os momentos derradeiros do processo.

Segundo McAllister, seu objetivo era que as pessoas compreendessem a guerra na Síria sem necessariamente o peso do jargão político: “Eu queria que o trabalhador comum visse a revolução sem toda aquela política ao redor. No fim, são histórias humanas, de cidadãos comuns”.

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