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Soldados israelenses em Gaza ostentam má conduta

Uma velha carruagem com cortinas

Autor do livro(s) :Ghassan Zaqtan
Data de publicação : Novembro de 2023
Editora :Seagull Books
Número de páginas do Livro :144 páginas
ISBN-13 :9781803092348

A impecável tecitura da memória palestina de Ghassan Zaqtan serve como recordação de quão longe pode chegar a memória coletiva em um espaço geopolítico não apenas confinado, como fadado a maiores fronteiras, constantemente erodido pelo colonialismo israelense e pela subsequente ocupação militar.

Livro derradeiro da trilogia do autor, An Old Carriage with Curtains Uma velha carruagem com cortinas, em tradução livre — não parte de onde terminou o livro anterior, Bird DisappearedPássaro desaparecido —, de 2018, embora os temas explorados carreguem similaridades.

Intercalado com a história prévia, este livro tem raízes nas navegações presentes do narrador ao tentar obter permissão de visita para que sua mãe vá à aldeia de Zakariyya. As meditações solitárias do autor, com base em observações incessantes, ilustram momentos característicos ao leitor, por vezes, fundidos com breves interações que ora beiram o absurdo, ora evocam contradições, emoções intensas e memórias que divergem.

A aldeia de Zakariyya é central ao romance. O pai e o tio do narrador estão mortos, ao aludir ao fim abrupto dos fios de recordações tornados inacessíveis. As narrativas de sua mãe contêm dois caminhos principais, que se conectam: uma estação de trem que desponta de Zakariyya, agora destruída, e sua amizade com uma mulher judia palestina, abalada pela Nakba, ou “catástrofe” de 1948. O narrador pondera então sobre os relacionamentos de amizade em termos de história oral, à medida que é a primeira vez que sua mãe fala de uma pessoa judia que não foi parte das milícias sionistas que estabeleceram os alicerces do Estado colonial.

Duas interações em particular, que ocorrem ao longo do romance, indicam reações distintas de seu narrador. Uma delas é com um senhor judeu, idoso, a quem pergunta do Túmulo de Salihi, ao evocar a dissonância entre memória e esquecimento no que concerne a Nakba de 1948. A outra diz respeito a uma mulher alistada ao exército israelense, comumente posicionada na travessia fronteiriça de Allenby, junto da Jordânia, e que se torna conhecida ao narrador no decorrer de suas viagens, até que ela lhe pergunta se ele gosta de viajar — uma pergunta que vê como intrusão.

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Viagem indica retorno, assim como deslocamento e sonho resiliente de voltar dos refugiados palestinos. Ao longo do romance, o conceito palestino do retorno permanece na vanguarda. Não existe outro caminho, paralelo ao sentido do deslocamento compulsório e da imensa saudade da terra. O retorno, porém, é também explorado como memória, no que concerne lugares e pessoas que por vezes se interconectam, como vemos no início do romance, quando o narrador recorda suas primeiras memórias em um monastério e de um grupo de amigos que viajou para visitá-lo, sob a percepção repentina de que talvez fosse ele o único deixado para trás.

Retorno, para a mãe do narrador, representa ainda outro obstáculo — um documento de autorização deferido pelas forças ocupantes que pode impedi-la sequer de entrar na aldeia de Zakariyya. Aqui, Zaqtan cria duas dimensões — a simplicidade de uma senhora idosa, para quem o retorno, embora breve e em um período tardio de sua vida, é rigorosamente vinculado à ideia de viajar; e o narrador, um viajante frequente, para quem o retorno é tomado por burocracia, violência e colonialismo israelense. Os postos de controle militar pelos quais ele tem de navegar, onde passa o tempo observando as pessoas — que eventualmente o fazem lembrar de pessoas de seu passado — representam realidades concretas que ora prorrogam, ora impedem retornos temporários à Palestina ocupada.

Outro conceito de retorno trata dos laços do narrador com uma atriz com quem se relacionou, mas falhou em compreender suas necessidades afetivas. Linguagem e dialeto são outros componentes que se tornam parte da consciência do autor de como os refugiados contribuíram para diferenças de comunicação: “Seu primeiro choque foram os dialetos e as estradas — aos quais acreditava não pertencer”.

Conforme se aprofunda as ponderações do narrador, dialetos se tornam interconectados ao conceito de retorno e o próprio retorno passa a se manifestar como um cenário tangível — embora, talvez, momentaneamente. Neste sentido, diz o autor: “Seu retorno se tornou um espaço que poderia se somar a todos os outros”.

A estação de trem se converte em uma metáfora a essas ideias. Para além da insistência da mãe sobre o cenário, ao convertê-lo em parte da memória do próprio narrador, mediante a história oral, a estação de trem tece caminhos para que o fluxo de consciência e sua subsequente conclusão: “Então, caminhou pelos trilhos enferrujados, como se tropeçasse na catástrofe e na morte de sua mãe na margem leste do rio”.

Quem sabe, para os palestinos, em seu exílio aparentemente sem fim, retorno seja sobretudo sobre memória. Zaqtan leva o romance final de sua trilogia a uma conclusão que serve quase como um convite para compreender seu começo.

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