Centenas de combatentes iraquianos cruzaram a fronteira à Síria nesta segunda-feira (2), para auxiliar o regime de Bashar al-Assad a combater rebeldes que capturaram Aleppo na semana passada, à medida que o Hezbollah libanês, aliado chave das forças assadistas, parece não ter planos para se juntar às fileiras.
As informações são da agência de notícias Reuters.
A constelação de grupos alinhados ao Irã, junto da Força Aérea russa, foi integral ao êxito de Damasco em subjugar a oposição síria, que se rebelou contra o regime em 2011.
A aliança, porém, enfrenta um novo desafio, diante do avanço relâmpago de rebeldes no noroeste do país, à medida que a Rússia se concentra na guerra da Ucrânia e o Hezbollah se vê diante de confrontos com Israel — ainda em curso apesar do cessar-fogo.
O avanço a Aleppo é a maior vitória da oposição síria em anos. O regime detinha controle total da cidade — até então a maior do país — após capturá-la em um cerco de 2016, um dos principais pontos de inflexão da guerra civil, que matou centenas de milhares.
Hadi al-Bahra, chefe do principal grupo da oposição síria no exterior, comentou à Reuters que a retomada súbita da metrópole só foi possível porque o Hezbollah e outros grupos se veem mergulhados no conflito com Israel.
Preparativos para um ataque a Aleppo já estavam prontos desde 2023, porém suspensos no contexto do genocídio israelense em Gaza.
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A arena síria permaneceu estagnada desde 2020, com hegemonia assadista estabelecida sobre a maior parte do território, incluindo as principais cidades do país. Oposicionistas mantiveram um enclave no noroeste, com controle de forças alinhadas à Turquia em uma faixa ao norte e de grupos curdos em um bolsão a nordeste.
Uma escalada prolongada na Síria parece afogar ainda mais a região em caos e violência, somada às crises em Gaza e no Líbano, com milhões já deslocados do país e influências opostas de potências globais sobre o território.
Fontes regionais confirmaram o envio de novos combatentes iraquianos à Síria, enquanto Teerã, através do ministério de Relações Exteriores, prometia “toda a ajuda necessária”, com “grupos de resistência” enviados ao país.
Ao menos 300 combatentes, sobretudo dos grupos Badr e Nujabaa no Iraque, chegaram à Síria na noite de domingo (1º), ao atravessar uma estrada de terra para evitar a aduana. De acordo com fontes iraquianas, os batalhões seguiram à Síria para supostamente proteger um santuário xiita.
Uma fonte militar síria, por sua vez, insistiu que a entrada dos batalhões — sobretudo em pequenos blocos — deu-se assim para impedir ataques aéreos. “Estes são novos reforços enviados para ajudar nossos camaradas na linha de frente, no norte”.
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As Forças de Mobilização Popular do Iraque, que abrangem facções xiitas ligadas a Teerã, negaram, no entanto, sua presença, ao alegar não operar fora de solo iraquiano.
Apesar de ser o mais poderoso grupo a ajudar Assad nos campos de batalha, o Hezbollah libanês não interveio até o momento, enquanto ainda se recupera dos confrontos com Tel Aviv, com quem o cessar-fogo parece prestes a ruir.
Uma fonte próxima ao grupo notou ainda que o Hezbollah retirou comandantes de Aleppo para conter — com êxito — a invasão terrestre de Israel, deflagrada em 1º de outubro. No meio do mês, confirmaram uma fonte síria e outra libanesa, o Hezbollah transferiu tropas da Síria ao Líbano.
Conforme relatos, alguns países árabes e Washington veem a ausência do Hezbollah em campo como oportunidade para desraigar o regime pró-Teerã da região.
Recentemente, fontes indicaram à Reuters que Emirados Árabes Unidos e Estados Unidos debatiam até mesmo a suspensão de sanções contra Assad, caso se afastasse do Irã. Os avanços rebeldes, porém, frustraram a dinâmica — e o futuro da Síria permanece incerto.
Ataques mortais
A Rússia, cuja entrada no conflito, em 2015, virou o jogo para Assad, continua a apoiá-lo, destacou o Kremlin em nota. Segundo blogueiros russos, entretanto, Moscou exonerou no domingo (1º) o general incumbido do país, ao indicar assim uma falha estratégica.
Aeronaves sírias e russas responderam à nova conjuntura com ataques aéreos a posições rebeldes no interior de Aleppo.
O escopo da intervenção russa, ainda assim, deve ser limitado, à medida que suas forças seguem concentradas na invasão da Ucrânia.
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Os Capacetes Brancos, organização da defesa civil na Síria, junto de residentes no norte, reportaram bombardeios aéreos a zonas residenciais de Aleppo e campos de refugiados na província de Idlib, com ao menos sete mortos, incluindo cinco crianças.
O governo disse operar para assegurar cidades recapturadas no domingo, que correm ao longo da frente de batalha ao norte de Hama, entre Aleppo e Damasco. Conforme a mídia estatal, ataques rebeldes em Hama mataram três nesta segunda-feira (2).
O regime sírio alegou ainda ter matado centenas de rebeldes nos últimos dias, entretanto, sem confirmação independente das baixas de guerra.
Os rebeldes que combatem nas províncias de Aleppo, Idlib e Hama, no noroeste da Síria, incluem uma gama de grupos ligados a Turquia além do Hayat Tahrir al-Sham, visto como antiga dissidência da al-Qaeda presente no país.
Um oficial turco reiterou à Reuters que seu regime não autorizou qualquer ataque rebelde e que o Hayat Tahrir al-Sham tampouco recebe instruções da Turquia.
As chancelarias da Turquia e do Irã debateram os eventos nesta segunda-feira. O ministro de Relações Exteriores turco, Hakan Fidan, rejeitou a possibilidade de ingerência externa, mas pediu transigência dos grupos rebeldes.
O presidente do Irã, Masoud Pezeshkian, telefonou ainda a seu homólogo russo, Vladimir Putin, neste mesmo contexto.
Um porta-voz militar de Israel alegou que suas forças não permitirão ao Irã explorar a crise síria para transferir armas ao Hezbollah.
A agência turca Anadolu noticiou que o Exército Nacional Sírio, ligado à Turquia, capturou a aldeia de Tel Rifaat de rebeldes curdos ligados às Unidades de Proteção Popular (YPG), ao avançar pelas regiões mais periféricas do distrito de Aleppo.
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Fontes rebeldes e um residente de Aleppo sugeriram retirada das forças curdas, ao ceder posições de longa data no distrito de Sheikh Maqsoud, conforme um acordo com outras organizações da oposição, responsáveis pela investida.
A guerra civil na Síria teve início em 2011, quando forças de Assad reagiram com violência a protestos populares por democracia. Desde então, mais de 13 milhões de pessoas — ou metade da população — foram deslocadas, com ao menos seis milhões fugindo do país, segundo estimativas das Nações Unidas.