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O corpo no âmago do poder colonial: O que diz a artista palestina Dina Mimi?

Artista palestina Dina Mimi [Dina Mimi]

Como uma voz bastante envolvente no mundo da arte contemporânea, a artista palestina Dina Mimi incorpora vídeos, sons, performance e texto para investigar a materialidade dos esforços de resistência nacional palestina.

Fazer arte ainda importa em um mundo onde a guerra e o genocídio acontecem em tempo real? Faz sentido realizar feiras e exibições em meio a um mundo em guerra? É justo falar de sua arte enquanto seus amigos, vizinhos e parentes estão sendo mortos?

É razoável ao menos escrever artigos sobre arte?

Todas essas questões são extremamente relevantes a Dina Mimi, cuja arte carrega morte, protesto, martírio e resistência contra a ocupação de sua terra como temas centrais. Dina tem uma exibição em curso no Centro Pinchuk, na cidade de Kiev, na Ucrânia, como parte do Prêmio de Arte Geração Futura. A mostra reúne trabalhos de 21 artistas e deve seguir até 19 de janeiro do próximo ano.

Pela mostra, vemos serem exploradas mitologias e histórias locais que buscam superar o trauma e os efeitos das guerras, além dos processos de libertação frente à opressão e às influências do mundo colonial. Um dos aspectos da edição deste ano é a sensibilidade a laços internos que unem famílias e comunidades inteiras, assim como atos coletivos por solidariedade e superação em meio à perda.

O trabalho de Dina nesta exibição consiste em um vídeo de 13 minutos de duração, com múltiplas referências. Uma delas é o elo entre a África do Sul e Palestina, como uma troca de presentes. Dina se diz encantada, por exemplo, com a estátua de Nelson Mandela em Ramallah, na Cisjordânia ocupada, “que nos foi presenteada pelo povo e pelo governo da África do Sul”, em meados de 2015.

Suas observações levaram a uma série de ponderações sobre como tanto objetos quanto pessoas entram e saem da Palestina, dada a ocupação israelense. “Busquei refletir sobre como uma estátua enviada de navio precisa ficar em uma caixa, ser embrulhada e então desembrulhada, retirada da caixa e enfim ser colocada em um pedestal. É quase o oposto de quando uma pessoa morre ou é morta. Ela é embrulhada, colocada em uma caixa e só então sepultada. Quero dar ênfase a este contraste”.

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Com essa imagem em mente, Dina buscou registros de arquivo da Palestina — sobretudo do Reino Unido e França, de meados da década de 1950 até os anos 2000. Ao manusear o material e transformá-lo, por meio da montagem em uma videoarte, Dina se sentiu quase como em uma terapia.

“Com a montage”, disse a artista, “estou basicamente reescrevendo a narrativa visual, ao misturas fontes de arquivo com muitas outras, incluindo registros meus e uma entrevista com Edward Said da década de 1970, na qual fala do ato de fugir, em medo e terror, como o primeiro impulso humano”.

Essas ideias ecoam em um de seus mais recentes vídeos, de 2003, intitulado “Melancolia de uma Tarde Inútil”, dividido em duas partes, na tentativa de perscrutar o relacionamento entre aquele que foge e aquele que o contrabandeia. Ambos compartilham gestos para se omitir, diante do olhar opressivo dos mecanismos de vigilância.

Em ambos os vídeos, Dina reconstrói uma poética e captura detalhes relatados mediante atos de fuga. De histórias trocadas nos canos de esgoto, a cápsulas engolidas com cartas de prisioneiros políticos, à libertação de pintassilgos contrabandeados — as imagens e os vídeos questionam como as rotas de contrabando acabam por se tornar caminhos para a descolonização.

Os temas da liberdade de movimento e de como as potências coloniais buscam controlar os corpos das pessoas são centrais à obra de Dina Mimi.

“O som é elemental ao vídeo”, destacou a artista, ao remixar os cantos dos pássaros com canções de libertação de Omã, Iêmen e Palestina.

Nascida em Jerusalém ocupada, o primeiro contato de Dina com as expressões artísticas se deu por meio do cinema. “Na minha adolescência, fazia maratonas de filmes em casa, desde o meio-dia até as seis da tarde — o verão inteiro”, recordou a artista. “Eu anotava o que eu gostava nos filmes e por quê. Acho que eu era um pouco nerd, reconheço. E então eu produzia alguns filmes caseiros”.

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No início de sua formação em arte, Dina escolheu como meio esculturas de vidro. Porém, em seu mestrado na Suíça, acabou por desenvolver técnicas de performance e vídeo. Foi assim que Dina conquistou não somente uma versatilidade de meios como uma evidente paixão pela contação de histórias, como traço singular de sua obra.

Isso se exemplifica pelo primeiro trabalho em vídeo de Dina Mimi, denominado “Para falar com os mortos”, que estabeleceu os alicerces para a criação de sua obra apresentada na mostra do Prêmio Geração Futura. “Para falar com os mortos” reflete sobre os crânios de cidadãos norte-africanos vistos como relíquia ou objeto colonial na Europa, inspirado nas descobertas do historiador argelino Ali Farid Belkadi, que identificou 24 restos mortais de combatentes da resistência argelina mortos na Batalha de Zaatcha, em 1849, levados ao Museu do Homem, em Paris. “Foi um escândalo, bastante discutido na imprensa; porém, sem nenhum trabalho para reavê-los — ao menos até o verão passado”, comentou Dina, que transformou sua pesquisa em um vídeo quase abstrato e experimental.

Outra modalidade artística empregue por Dina é a performance retórica. É este o caso de “Agarrando o vento”, de 2020, no qual a artista navega nas partes perdidas da história de seu bisavô, que passou por uma experiência brutal de testes médicos e uma operação de coração em um hospital militar israelense em 1969.

“Esta foi uma das minhas últimas performances antes de migrar para o vídeo”, observou a artista. “Hoje, prefiro o vídeo, que é mais desapegado”. Dina confessou se sentir um tanto desconfortável em se apresentar na Europa, por conta das expectativas que se impõem a suas raízes palestinas. “Sinto um certo ar de piedade das instituições e do público”, disse Dina. “Mas não quero saber de suas lágrimas, para ser sincera”.

Como ela se sente sobre expor sua arte em Kiev, em um país em guerra? “É bizarro. Com o genocídio que acontece em casa, quero apenas que o mundo pare e todos se juntem em protesto contra tantos massacres”.

Como muitos artistas palestinos, Dina se vê diante de um bloqueio criativo desde outubro passado. Seu trabalho para o Prêmio Geração Futura é o primeiro que conseguiu concluir desde então.

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Mas se o mundo de arte tem de seguir seu curso apesar das guerras, ao menos os artistas podem falar de coisas que realmente importam. Neste sentido, reiterou a cocuradora da mostra em Kiev, Inga Lāce: “Encontrei várias vozes emancipatórias de mulheres artistas, relatos e práticas de pessoas que sofreram opressão histórica e marginalização nas mais diversas partes do mundo, mas que estão agora encontrando o seu caminho. Conversas como essas naturalmente nos levam a perguntar como pode, em momentos de impasse, emergir a esperança e como os movimentos artísticos podem trazer forma e impulso não apenas à esperança, mas também à resistência e, em último caso, a libertação”.

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Palestina: quatro mil anos de história
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