O Ministério de Relações Exteriores do Brasil (Itamaraty) está estudando planejamentos e estratégias para retirar seus cidadãos do Líbano, em caso de deflagração do conflito após bombardeios israelenses atingirem níveis inéditos no país.
Segundo uma fonte do Itamaraty, em contato com a agência Metrópoles, equipes estão mobilizadas à espera das instruções do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, que está na cidade de Nova York para a 79ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU).
Lula não se posicionou publicamente sobre o Líbano, exceto menção em seu discurso no foro. Todavia, em nota, o governo condenou, “nos mais fortes termos”, os bombardeios de Israel contra civis libaneses no sul, em Beirute e no vale do Bekaa, ao ecoar receios sobre a escalada.
A nota reiterou que o ministério, em posição oficial, “deplora declarações de autoridades israelenses em favor de operações militares e da ocupação de parte do território libanês e expressa grave preocupação ante exortações de Israel para que civis libaneses evacuem suas residências”.
O Brasil renova o apelo às partes envolvidas para que cessem, imediatamente, os ataques, de forma a interromper a preocupante escalada de tensões, que ameaça conduzir a região a conflito de amplas proporções, com severo impacto negativo sobre populações civis.
A chancelaria prometeu também, por meio de sua embaixada em Beirute, “assistência e orientações devidas à comunidade brasileira, com a qual mantém contato permanente”, ao notar seguir com “preocupação e atenção o impacto do conflito à comunidade”.
Segundo as informações, a embaixada do Brasil na capital libanesa mantém seu plantão consular para eventuais necessidades, inclusive contato por WhatsApp.
Estima-se atualmente 20 mil brasileiros radicados no Líbano.
Nesta segunda-feira (23), ataques aéreos israelenses mataram ao menos 550 pessoas no Líbano, em apenas um dia, além de 1.600 feridos. Entre os mortos, ao menos 50 crianças e dois médicos, somando-se à maior letalidade por Israel no Líbano em 20 anos.
Celso Amorim, ex-chanceler e assessor especial de diplomacia em Brasília, condenou os ataques de Israel e recordou ações para evacuar os brasileiros na última rodada aberta de conflito entre o regime ocupante e o movimento Hezbollah, em 2006.
Na ocasião, foram repatriados 2.676 brasileiros, envolvendo cinco embaixadas — Líbano, Israel, Síria, Jordânia e Turquia —, além de operações da Força Aérea Brasileira (FAB), com colaboração da comunidade libanesa no Brasil.
Em 2023, o governo realizou uma operação similar para Gaza, com a repatriação de 1.555 brasileiros e parentes — apesar dos empecilhos postos pelo cerco israelense.
Tensões entre Israel e Hezbollah escalaram na última semana, após atentados terroristas — atribuídos ao Mossad — atingirem o Líbano, com a explosão de aparelhos como pagers e walkie-talkies, além de um bombardeio a Beirute na sexta-feira (20).
Estima-se dezenas de mortos e milhares de feridos até então — muitos em estado grave.
Na quinta-feira (19), o ministro da Defesa israelense, Yoav Gallant, anunciou que a guerra com o Hezbollah entraria em uma “nova fase” — contudo, sem detalhes.
Israel e Hezbollah trocam disparos na fronteira desde outubro passado, quando o exército israelense deflagrou seu genocídio em Gaza.
No enclave palestino, são 41.400 mortos e 95.500 feridos em menos de um ano, além de dois milhões de desabrigados.
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O Estado israelense é réu por genocídio no Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), sediado em Haia, sob denúncia sul-africana deferida em janeiro.
Israel mantém ataques também contra zonas de influência do Irã, como Síria e Iêmen, ao sugerir dolo de disseminar a guerra a toda região. Observadores sugerem que apenas um cessar-fogo em Gaza pode impedir a deflagração.
A questão é particularmente crucial ao Brasil por sua ampla comunidade libanesa — com até dez milhões de cidadãos e descendentes —, que excede a população no próprio país (5.5 milhões) e mantém laços familiares em suas terras ancestrais.
Analistas alertam para riscos de que as violações israelenses em Gaza se repitam contra as comunidades civis em território libanês, em caso de invasão por terra.
Assembleia Geral
Lula realizou nesta terça-feira (24) o tradicional discurso de abertura, conferido ao Brasil, na 79ª Assembleia Geral da ONU, ao inaugurar sua fala com boas-vindas à delegação da Palestina, sob aplausos, salvo notável recusa dos chefes do Senado, Rodrigo Pacheco, e da Câmara dos Deputados, Arthur Lyra, para além dos emissários de Israel.
“Dirijo-me em particular à delegação palestina, que integra pela primeira vez esta sessão de abertura, mesmo que ainda na condição de membro observador”, comentou Lula, em alusão ao direito recém conquistado da Palestina de se sentar junto aos outros membros, como avanço diplomático do país.
O mandatário brasileiro deu foco a questões de sustentabilidade e mudanças climáticas, mas mencionou conflitos geopolíticos, em particular ao reivindicar reformas estruturais nas Nações Unidas, especialmente maior representatividade no Conselho de Segurança, assim como robustecimento da Comissão de Consolidação da Paz.
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Lula citou a crise humanitária e securitária e demandas por diálogo e soluções na arena global, incluindo Palestina, Ucrânia, Sudão e Iêmen.
“Em Gaza e na Cisjordânia, assistimos a uma das maiores crises humanitárias da história recente, e que agora se expande perigosamente para o Líbano”, alertou Lula.
“O direito de defesa transformou-se no direito de vingança, que impede um acordo para a liberação de reféns e adia o cessar-fogo”, acrescentou.
O governo brasileiro reconhece o genocídio em Gaza e apoia o processo da África do Sul em Haia, contra Israel. Contudo, apesar dos apelos da sociedade civil e de ser declarado persona non grata por Tel Aviv, Lula ainda posterga a ruptura de relações.