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Ordem e desordem na comunicação: Panfletos e polêmicas do Império Otomano

Autor do livro(s) :Nir Shafir
Data de publicação :Outubro, 2024
Editora : Stanford University Press
Número de páginas do Livro :436 páginas
ISBN-13 :9781503638952

O Império Otomano não abraçou plenamente a prensa de tipos móveis até o século XIX — cerca de 400 anos depois da Europa. No entanto, ao contrário do que possa parecer, a comunicação otomana não esteve estagnado nestes séculos que se passaram. Mudanças ora sutis, ora profundas calharam na produção de materiais de leitura. Mudanças tais que ocorreram gradualmente ao longo dos séculos, como se não houvesse um momento súbito e específico de inflexão, muito embora o significado de tais mudanças pudesse ser, sim, revolucionário, caso abdiquemos do conceito de revolução como algo instantâneo. A paisagem do conhecimento no século XVII era bastante diferente daquela do século XIII. Em particular, o advento de panfletos deu vazão a um novo público e novos discursos. Este é o argumento posto por Nir Shafir em seu novo livro The Order and Disorder of Communication: Pamphlets and Polemics in the Seventeenth-Century Ottoman Empire — em tradução livre, Ordem e desordem na comunicação: Panfletos e polêmicas do Império Otomano no século XVII.

Os panfletos nos dão uma ideia da polarização da sociedade otomana do século XVII. O império passava por mudanças religiosas e polêmicas se tornaram uma ferramenta bastante popular a novas retóricas neste sentido. “Panfletos eram tanto um fórum quanto um motor a essas polêmicas”. O século de então deu origem aos chamados kadizadelis, assim batizados após um pregador conhecido como Kadizade Mehmed. Kadizadeli também quer dizer “filho de um juiz”. O movimento se caracterizou como uma resposta fundamentalista contra o sufismo e uma prática de fé popular no Império.

Hoje, são por vezes identificados como salafistas pelos historiadores. Contudo, Shafir diverge dessa classificação. O salafismo como movimento pede um retorno das supostas práticas religiosas islâmicas da primeira geração de muçulmanos, isto é, do Profeta e seus companheiros. Neste sentido, bid’a, ou inovação, seriam práticas e crenças adotadas após a primeira geração, consideradas um desvio do Islã verdadeiro e puro de seus primórdios. As ideias salafistas são muito mais recentes na história islâmica e sequer existiam, de fato, no século XVII. Os kadizadelis não pediam um retorno à primeira geração, mas sim à centralidade da sharia na vida islâmica e, no Império Otomano de então, eram marginalizados. Shafir nota também que a lei islâmica que reivindicavam era capaz de se adaptar, conforme suas ideias, ao tempo e às circunstâncias. Assim, os kadizadelis não buscavam negar a possibilidade de mudanças em si, mas sugeriam que a lei fosse central às eventuais transformações. Para os kadizadelis, bid’a seria aquilo que se desviasse da lei — e não da primeira geração. Shafir argumenta, portanto, que os kadizadelis poderiam ser considerados legalistas islâmicos. “Buscavam centralizar o Islã em torno da Lei — em vez de um retorno a um passado idealizado”. Cogita-se que foi através dos panfletos que suas polêmicas se disseminaram pelo Império, quase como as redes sociais do mundo contemporâneo — veículos de radicalização, polarização, debate e mudanças sociais.

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Panfletos também era o espaço para debates médicos e sobre outras questões de interesse social. A importância dos panfletos foi ignorada pela maioria dos historiadores, que tendem a se concentrar nos livros. Shafir nota que, contrário ao senso comum, o Império Otomano jamais baniu a imprensa e, de fato, antes do século XIX, uma quantidade restrita, porém presente, de prensas de tipos móveis operaram por todo o território, em períodos, lugares e comunidades distintas. Entretanto, realmente não houve uma adoção em massa da prensa de tipo móveis e não sabemos por que, dado que nenhuma das lideranças otomanas dos séculos anteriores nos deu uma razão. Novamente, contrário ao que possam inferir, livros manuscritos não eram caros no século XVII. De fato, eram mais baratos que livros impressos e caíram de preço ao longo dos séculos. Por exemplo, observa o autor, ao mencionar outros estudos, um cidadão comum teria de trabalhar 41 dias para comprar um livro no século XI; no século XVII, seria somente um dia de trabalho, para obter um manuscrito barato ou sete dias e meio por um livro de médio custo. “Aparentemente, os livros no Oriente Médio medieval tardio era muito mais barato que os livros na Itália ou na Espanha no mesmo período”.

The Order and Disorder of Communication oferece uma perspectiva única e pitoresca sobre como pensamos a inovação e a revolução tecnológicas. O livro descontrói pressuposto sobre a produção intelectual do Império Otomano, ao nos proporcionar uma nova maneira de pensar o relacionamento entre comunicação, polêmica, debate e polarização da sociedade. Por vezes, ler sobre a divulgação de informações via panfletos parece algo estranhamente contemporâneo, ao pensarmos sobre o atual cenário de redes sociais e divergências políticas. Shafir escreve em detalhes, um estudo ponderado e minucioso, que deve interessar aos curiosos sobre o período, além de cientistas políticos, historiadores e o público em geral, que busca debater temas contemporâneos sobre mídia e política. The Order and Disorder of Communication é uma leitura reveladora permeada por uma perspectiva fascinante — uma excelente leitura de outono.

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