Dentre as maiores vítimas da agressão israelense em curso contra Gaza está um grupo que, de longe, é o mais indefeso e mais distante de todos os pretextos utilizados por Tel Aviv para sua campanha implacável de morte e devastação — isto é, as crianças.
Philippe Lazzarini, comissário-geral da Agência das Nações Unidas para Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA), descreveu bem a ofensiva israelense como “guerra contra as crianças”, ou ainda, “uma guerra contra a infância e o futuro”.
Seu alerta apavorante foi reiterado por um discurso à Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em maio, do próprio secretário-geral da instituição, António Guterres. “Se há um inferno na terra, é a vida das crianças de Gaza”, declarou Guterres na ocasião.
Os comentários são abalizados em fatos e estatísticas de partir o coração, com dezenas de milhares de crianças assassinadas por Israel.
Até abril, havia ao menos 1.067.986 crianças em Gaza, ou cerca de 47% da população, conforme dados do Departamento Central de Estatísticas da Palestina. Entre as quais, estima-se 544.776 meninos e 523.210 meninas, menores de 18 anos, com 15% deles abaixo de cinco anos de idade — isto é, ao menos 341,790 crianças pequenas.
Cerca de 16 mil crianças mortas
De volta a março, Lazzarini expôs índices demonstrando que o número de crianças que Israel assassinou em Gaza em pouco mais de quatro meses já era maior do que o total global em quatro anos.
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Naquele momento, o número de crianças mortas em Gaza estava em ao menos 12.300 vítimas, excedendo 12.193 crianças mortas em conflitos globais entre 2019 e 2022, de acordo com estimativas da ONU.
Meses atrás, em dezembro, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reportou que, em média, uma criança palestina era assassinada em Gaza a cada dez minutos, ao incorrer no que descreveu como “os tempos mais sombrios da humanidade”.
Tais estatísticas assombrosas apenas cresceram desde então — assim como projeções cada vez mais sinistras —, à medida que Israel insiste em bombardear tudo e todos, de hospitais a prédios residenciais e campos de refugiados, muitas vezes designados como “zonas seguras”, com milhões de cidadãos deslocados de suas casas.
Até 7 de julho — 275º dia do genocídio em curso —, o exército israelense havia matado ao menos 15.983 crianças palestinas de Gaza, uma média de 58 crianças mortas todos os dias desde 7 de outubro do último ano.
O número de crianças feridas também supera 34 mil vítimas, conforme dados técnicos do Ministério da Saúde de Gaza.
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À agência Anadolu, comentou Alexandra Saieh, diretora de política humanitária da ong Save the Children:
As crianças de Gaza sofrem as mais duras penas. Estamos vendo crianças mortas e mutiladas em números sem precedentes; crianças mortas das formas mais horríveis. Desmembradas, queimadas vivas em suas tendas, ou esmagadas pelo colapso de blocos residenciais inteiros. Mortas ainda por doenças absolutamente evitáveis, sem o devido acesso à saúde. Em suma, seu sofrimento é horrível.
1.500 crianças amputadas ou submetidas a outras deficiências
Ao menos 1.500 crianças de Gaza perderam membros ou olhos ou foram submetidas a outras deficiências permanentes devido aos ataques de Israel, de acordo com os dados publicados pelo gabinete de comunicação do governo em Gaza.
Em janeiro, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) reportou que ao menos mil crianças palestinas haviam tido uma ou ambas as pernas amputadas no período de somente quatro meses até então. Isso quer dizer ao menos dez crianças que perderam uma ou ambas as pernas a cada dia.
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À medida que Israel também destruiu a infraestrutura de saúde de Gaza e reforçou seu embargo sufocante sobre suprimentos humanitários, diversas organizações de direitos humanos e agências das Nações Unidas corroboraram casos nos quais crianças sofriam cirurgias de amputação e outras sem sequer anestesia.
Vídeos perturbadores desses procedimentos desesperados surgiram nas redes sociais, ressaltando ao mundo o imenso sofrimento imposto às crianças de Gaza.
Em numerosos casos, como apontou Francesca Albanese, relatora especial das Nações Unidas, pacientes infantis recebiam apenas algumas doses de sedativo para atenuar as dores, dado que o tratamento adequado a seus traumas fora inviabilizado pela ofensiva e pelo cerco de Israel. No Twitter (X), destacou Albanese: “Este nível de horror não tem paralelo em nosso tempo de vida”.
Saieh também falou das formas bastante macabras em que as crianças foram mutiladas por implacáveis ataques de Israel, ao sofrer ferimentos definitivos em suas vidas. “Uma criança sem perna não pode fugir a uma suposta zona segura. Uma criança desnutrida, fraca demais sequer para chorar, também não pode fugir”, alertou Saieh.
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21 mil crianças desaparecidas, 17 mil órfãs
A Save the Children informou recentemente que ao menos 21 crianças palestinas estão desaparecidas em Gaza, muitas das quais soterradas sob os escombros, sequestradas e detidas pelas forças israelenses ou sepultadas em valas comuns.
Muitas outras crianças “estão perdidas, separadas de sua família, seus entes queridos”, acrescentou Saieh à agência Anadolu.
“Presumimos que cerca de quatro mil estão mortas sob os escombros de suas próprias casas e um número desconhecido está sepultado em covas não-identificadas, ou ainda detidas e desaparecidas na rede carcerária israelense, em localidades não reveladas”, observou.
Conforme o gabinete de imprensa do governo em Gaza, ao menos 3.600 crianças estão desaparecidas sob as ruínas dos milhares de prédios destruídos pelos bombardeios de Israel.
Até a data de 14 de junho, conforme a mesma fonte, de natureza oficial, ao menos 200 crianças haviam sido “sequestradas” pelas forças ocupantes.
À medida que Israel insiste em derramar morte e destruição sobre Gaza, organizações como Médicos Sem Fronteiras (MSF) se viram forçadas a cunhar um novo acrônimo em inglês para identificar crianças que perderam todos os seus parentes aos bombardeios — WCNSF, ou “criança ferida, sem família sobrevivente”.
O gabinete em Gaza identificou cerca de 17 mil crianças que se tornaram órfãs, com ao menos 3% delas perdendo ambos os pais.
Desnutrição: Dezenas de mortos, dezenas de milhares em risco
Israel é réu por genocídio no Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), com sede em Haia, mas também é acusado por peritos em direito internacional de impor deliberadamente a fome como arma de guerra.
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Conforme o Ministério da Saúde de Gaza, corroborado por especialistas independentes da ONU, ao menos 34 pessoas, sobretudo crianças, morreram de desnutrição em Gaza desde outubro.
Os especialistas das Nações Unidas advertiram em nota, em 9 de julho:
Com a morte dessas crianças devido à fome … não resta dúvida de que a fome se propagou do norte ao centro e sul de Gaza. Reafirmamos que a campanha deliberada e precisa de fome imposta por Israel contra o povo palestino é uma forma de violência genocida, que resultou em uma crise de fome generalizada por todo o território.
O grupo internacional Human Rights Watch (HRW) confirmou também que as crianças de Gaza estão sucumbindo a “complicações relacionadas à fome”, à medida que Israel usa a fome como arma de guerra.
A UNRWA advertiu que ao menos 50 mil crianças demandam tratamento urgente para desnutrição severa. O gabinete de comunicação em Gaza apontou que ao menos 3.500 crianças estão sob risco de morte devido à desnutrição, sob escassez ainda prevalente de alimentos.
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De acordo com as equipes do governo, ao menos 82 mil crianças demonstraram sinais de desnutrição até então — 35% delas com sintomas graves.
Outros 450 menores estão sob risco de desenvolver tumores e doenças respiratórias à medida que os palestinos são forçados a queimar quaisquer insumos disponíveis, entre os quais químicos prejudiciais, para cozinhar o pouco que têm, devido ao impedimento israelense de acesso a produtos básicos e combustível.
Mais de 700 mil crianças deslocadas
Conforme as estimativas da ONU, ao menos 1.9 milhão de pessoas foram deslocadas à força internamente em Gaza, muitas das quais famílias deslocadas de nove a dez vezes. Os dados incluem mais de 700 mil crianças deslocadas à força múltiplas vezes.
Aproximadamente 650 mil crianças perderam suas casas, destruídas por bombardeios israelenses, e 625 mil estão privadas de seu direito básico à educação por mais de nove meses.
Segundo Saieh, da Save the Children, toda e qualquer infraestrutura civil essencial para que as crianças possam prosperar futuramente Gaza foi destruída por Tel Aviv. “Escolas foram destruídas, hospitais foram destruídos, casas foram destruídas — até mesmo os parquinhos foram destruídos. As crianças de Gaza nos dizem, desde cedo, que não têm qualquer esperança em seu futuro”.
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