Quando os invasores partiram,a casa estava envolta em fumaça.
O túmulo do meu avô profanado,
suas pedras sagradas profanadas com palavras estrangeiras.
O corpo da minha mãe estava despedaçado,
fragmentado em mil pedaços.
Minhas memórias, e todos aqueles que as fizeram,
pereceram.
Mas a oliveira permaneceu.
Ela cresceu mais forte,
suas raízes alcançando mais fundo na terra.
Seu óleo iluminou o céu —
Por mil anos.
(Ramzy Baroud)
O trecho do poema intitulado “Os invasores não entrarão na nossa casa”, de autoria do jornalista palestino Ramzy Baroud, evidencia a prática de sumud (persistência e firmeza) que tem reservado à humanidade cenas inspiradoras da resistência heroica de um povo que se recusa a ser apagado do mapa.
O cessar-fogo veio a partir do último 19 de janeiro, após 15 meses de genocídio em Gaza e toda sorte de atrocidades transmitidas ao vivo para o mundo. Analistas falam em pelo menos 300 mil palestinos assassinados pela ocupação sionista, a maioria mulheres e crianças, nesta nova fase da contínua Nakba – a catástrofe palestina cuja pedra fundamental é a formação do Estado racista de Israel em 15 de maio de 1948. Já começam a ser encontrados centenas de corpos sob os escombros.
Israel vem fazendo de tudo para melar a celebração justa diante da importante vitória da resistência heroica, mas os palestinos desafiam a ocupação sionista. Apesar das ameaças sionistas aos presos políticos e familiares antes de sua libertação das masmorras odiosas, eles se recusam a silenciar. Expõem ao mundo os horrores por que passaram e, altivos, mostram-se gigantes em seu corpo diminuto e desnutrido, marcado pela fome e tortura, muitas vezes por décadas. Cercados pelo seu povo, que não se intimidou e lotou as ruas para recebê-los, saudaram a resistência de seu povo. Não perdem a perspectiva da libertação.
Duzentos e noventa presos políticos palestinos alcançaram a liberdade pelas mãos da resistência em Gaza nas primeira e segunda trocas por sete prisioneiras israelenses – que saíram sorridentes, saudáveis e receberam certificados e presentes da resistência palestina. As quatro últimas foram liberadas devidamente uniformizadas como soldadas das forças de ocupação que são. Uma imagem vale mais do que mil palavras mentirosas da propaganda sionista.
Completam o quadro as cenas épicas e carregadas de simbolismo do retorno dos deslocados internos de Gaza para suas terras no norte. Em 76 anos de contínua Nakba, o mundo se acostumou a ver imagens de deslocamento; desta vez, o povo palestino impôs seu retorno na estreita faixa. Nos dias anteriores, centenas de milhares aguardavam nas portas do corredor Netzarim e, a cada tentativa, Israel disparava – matando e ferindo, mesmo em meio ao cessar-fogo, dezenas.
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O povo palestino não se deu por vencido. No trajeto, crianças palestinas cantavam músicas revolucionárias; jovens hasteavam no alto a bandeira palestina; idosos e pessoas carregando bebês se juntavam na travessia. Eles sabem que vão encontrar destruição, mas a terra é deles; vão reconstruir tudo.
São cenas de um povo que se recusa a deixar sua terra e que envia um recado nítido a Trump em sua proposta indecorosa de limpeza étnica de 1,5 milhão de palestinos de Gaza e envio à Jordânia e Egito:
“Não vamos sair de nossa terra. Não vamos abandoná-la para os ocupantes.”
A proposta escandalosa já levou Liga Árabe, Jordânia e Egito a recusarem. A causa palestina, como sabem esses regimes, é também dos povos árabes – e isso seria inadmissível para estes.
Não é novidade que Trump gostaria de entregar Gaza para seus asseclas construírem uma colônia de férias e resorts. Os palestinos seguem a desafiar essa pretensão.
Que a vitória da resistência heroica e histórica inspire a solidariedade a seguir. Não é momento de desmobilizar, pelo contrário. Enquanto o cessar-fogo segue em sua primeira fase, Israel continua a ameaçar sua permanência, ao tempo que amplia a limpeza étnica e apartheid na Cisjordânia e reproduz o “experimento Gaza” em Jenin – em que a gerente da ocupação Autoridade Palestina preparou antes o terreno para tanto.
Urge seguir ecoando as vozes palestinas e levantando a bandeira palestina, contra toda forma de colaboração com o sionismo, pelo fim da cumplicidade internacional e pela libertação. O momento ainda é agora.
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