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Soldados israelenses em Gaza ostentam má conduta

O G20 e a Questão Palestina

Reuniao do G20 no Brasil em julho de 2024. [Tomaz Silva/Agência Brasil]

Nos dias 25 e 26 de julho do corrente ano foi realizada a terceira Reunião de Ministros de Finanças e Bancos Centrais do G20 no Rio de Janeiro. Como se sabe, o G20 é composto por 19 países (África do Sul, Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, Coreia do Sul, Estados Unidos, França, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Reino Unido, Rússia e Turquia) e dois órgãos regionais: a União Africana e a União Europeia.

Ao final do encontro, alguns documentos foram emitidos. São eles (todos escritos apenas em língua inglesa):

. Declaração Ministerial do G20 sobre Cooperação Tributária Internacional

. Comunicado da 3ª Reunião de Ministros de Finanças e Presidentes de Bancos Centrais (FMCBG) do G20

. Anexo I ao Comunicado da 3ª Reunião de FMCBG: Lista de Documentos

– Declaração da Presidência Brasileira do G20

Desta vez os países membros atingiram consenso, justamente por não trazer para a mesa de negociações posicionamentos conjuntos sobre a guerra entre Rússia e Ucrânia e tampouco sobre o genocídio sionista (financiado pelos EUA) contra o povo palestino. No evento do Rio, a centralidade foi em cima do tema da tributação, buscando uma taxação progressiva sobre os super ricos e entendendo que a diminuição das desigualdades é um fator fundamental para o desenvolvimento das sociedades dos países membros e das entidades supranacionais.

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Em fevereiro, na reunião preparatória de ministros de Relações Exteriores, o máximo que se atingiu foi um certo consenso da solução “dois povos e dois Estados”. Ironicamene, foi justo o que o parlamento do Estado Sionista rejeitou recentemente por 68 votos a 9 por uma questão de “princípio”. Vale notar. A posição do Brasil foi contrária a isso, o que repercutiu até na mídia chinesa.

O G20 tem um bom número de países que são de maioria islâmica e poderiam condicionar sua presença no fórum a alguma agenda mais propositiva a favor da libertação da Palestina. Arábia Saudita, Turquia e Indonésia deveriam sim serem mais incisivos. Isso sem falar na União Africana, com um número importante de países árabes e cuja maior parte da população é de credo islamita. Ainda assim, o tema não entra porque opera como um divisor de posicionamentos. Como há a presença de Estados ocidentais, também membros líderes da OCDE (Organização pela Cooperação e Desenvolvimento), o apoio para o Estado Colonial que promove o Apartheid na Palestina Ocupada acaba preponderando.

Para além do tema que implica em crime de lesa humanidade, uma abordagem indireta diz respeito ao desenvolvimento.

A taxação dos super ricos é consenso

Um consenso surpreendente na Reunião de Autoridades Econômicas do G20 se refere ao tema da tributação desigual e a necessidade de redistribuição de renda como forma de diminuir a desigualdade social.

“É importante que todos os contribuintes, incluindo indivíduos com patrimônio líquido extremamente elevado, contribuam com a sua parte justa nos impostos. A elisão fiscal agressiva ou a evasão fiscal de indivíduos com patrimônio líquido muito elevado podem minar a justiça dos sistemas fiscais, o que é acompanhado por uma eficácia reduzida da tributação progressiva”, diz o Comunicado da Trilha de Finanças do G20.

Mais adiante, o documento firma um compromisso. “Com pleno respeito pela soberania fiscal, procuraremos envolver-nos de forma cooperativa para garantir que os indivíduos com um patrimônio líquido extremamente elevado sejam efetivamente tributados. A cooperação poderia envolver o intercâmbio de melhores práticas, o incentivo a debates em torno dos princípios fiscais e a criação de mecanismos antielisão fiscal, incluindo a abordagem de práticas fiscais potencialmente prejudiciais. Esperamos continuar a discutir estas questões no G20 e noutros fóruns relevantes”.

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A inclusão do tema na pauta teria sido de iniciativa do governo brasileiro, na gestão do ministro da Fazenda Fernando Haddad. É interessante como por vezes, a política econômica precisa de certas acrobacias para se realizar. A reforma tributária é alvo de lobbies sem fim e de certa insanidade na política doméstica brasileira. Já na agenda externa, considerando a excelência da burocracia de carreira que o Brasil tem – incluindo como virtude o bom diálogo com os pares – se dá uma articulação menos penosa. Em se tratando de política internacional e essa dimensão declarativa que tanto favorece o agendamento dos temas na opinião circulante, o consenso do G20 traçado no Rio vai ao encontro dos objetivos do milênio apontados pela ONU para 2030:

Erradicar a pobreza extrema e a fome / Educação Básica Universal / Promover igualdade de gênero e empoderar as mulheres / Reduzir a Mortalidade Infantil / Melhorar a Saúde Materna

Combater HIV/AIDS, a Malária e outras doenças / Garantir Sustentabilidade Ambiental / Parceria global pelo desenvolvimento.

Infelizmente, o tema da Palestina entra como pauta secundária, e portanto, termina rejeitada.

A Palestina ausente é ainda mais presente

Segundo a Agência Brasil, o deslocamento dos temas de ordem geopolítica foi uma manobra da diplomacia brasileira para conseguir algum elemento de unidade no encontro. De acordo com a declaração oficial:

“No contexto da 3ª Reunião dos Ministros das Finanças e Governadores dos Bancos Centrais do G20, alguns membros e outros participantes expressaram as suas opiniões sobre a Rússia e a Ucrânia e sobre a situação em Gaza. Alguns membros e outros participantes consideraram que estas questões têm impacto sobre a economia global e deveriam ser tratadas no G20, enquanto outros não acreditam que o G20 é um fórum para discutir estas questões. A presidência brasileira do G20 conduzirá a discussão sobre essas questões nos próximos meses, em preparação para a Cúpula de Líderes do Rio de Janeiro”, diz a declaração.

Na sobreposição das organizações internacionais, o G20 é o ponto de encontro hoje entre os BRICS e o G7 (composto por Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido, além da União Europeia), operando como a camada de Estados líderes e ainda alguma base de diálogo em um Sistema Internacional caminhando para a Multipolaridade com interdependência econômica e armada.

A Questão Palestina, ao não entrar na pauta da reunião, termina sendo relevada como mais importante ainda. Se fosse “fácil” entrar em “acordo” com cruzados e países de tradição imperialista recente, bastava repetir a cantilena inexequível de Dois Povos e Dois Estados e a diplomacia teria cumprido seu papel. Desta vez, a condição é outra. O invasor europeu já não crê nem na própria mentira, o que termina levando a humanidade a buscar o fim do Apartheid como forma de combater o genocídio.

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Será impossível qualquer existência não beligerante entre os países de maioria islâmica e mesmo o heterodoxo “sul global” e o ocidente (liderado pelos Estados Unidos) sem a solução para a Questão Palestina. Hoje, a única saída é o fim do Apartheid, com uma regra unversal para um povo e dois Estados, com direitos plenos aos refugiados e as reparações necessárias atendendo as populações-alvo de limpeza étnica, roubo de terras e casas e pogroms executados por colonialistas.

O futuro do G20 depende tanto da execução de políticas de desenvolvimento como o auxílio na resolução de conflitos assimétricos. Do contrário, mais vale apostar todas as fichas nos BRICS, apontando para uma real chance de multipolaridade altiva.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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