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O caso de Abdul Rahman Yusuf al-Qaradawi expõe a loucura de lutar com palavras contra a força bruta

Abdul Rahman Yusuf al-Qaradawi foi visto pela última vez em público em Damasco em dezembro [Mídia Social via MEE]

O sequestro e a extradição de Abdul Rahman Yusuf al-Qaradawi não é apenas uma história de repressão. É um aviso; um estudo de caso sobre como o medo e a paranoia levam os regimes autoritários à loucura.

Seu crime? Poesia. Sua punição? Uma fuga secreta para as sombras, entregue nas mãos daqueles que veem as palavras como armas mais perigosas do que exércitos.

A rapidez da extradição de Qaradawi parece o roteiro de um thriller político. Em 28 de dezembro, ele foi detido na fronteira libanesa ao chegar da Síria e interrogado sobre uma condenação à revelia no Egito.

Então veio uma reviravolta desconcertante: os Emirados Árabes Unidos emitiram um mandado de prisão para um homem que não vivia em seus territórios nem possuía sua cidadania.

Em um crescendo surreal, o gabinete do Líbano, presidido pelo primeiro-ministro Najib Mikati, rapidamente se reuniu para aprovar sua extradição, com uma urgência reservada apenas para os casos mais urgentes. Um jato particular dos Emirados logo pousou em Beirute, levando Qaradawi embora como um refém em um drama de Hollywood de alto risco.

O único crime de Qaradawi foi empunhar sua caneta como arma de resistência. Durante anos, ele foi um crítico implacável de regimes autoritários, do Egito ao Golfo. Seus versos afiados e prosa ousada criticaram duramente a depravação de tiranos do Cairo a Abu Dhabi.

Mais recentemente, da Mesquita Omíada em Damasco, ele transmitiu ao vivo um chamado poético para apoiar a revolução síria, repreendendo desafiadoramente os “sionistas árabes” por oprimirem ferozmente seu próprio povo.

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Em poucas horas, uma máquina de terror entrou em ação, rotulando-o como um criminoso perigoso e orquestrando sua captura.

Desapareceu sem deixar rastros

A história aterrorizante de Qaradawi lembra dolorosamente a do jornalista Jamal Khashoggi, brutalmente assassinado há seis anos dentro do consulado saudita em Istambul, seu corpo desmembrado e provavelmente cremado ou dissolvido em ácido, desaparecendo sem deixar rastros.

De fato, o caso de Qaradawi não é uma anomalia. Ele saiu direto do manual autoritário – um vislumbre da crescente solidariedade entre as ditaduras árabes.

Esses regimes não estão apenas suprimindo seus próprios cidadãos; eles estão colaborando através das fronteiras para esmagar qualquer voz que desafie seu domínio do poder. A pequena Abu Dhabi, com sua vasta riqueza e influência descomunal, se tornou o epicentro dessa repressão.

Do coração de Damasco, o espírito traído da Primavera Árabe ressurge, lembrando-nos do efeito dominó que esses regimes temem acima de tudo

Desde que o golpe militar do Egito em 2013 extinguiu o experimento democrático do país, os ditadores do mundo árabe se uniram em uma aliança profana. Sua missão compartilhada? Enterrar o legado da Primavera Árabe, silenciando seus campeões e desmantelando suas esperanças.

Do Egito à Líbia, do Iêmen ao Bahrein, a maré contrarrevolucionária varreu a região, corroendo as liberdades sob o pretexto de restaurar a estabilidade. A Tunísia, o último bastião da Primavera Árabe, caiu sob o peso do populismo do presidente Kais Saied, encorajando ainda mais essa coalizão de repressão.

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Na vanguarda desta campanha estão os Emirados Árabes Unidos, que armaram seu poder financeiro e se alinharam com forças globais de extrema direita para estender seu alcance muito além de suas fronteiras.

Sua estratégia é de sufocamento – fechando todas as avenidas para mudança, todos os espaços para dissidência. O “clube das ditaduras árabes” opera sob o princípio de que nenhuma rachadura, não importa quão pequena, pode crescer.

Ilusão de vitória

O recente renascimento do fervor revolucionário na Síria destruiu sua ilusão de vitória. A queda do regime de Bashar al-Assad após menos de duas semanas de resistência armada enviou ondas de choque por esses regimes, reacendendo os medos do efeito dominó que varreu a região pela primeira vez há uma década. De repente, cada ditador árabe viu seu próprio reflexo nas estátuas derrubadas de Assad, pisoteadas pelos pés jubilosos de multidões libertadas.

O que aterroriza esses déspotas não é apenas a revolução, mas seu poder duradouro de inspirar. As demandas da Primavera Árabe – liberdade, dignidade e justiça – permanecem vivas nos corações de milhões.

Essas autocracias sabem que sua estabilidade é frágil, seu governo empoleirado precariamente à beira do medo. Eles temem a possibilidade de que outra faísca pudesse acender, espalhando-se como fogo de uma capital árabe para outra.

Por enquanto, essas ditaduras impuseram uma paralisia sufocante, silenciando a oposição sob o pretexto de “estabilidade”. Prisões em massa, execuções públicas, censura da mídia e a erradicação da sociedade civil se tornaram as ferramentas de seu ofício. Mas a história não está do lado deles.

Revoluções não são eventos singulares; são ondas que refluem e fluem, implacáveis ​​em sua busca por mudanças. Contrarrevoluções, não importa quão brutais, são inerentemente insustentáveis.

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Do coração de Damasco, o espírito traído da Primavera Árabe ressurge, lembrando-nos do efeito dominó que esses regimes temem acima de tudo. Este é o pesadelo que assombra ditadores como Mohammed bin Zayed dos Emirados Árabes Unidos, Abdel Fattah al-Sisi do Egito e Saied da Tunísia – um pesadelo onde o povo reivindica seu poder, onde as palavras despertam movimentos e onde a promessa de mudança se recusa a morrer.

De Tânger a Muscat, o nome de Qaradawi está agora nos lábios de todos os árabes. Seus versos estão sendo recitados, compartilhados e celebrados como nunca antes, expondo a estupidez de lutar contra palavras com força bruta.

Não importa o quão ferozmente as ditaduras árabes apertem seu controle, elas não podem conter as marés da revolução. A mudança é inevitável, e o espírito de resistência sempre encontrará uma maneira de se erguer novamente.

Artigo publicado originalmente no Middle East Eye em 16 de janeiro de 2025

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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