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Soldados israelenses em Gaza ostentam má conduta

A América Latina contra o Estado Sionista: uma retrospectiva de 2024

Presidente da Colômbia, Gustavo Petro, se encontra com o presidente Lula no Palácio Itamaraty, em 30/05/2023, Distrito Federal, Brasil [Ricardo Stuckert/ PR]

Desde o 07 de outubro de 2023 com a Operação Dilúvio em Jerusalém e o consequente genocídio do povo palestino, a posição dos países latino-americanos acelerou seu realinhamento em relação a Israel. Se antes ainda era permeado um discurso de tipo “dois Estados, dois povos” sem explicar como pela denúncia de punição coletiva em uma guerra financiada pelos Estados Unidos e executada pelas tropas sionistas. No corrente ano de 2024, a anexação da Cisjordânia e os crimes em larga escala em Gaza proporcionaram que as diplomacias do Continente – nos países sob governo social democrata, nacionalistas ou anti-imperialistas – se posicionassem através da liderança da África do Sul.

Na breve cronologia que segue, verificamos como o posicionamento inicial da Bolívia, ainda em outubro de 2023, lidera as chancelarias da maior parte da América Latina. Isto se dá tanto no sentido de tanto enfrentar a projeção imperialista – através da cabeça de ponte sionista no Oriente Médio – como se contrapor às ameaças domésticas com a instrumentalização do voto evangélico como ameaça de giro à direita em nossos países.

Uma breve cronologia 

Em janeiro deste ainda corrente ano (2024), alguns países latino-americanos aderiam à ação jurídica da África do Sul, acusando o Estado Sionista de genocida. O conjunto de nações soberanas era bastante expressivo. A Organização dos Países Islâmicos (OIC), bloco que contém 57 membros, manifestou seu apoio ao caso já no fim de 2023. Também reiteram o apelo ao fim do genocídio o Ministérios das Relações Exteriores da Malásia, Turquia, Jordânia, Bolívia, Maldivas, Namíbia e Paquistão. A Liga Árabe, aliança com 22 membros, também afirmou aprovação ao caso sul-africano em janeiro de 2024, em conjunto com Colômbia e Brasil, que divulgaram seu apoio em comunicados de imprensa individuais no mesmo período.

Ou seja, em termos de retrospectiva, Brasil, Colômbia e Bolívia se somaram ao movimento jurídico e político promovido pela África do Sul. Duas adesões se deram na sequência. A diferença é de natureza, pois não apenas apoiariam a ação sul-africana mas também entrariam como parte interveniente na ação.

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A Bolívia deu início ao movimento de denúncia ao genocídio. Em 31 de outubro de 2023, o presidente Luis Arce já rompia relações com o Estado Sionista, afirmando que Israel comete crimes contra a humanidade em seus ataques à Faixa de Gaza. Em 2009, a Bolívia já havia cortado relações diplomáticas com o Apartheid; em 2020 o então governo golpista da ex-presidente Jeanine Añez havia restabelecido os laços.

Em fevereiro a ministra da Secretaria da Presidência da Bolívia, María Nela Prada, afirmava que o apoio do governo boliviano às declarações de Lula sobre o massacre de Israel na Faixa de Gaza é “firme e pleno”.

“Nosso presidente, Lucho Arce, se solidarizou justamente após as declarações de Lula e da investida que [as autoridades israelenses] estavam fazendo ao declará-lo ‘persona non grata’ em Israel. Os presidentes da Colômbia e da Bolívia foram criticados por essa solidariedade com Lula que, seguramente, é firme e plena. Estamos em uma luta que é mundial pelos direitos do povo palestino, pela Palestina livre e soberana. Claro que a voz que levantamos em espaços como esses é fundamental para que o povo palestino saiba que não está sozinho. Nós também aderimos ao processo da África do Sul na CIJ, em Haia, para se sejam investigados os crimes que estão sendo cometidos na Faixa de Gaza.”

Em maio o México pediu para entrar como parte constitutiva da ação movida pela África do Sul contra o Estado Sionista. No período, representava o terceiro país latino-americano, pois se juntava a Nicarágua e Colômbia.  No comunicado em que anunciou sua decisão, o governo do México explicou que o país “pretende intervir para contribuir com seu ponto de vista sobre a possível construção do conteúdo das disposições da Convenção relevantes para este caso”.

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Uma das motivações do México, anunciada em setembro último, diz respeito ao abrigo e proteção que o Apartheid Colonial na Palestina Ocupada, oferece a um cidadão mexicano acusado de grave violação de direitos humanos.

O presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, pediu que Israel esclareça se protege um ex-comandante de polícia mexicano acusado de tortura no contexto das investigações sobre o desaparecimento de 43 estudantes em 2014. Desde 2021, o México pede a Israel que entregue Tomás Zerón, ex-chefe de investigação criminal da promotoria. Os dois países não compartilham um acordo de extradição. Ele é acusado de cumplicidade no desaparecimento dos 43 estudantes da escola de professores de Ayotzinapa, ocorrido em setembro de 2014.

O agora ex-presidente afirma que: “Dizem que o protegem porque está ligado a fornecedores de armas e equipamentos. Há elementos de prova de que ele dirigiu o operativo de tortura”.

No mês de junho de 2024, o presidente chileno Gabriel Boric aderia à ação da África do Sul contra Israel com base na Convenção de Genocídio da ONU. Em mensagem ao congresso do país, anunciou que se juntaria à África do Sul na denúncia contra Israel por “genocídio”. Para Boric, “os palestinos estão vivendo uma “situação humanitária catastrófica que requer uma resposta firme da comunidade global”.

Em setembro de 2024, na Assembleia Geral da ONU, o presidente colombiano Gustavo Petro afirmou o óbvio, mas de forma direta. Vejamos:

“O presidente da Colômbia, Gustavo Petro, chamou o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, de “criminoso” pelo que descreveu como o “genocídio em Gaza”, durante o seu discurso na Assembleia Geral da ONU. No mundo existe uma lógica “de destruição em massa, desencadeada na crise climática e na lógica das bombas que um criminoso como Netanyahu lança sobre Gaza. Netanyahu é um herói para o 1% mais rico da humanidade, porque é capaz de mostrar que os povos se destroem sob as bombas”.

Em outubro um passo além foi dado pelo controverso governo Ortega-Murillo na Nicarágua. A primeira dama e vice-presidente Rosario Murillo afirmara que: “Nosso presidente instruiu a Chancelaria da República a proceder para o rompimento das relações diplomáticas com o governo fascista e genocida de Israel”. O distanciamento é histórico. Israel e Nicarágua tinham restabelecido relações diplomáticas em 28 de março de 2017, depois que Ortega rompeu os laços em 2010. Manágua também havia cortado os laços diplomáticos com Israel em 1982, durante o governo revolucionário sandinista liderado por Ortega após a revolução de 1979.

Apontando conclusões 

Observando o movimento acima de ruptura integral da Nicarágua, somado ao fato de que Israel e Estados Unidos insistiram no bloqueio econômico contra Cuba, vemos um traço de continuidade. Para os países latino-americanos, a proximidade com o Estado Sionista significa estar sob a ameaça interna do voto neopentecostal (liderando a pregação do sionismo evangélico) e a subalternização aos Comando Sul do Império. O inverso pode ser verdadeiro.

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A condenação ao genocídio palestino e as agressões ao Líbano mobilizam a opinião pública de nossos países e vão ao encontro das possibilidades de um posicionamento mais agressivo contra o Apartheid Sionista. O bloqueio midiático e a censura corporativa não estão conseguindo conter nem a indignação de uma parcela importante da população e nem coagir os governos social-democratas latino-americanos.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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