Um relatório contundente, “Palestinian Digital Rights, Genocide, and Big Tech Accountability” (Direitos digitais palestinos, genocídio e responsabilidade das grandes empresas de tecnologia), elaborado pela 7amleh, uma organização sem fins lucrativos liderada por palestinos que se concentra na proteção dos direitos humanos dos palestinos, revelou o papel perturbador e ativo que as principais plataformas on-line e as grandes empresas de tecnologia desempenham na perpetuação das violações dos direitos humanos contra os palestinos. Enquanto o mundo assiste aos horrores que se desenrolam em Gaza, o papel desses cúmplices digitais não pode ser ignorado. O relatório destaca que plataformas como Meta, X, YouTube e os gigantes da tecnologia Google e Amazon permitiram, facilitaram e até lucraram com essas atrocidades, protegendo efetivamente os crimes de guerra sob uma cortina de fumaça digital.
As descobertas são uma acusação angustiante de como as grandes empresas de tecnologia, sob o pretexto de neutralidade, tornaram-se participantes ativas da censura, da desinformação e do incitamento à violência. Elas forneceram uma infraestrutura crucial que sustenta as ações militares de Israel, permitindo que suas plataformas sejam transformadas em armas, silenciando as vozes palestinas e amplificando o discurso de ódio e os apelos ao genocídio. A cumplicidade dessas plataformas não é um mero descuido; é um sistema arraigado de tomada de decisão deliberada que prioriza os lucros em detrimento dos direitos humanos.
Censura sistemática das vozes palestinas
No centro das descobertas do relatório está um padrão chocante de censura sistemática direcionada às vozes palestinas. Entre outubro de 2023 e julho de 2024, mais de 1.350 casos de censura foram documentados nas principais plataformas, incluindo Facebook, Instagram, X e TikTok. Essas plataformas visavam desproporcionalmente jornalistas, ativistas e defensores dos direitos humanos palestinos, sendo que as plataformas da Meta estavam entre os piores infratores. A censura assumiu várias formas: as contas foram suspensas, as remoções de conteúdo se tornaram rotina e a distribuição de narrativas pró-palestinas foi fortemente restringida.
As alterações manipuladoras do algoritmo da Meta desempenharam um papel fundamental nessa censura. O relatório revela que, durante a guerra em curso em Gaza, o Meta alterou suas políticas de moderação de conteúdo para diminuir o limite de sinalização de conteúdo palestino, reduzindo a precisão de seus filtros e provocando remoções desnecessárias. Para o conteúdo palestino, os filtros da Meta operavam com apenas 25% de certeza de uma violação, em comparação com os 80% usuais aplicados em outros lugares. Essas chamadas “medidas temporárias de resposta a riscos” nunca foram suspensas, permitindo um nível exagerado de escrutínio dos criadores de conteúdo palestino. Não se trata de um incidente isolado, mas de uma política calculada e discriminatória que silencia vozes marginalizadas e impede o livre fluxo de informações em um momento em que elas são mais necessárias.
Como destaca o relatório da 7amleh, as promessas não cumpridas da Meta de proteger a liberdade de expressão, juntamente com sua moderação de conteúdo tendencioso, exacerbaram a situação dos palestinos. A Human Rights Watch já havia condenado a Meta por sua censura sistêmica das vozes palestinas durante a guerra, com mais de 1.050 casos de remoção de conteúdo no Facebook e no Instagram. Em quase todos os casos, essa censura teve como alvo o conteúdo pacífico e pró-palestino, permitindo que o conteúdo violento e antipalestino florescesse sem controle. Comentários como “Free Palestine” (Libertem a Palestina), “Stop the Genocide” (Parem o genocídio) e “Ceasefire Now” (Cessar-fogo agora) foram removidos de acordo com as diretrizes de spam do Meta, refletindo um perigoso padrão duplo que sufoca o discurso político legítimo.
Plataformas como instrumentos de genocídio
O relatório deixa claro que as plataformas on-line não são simplesmente fóruns neutros, mas se tornaram instrumentos de incitação ao genocídio. Entre outubro de 2023 e julho de 2024, foram documentadas mais de 3.300 ocorrências de conteúdo nocivo – incluindo incitação ao genocídio -, a maioria no X e no Facebook. Essas plataformas permitiram que oficiais israelenses de alto nível e outros usuários pedissem abertamente o extermínio dos palestinos, desumanizando-os como “sub-humanos”, “animais” e coisas piores. Essa retórica genocida não se limitou a cantos obscuros da Internet. Ela foi promovida, ampliada e deixada sem contestação pelas próprias plataformas que afirmam estar comprometidas com os padrões da comunidade e os direitos humanos. Por exemplo, no X, uma publicação de dezembro de 2023 do vice-prefeito de Jerusalém descreveu os detentos palestinos vendados como “formigas” e pediu que fossem enterrados vivos. Embora essa postagem específica tenha sido eventualmente removida, inúmeras outras como essa permanecem, alimentando um clima de violência e desumanização contra os palestinos. Essa falha no combate ao discurso de ódio viola diretamente o direito internacional, especialmente à luz da ordem do Tribunal Internacional de Justiça de janeiro de 2024, que orientou Israel a prevenir e punir o incitamento ao genocídio. Essas plataformas não estão apenas falhando em seu dever de proteger a liberdade de expressão; elas estão facilitando ativamente a disseminação de propaganda genocida. No caso da Meta, o relatório detalha como mais de 9.500 solicitações de remoção do governo israelense foram enviadas à Meta entre outubro e novembro de 2023, com uma taxa de conformidade chocante de 94%. Esse alto nível de cooperação com um estado que está cometendo ativamente crimes de guerra levanta sérias preocupações sobre os limites éticos dessas empresas. A decisão da Meta de atender a essas solicitações sem transparência ou responsabilidade revela uma questão mais profunda: essas plataformas estão dispostas a se tornar ferramentas de opressão estatal quando o preço é justo. O papel da Big Tech: Projeto Nimbus e a automação da matança Além da esfera da mídia social, a colaboração do Google e da Amazon com os militares israelenses no âmbito do Projeto Nimbus lança uma sombra ainda mais sombria sobre o papel do setor de tecnologia nesse conflito. O contrato de computação em nuvem de US$ 1,2 bilhão, como destaca o relatório, fornece
O contrato de computação em nuvem de US$ 1,2 bilhão, como destaca o relatório, fornece uma infraestrutura essencial para alimentar os sistemas de direcionamento Lavender e Gospel orientados por IA de Israel – sistemas que estão diretamente ligados às mortes em massa de civis em Gaza.
O sistema Lavender, em particular, funciona como uma ferramenta para assassinatos automatizados, identificando alvos com base em dados massivos e alimentando-os nas campanhas de bombardeio dos militares israelenses. O relatório descreve como o Lavender sozinho identificou mais de 37.000 alvos potenciais, contribuindo para a morte de milhares de civis, inclusive mulheres e crianças. Ao fornecer serviços de nuvem para facilitar esse direcionamento em grande escala, o Google e a Amazon estão diretamente envolvidos nessas violações do direito internacional. Apesar da crescente pressão global, ambas as empresas continuam a apoiar as operações militares de Israel no âmbito do Projeto Nimbus, mesmo com o aumento do número de mortes de civis em Gaza.
Discurso de ódio e desinformação: Um ataque coordenado à verdade
O relatório continua documentando uma enxurrada de campanhas de discurso de ódio e desinformação, muitas vezes lideradas por autoridades israelenses e amplificadas por plataformas on-line. Essas campanhas, que incluem a disseminação sistemática de conteúdo desumanizador no Telegram, X e YouTube, têm como alvo os palestinos tanto em Gaza quanto na diáspora. O relatório cita três milhões de ocorrências de conteúdo violento em hebraico direcionado aos palestinos somente no X, grande parte coordenada por agentes estatais israelenses.
Talvez o mais preocupante seja a operação de influência do governo israelense conhecida como STOIC, que realizou uma campanha de desinformação direcionada aos legisladores dos EUA e do Canadá para prejudicar o trabalho da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Oriente Próximo (UNRWA). Essa campanha, orquestrada com a ajuda da AI, espalhou narrativas falsas que levaram ao esvaziamento da UNRWA, cortando a ajuda humanitária essencial aos palestinos. Não se trata apenas de uma falha de moderação, mas de um exemplo de como as plataformas podem ser usadas como armas para a desinformação orientada pelo Estado, com consequências devastadoras para civis inocentes.
Lucrando com o genocídio: Publicidade em meio a crimes de guerra
Como se a censura e a desinformação não fossem suficientes, o relatório também expõe como plataformas como o Facebook lucraram com anúncios prejudiciais que promovem a violência contra os palestinos. A investigação descobriu que o Facebook veiculou anúncios que pediam o assassinato de ativistas pró-palestinos e a expulsão forçada de palestinos da Cisjordânia. A Meta lucrou com essas campanhas, reforçando ainda mais sua cumplicidade com as violações dos direitos humanos que estão ocorrendo em Gaza.
Enquanto isso, o YouTube veiculava anúncios do governo israelense que usavam imagens gráficas para influenciar a opinião pública a favor de suas ações militares em Gaza. Apesar das políticas do YouTube contra conteúdo violento, esses anúncios inundaram as mídias sociais com narrativas incendiárias, principalmente na Europa e nos EUA, contribuindo para a normalização de crimes de guerra sob o pretexto de combate ao terrorismo.
É hora de prestar contas
As conclusões deste relatório devem obrigar a comunidade internacional a agir. Não é mais aceitável que as empresas de tecnologia se escondam atrás de políticas vagas e compromissos vazios com a liberdade de expressão, ao mesmo tempo em que facilitam a matança em massa e o silenciamento de uma população sitiada. A cumplicidade da Meta, X, YouTube, Google e Amazon nessas atrocidades deve ser trazida aos holofotes e responsabilizada por seu papel na viabilização desses crimes.
Essas plataformas não são árbitros neutros da verdade – elas são corporações movidas pelo lucro, dispostas a acomodar regimes genocidas e a fechar os olhos para o sofrimento de milhões de pessoas se isso servir aos seus resultados financeiros. Como o relatório deixa claro, é hora de o mundo exigir que essas empresas parem de lucrar com a destruição de vidas palestinas. O silêncio e a cumplicidade das grandes empresas de tecnologia são imperdoáveis, e não se pode mais permitir que elas escapem da responsabilidade.
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