A crise política que vinha há meses sendo cozinhada no Estado sionista de Israel finalmente explodiu. O estopim foi a quebra de uma ordem de silêncio, no dia 1° de novembro, por um juiz do Tribunal de Magistrados de Israel, acerca de uma investigação conjunta do Shin Bet, polícia e Exército sobre o vazamento de informações militares por membros do gabinete de Netanyahu.
Os documentos eram supostas informações escritas pelo Hamas, as quais o Exército sionista acessou por mecanismos de espionagem. A papelada foi vazada para jornais como o Jewish Chronicle, segundo as informações na imprensa israelense e internacional.
Alguns nomes da lista de suspeitos logo foram divulgados. Dentre eles, um oficial de alta patente do Exército e um soldado de alta patente, ambos do gabinete, foram os primeiros. Dias depois, um assessor próximo de Netanyahu.
O primeiro-ministro tentou manter as aparências de inocente e exigiu investigações sobre o caso, mas escalou a crise quando demitiu, no dia 5 de novembro, o ministro da Defesa Yoav Gallant, homem de confiança do Exército. Ele foi substituído pelo chefe da pasta de Relações Exteriores, Yisrael Katz, do Likud, mesmo partido de Netanyahu. Mais tarde no mesmo dia, Netanyahu viu o próprio gabinete ser invadido pela unidade Lahav 433 da polícia sionista.
As especulações sobre o caso ainda estão em curso, mas é consenso que há uma crise política e institucional sem precedentes no território ocupado. O motor dessa crise são as contradições no seio do establishment sionista acerca de como lidar com a guerra regional no Oriente Médio – e particularmente com a derrota do Estado isralense nas mãos das guerrilhas palestinas e libanesas.
Poucos dias antes do juiz do Tribunal de Magistrados de Israel suspender uma ordem de silêncio sobre a investigação – muito provavelmente com aval das forças policiais e militares envolvidas –, o alto escalão sionista cobrou um cessar-fogo de Netanyahu. Não é a primeira vez que os militares, preocupados com o isolamento político internacional de Israel, menos comprometidos com o regime de Netanyahu e cientes da situação calamitosa nas tropas (exauridas pelo combate, com baixa moral para lutar e ameaçando à deserção, segundo fontes oficiais de jornais como o Haaretz), se colocam favoráveis a um acordo.
Por outro lado, no dia em que Netanyahu demitiu Gallant, o ministro Itamar Ben-Gvir (Segurança Interna), saudou a decisão, com a justificativa de que uma vitória completa e decisiva na guerra seria impossível com Gallant no cargo.
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As duas posições expressam a atual peleja no establishment sionista: de um lado, o setor “tradicional” do sionismo. De outro, os kahanistas, ou sionistas religiosos, com Ben-Gvir a cabeça; e junto deles, Netanyahu, que firmou, junto do setor aglomerado no Likud, uma aliança tática com os sionistas religiosos para se salvar dos processos judiciais que o perseguiam antes da guerra.
Kahanismo como referência ao partido Kach, do rabino Meir Kahane, de ideologia sionista religiosa. Meir Kahane foi tão sionista que acabou tendo o partido banido de Israel, pelos riscos que oferecia à estabilidade do sistema político colonial. Mas, apesar do banimento, as ideias seguem vivas em figuras como Ben-Gvir e nos partidos Sionismo Religioso (de Bezalel Smotrich, ministro das Finanças) e Otzma Yehudit (de Ben-Gvir).
As disputas não são de hoje. Antes da crise estourar, o chefe da Shin Bet, Ronen Bar, se colocou contra as invasões da mesquita de Al-Aqsa e o plano sanguinário de colonização da Cisjordânia capitaneado por Ben-Gvir. O receio era de que eles pudessem causar danos em demasia à imagem de Israel. “O dano ao Estado de Israel, especialmente agora… é indescritível: deslegitimação global, mesmo entre nossos maiores aliados”, disse Bar, em carta a vários ministros israelenses.
E de repente, dias antes das eleições norte-americanas (nas quais ambos os candidatos, apesar de serem pelo genocídio palestino, querem evitar a deflagração de uma guerra total no Oriente Médio), um vazamento implode o gabinete de Netanyahu, mostra que figuras próximas ao primeiro-ministro sabotaram as tentativas de cessar-fogo com vazamentos de documentos à imprensa e reavivam os protestos contra o cabeça do regime e por um cessar-fogo.
Se bem que o martelo não pode ser batido acerca de uma sabotagem tramada pelos militares, é verdade que estes saem beneficiados, bem como seus planos sobre a melhor forma der a máquina burocrática e de guerra que é o Estado sionista. Já Netanyahu, que usa a guerra e sua expansão regional para tentar manter seu regime, fica ainda mais deteriorado. A demissão de Gallant só piorou sua situação.
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Nada disso indica, contudo, que nas mãos dos sionistas “tradicionais” o genocídio não continuará. O conceituado jornalista palestino Ramzy Baroud, resumiu bem a disputa, em artigo do início desse ano: “o conflito não é de substância, mas de estilo”.
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