Sentada em um canto de sua tenda, tremendo com o frio de inverno e com fissuras em sua pele que mostram sua jornada de sofrimento, Aisha Mohammad Abu Sultan, de 86 anos, não perde o ânimo.
Quando me aproximei e pedi a ela que enviasse uma mensagem ao mundo, como testemunha de que a Nakba ou “catástrofe” de 1948, contra o povo palestino, é a mesma Nakba que ocorre hoje, pensei que ela se queixaria das condições terríveis impostas em Gaza, mas encontrei uma verdadeira heroína no corpo de uma senhora idosa.
“Meu filho”, ela disse, “sofreu a Nakba em 1948 e em todos os anos que se passaram, que tivemos de nos mudar, longe de realizar seu sonho de retornar para nossas casas. Mas, no fim, veio a Tempestade de Al-Aqsa e virou tudo do avesso”.
Não pense que nosso retorno para a casa seria tranquilo e viria por meio de resoluções internacionais. Quem acredita nesse tipo de heresia é no mínimo ingênuo.
Aisha foi expulsa de sua aldeia de Hamama em 1948 por gangues sionistas. Ela tinha apenas 12 anos de idade. Sua família chegou então ao campo de refugiados de Jabalia, no norte de Gaza. Dias depois, souberam que os sionistas haviam deixado a aldeia; ao retornarem, descobriram que os colonos ainda estavam lá. Sem alternativa, fugiram outra vez e chegaram à Cidade de Gaza. A família se mudou de um lado para o outro até se encerrar a guerra de conquista colonial sionista que engendrou o Estado contemporâneo de Israel, com apoio das potências ocidentais.
“No fim, retornamos a Jabalia e passamos a viver ali”, diz Aisha. “No começo, vivíamos em tendas. Pensamos que levaria algum tempo, mas voltaríamos a nossas casas e aldeias. Contudo, graças às falsas promessas dos líderes árabes e da ONU, esperamos até os dias de hoje”.
Palestino documenta deslocamento à força de Jabalia, no norte de Gaza
Entre 1948 e 2024, Aisha viveu numerosas guerras e revoluções. “Nada foi em nosso favor”, explica a sobrevivente. “Todas as guerras e todas as revoluções terminaram com novos traumas, mas, dia após dia, nossos sonhos de voltar para a casa jamais se apagaram. Não desistimos da esperança”.
Desde o início do atual genocídio israelense na Faixa de Gaza, transmitido ao vivo nas redes sociais, Aisha e sua família foram deslocados à força ao menos sete vezes. “Fugimos de um lugar para o outro dentro de Jabalia durante as invasões por terra”, relata Aisha. “Não queríamos deixar nossas casas porque sabíamos que significaria não retornar”.
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A incursões terrestre ainda em curso — há mais de 60 dias —, no entanto, tem um quê de diferente: “É ainda mais brutal em termos de intensidade dos ataques, de matar as pessoas e destruir suas casas e sua infraestrutura”, destaca Aisha. “Nós não queríamos acatar às ordens de evacuação [da ocupação], mas quando eles começaram a bombardear os abrigos de refugiados, os hospitais e as últimas casas habitadas, vimos que teríamos de fugir de Jabalia”.
Ficamos em casa até que um trator do exército israelense chegou em nossa rua, no 43º da invasão por terra. Então, fomos forçados a fugir debaixo de fogo. Não conseguimos levar nem roupas nem comida. Fugimos sem nada e sem saber para onde ir. Passamos três dias nas ruas e acabamos nesta tenda.
Estava chovendo quando chegaram ao campo de Yarmouk, hoje um campo que abriga deslocados do norte de Gaza, incluindo das cidades de Jabalia, Beit Lahiya e Beit Hanoun. “Foi muito, muito difícil voltar a uma tenda depois de 76 anos”, explica Aisha. “Minha experiência na tenda foi terrível, mas não temos qualquer alternativa”.
Um dia depois de chegar a Yarmouk, Aisha mostrou sintomas de hipotensão. “Eu não sabia o que estava acontecendo. Dia após dia, eu ia de mal a pior, ao até mesmo desmaiar. Me levaram a um hospital e fui examinada por médicos, que disseram a meus filhos que meu problema era pressão baixa”.
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Aos 86 anos, Aisha precisa de cuidados — um banheiro adequado, um colchão confortável e roupas quentes para protegê-la dos meses do inverno. Nada disso existe em Gaza, sob o cerco de Israel. “Deixamos nossas casas sem nada. Temos quase nada, mesmo roupas, cobertores — nada. Não tem nada ou quase nada disso aqui”.
Apesar da destruição “sem precedentes” imposta por Israel, Aisha se diz “otimista” de que, desta vez, não voltará a Jabalia, mas a Hamama, de onde foi expulsa pelos milicianos coloniais sionistas em 1948.
Não tenha medo da destruição que a brutal ocupação israelense tanto nos infringe. Isso não é nada se continuarmos aqui, na nossa terra — e continuaremos. Pessoas sem raízes não podem expulsar pessoas cujas raízes têm milhares de anos, mesmo que contem mentiras sobre a história e enganem todo o mundo. Os sionistas vão embora, mais cedo ou mais tarde. Meu filho — estamos mais perto do que nunca de voltar para a casa.
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