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Soldados israelenses em Gaza ostentam má conduta

Resolução 194: O pilar da luta palestina

Campo de refugiados palestinos nos arredores de Damasco, na Síria, em 1948 [Wikimedia/Domínio Público]

No dia 29 de novembro de 1947, a Assembleia Geral das Nações Unidas, sob presidência do brasileiro Oswaldo Aranha, aprovou a Resolução 181, que recomendava a partilha da Palestina para a criação de um Estado judeu. Segundo a Resolução, cerca de 57% do território seria concedido aos imigrantes judeus, que representavam, à época, 32,95% da população na Palestina histórica, contra 43% para os palestinos. Apesar de ser aprovada, o povo palestino não foi consultado sobre a decisão que mudaria para sempre suas vidas. Em razão disso, no dia 14 de maio de 1948, ocorreu uma das maiores tragédias da história contemporânea: a Nakba.

Neste episódio, cerca de 750 mil palestinos foram expulsos de suas terras e mais de 400 cidades foram completamente destruídas ou despovoadas. A tomada de terras à força só foi viável graças à presença de milícias paramilitares como o Haganá e o Irgun em terras palestinas e à doação de armamento de países como Inglaterra e União Soviética. Nos anos seguintes à tragédia, milhares de palestinos que haviam perdido tudo o que tinham passaram a vagar pela Cisjordânia, morando nas ruas ou em cavernas ou se alojando nos campos de refugiados em Gaza. Por outro lado, entre os anos de 1948 e 1951, cerca de 700 mil judeus imigrantes chegaram ao território palestino expropriado.

Temos, no entanto, de pontuar alguns fatos sobre a recomendação de partilha da Palestina. A própria Resolução 181 determina, em seu artigo 10, que é imperativo “(d) Garantir a todas as pessoas direitos iguais e não discriminatórios em questões civis, políticas, económicas e religiosas, bem como o gozo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, incluindo a liberdade de religião, de língua, de expressão e de publicação, de educação, de reunião e de associação”. Mesmo esta Resolução, apesar da divisão injusta de terras, foi redigida sob a égide da garantia de direitos e não previa expulsão de pessoas de suas terras.

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Dessa maneira, após a criação do “Estado de Israel” ser executada de maneira violenta e via expulsão de pessoas, além de milhares de mortes, a Assembleia Geral da ONU, no dia 20 de junho de 1948, escolheu por unanimidade o conde sueco Folke Bernadotte para ser o mediador do conflito perpetuado até hoje. Bernadotte pretendia mediar o conflito e supervisionar as ações de implementação do Estado judeu, pois considerava o plano de partilha “desafortunado”, chegando até mesmo a propor seu próprio plano, sugerindo que Israel cedesse o Negev e Jerusalém em troca da Galileia Ocidental. O conde foi bem sucedido nos primeiros meses, chegando até mesmo a conseguir um cessar-fogo de 30 dias. Entretanto, seu sucesso não era bem visto pelas alas mais radicais de Israel, acusado até mesmo de supostamente contribuir com o nazismo e ser um agente inglês. Alegações como essas acabaram incitando seu assassinato, em Israel, em setembro de 1948.

A morte de Folke Bernadotte, apesar de trágica, não foi em vão. A Resolução 194 da ONU foi aprovada no dia 11 de novembro de 1948 na pretensão de dar continuidade aos esforços do conde assassinado. A medida estabelecia uma comissão de conciliação permanente e declarava o direito de retorno dos refugiados:

Resolve que os refugiados que desejam regressar às suas casas e viver em paz com os seus vizinhos deverão ser autorizados a fazê-lo o mais cedo possível, e que deverá ser paga uma compensação àqueles que escolham não regressar e por perdas ou danos a bens que, sob os princípios do direito internacional ou de equidade, devem ser compensados pelos governos ou autoridades responsáveis.

Instrui a comissão de conciliação a facilitar o repatriamento, a reinstalação e a reabilitação econômica e social dos refugiados e o pagamento de indenizações, e a manter relações estreitas com o diretor das Nações Unidas aos Refugiados da Palestina e, através dele, com os órgãos e agências apropriados das Nações Unidas.

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Para além da comissão de conciliação e do direito de retorno, a Resolução criou o Comitê de Repatriação das Nações Unidas, que foi encarregado de facilitar o retorno dos refugiados e lidar com questões relacionadas à compensação. Embora a implementação desse aspecto tenha sido limitada e controversa, a Resolução estabeleceu um princípio importante para o tratamento dos refugiados. Dessa forma, determinou-se que todo refugiado palestino, assim como seus filhos e netos, possuiriam o direito de retorno à suas terras originárias. Infelizmente, até os dias atuais, Israel não atendeu às recomendações da Resolução 194, fazendo com que a população refugiada palestina seja uma das maiores do mundo.

Ser refugiado é uma condição definida principalmente pela Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951 e seu Protocolo de 1967. De acordo com esses documentos, um refugiado é uma pessoa que deixou seu país de origem devido a um temor fundamentado de perseguição. Em termos mais específicos, a definição inclui a necessidade de que o indivíduo não tenha buscado proteção de outra maneira, como em seu próprio país, e que sua perseguição não seja simplesmente um resultado de um comportamento criminoso ou atividades que sejam contrárias aos princípios das Nações Unidas. Os refugiados têm direito a uma série de proteções e direitos sob o direito internacional, como a proteção contra a devolução para um país onde sua vida ou liberdade esteja em risco — ou princípio de não devolução — e o direito a buscar asilo e receber assistência humanitária.

Nos últimos anos, milhões de palestinos foram expulsos de suas terras e forçados a se deslocarem para outros países ou outras localidades da Palestina. A Agência das Nações Unidas para a Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA) estima, segundo dados deste ano, que há hoje cerca de 5,7 milhões de palestinos registrados como refugiados. Além dos palestinos registrados na UNRWA, pode haver outros palestinos em status de deslocamento ou com situações de refúgio diferentes, embora esses números sejam mais difíceis de precisar. A situação continua a evoluir devido ao conflito em curso e outras dinâmicas regionais e políticas.

Embora a implementação completa da Resolução 194 nunca tenha sido alcançada e o direito de retorno continua a ser um ponto de contenda nas negociações de paz, o documento continua a ter um significado importante como base para discussões sobre justiça, direitos e resolução do conflito. A luta do povo palestino para a concretização do direito de retorno é um dos pilares fundamentais da causa palestina como um todo.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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