Um coletivo na Síria gerou indignação nesta semana ao deixar pinturas e grafites sobre as paredes de um presídio do país, ao incitar acusações de encobrir a história e evidências em potencial de violações de direitos humanos contra os ex-prisioneiros, cometidas pelo regime deposto de Bashar al-Assad.
O grupo Sawaaed Al-Khair — ou Braços da Boa Vontade — postou um vídeo de alguns de seus membros cobrindo as paredes da Diretoria de Segurança em Latakia com bandeiras da revolução e mensagens de suposta esperança. Seu líder — ao que parece — é Yazan Fwity, que foi apresentador de um canal de televisão financiada pelo antigo regime.
Usuários nas redes sociais condenaram o ato, incluindo sírios e ativistas que acusaram o coletivo de desrespeitar a memória daqueles aprisionados e mortos e incorrer em ações que, na prática, apagam possíveis provas de crimes de guerra e lesa-humanidade.
“Essa iniciativa poderia ser mais estúpida? Mais desrespeitosa? Apagar as memórias da prisão de alguém de uma parede não é algo que devemos comemorar. É uma das piores coisas que se pode fazer contra aqueles que sofreram nos calabouços de Assad”, reagiu um usuário das redes sociais.
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Prisões e centros de detenção foram cruciais ao aparato repressivo do governo de Assad, usados para suprimir a dissidência e conhecidos por seu uso generalizado e sistemático de tortura física e psicológica, violência sexual, maus tratos e execuções em massa.
Mais de 130 mil pessoas foram detidas ou desapareceram ao longo dos anos.
Após a queda de Assad em 8 de dezembro, fotos e vídeos de dentro das prisões tomaram as redes sociais, revelando que muitos dos prisioneiros usaram as paredes das celas para registrar suas experiências, expressar sua dor e gravar seus nomes e telefones de alguns de seus parentes.
Could this initiative be more dumb? More inconsiderate?
Erasing someone’s arrest memories from a wall is not worth celebrating. It is one of the worst things you can do to those who have suffered in Assad’s dungeons. https://t.co/on1XkXDi7C
— Karam Shaar كرم شعّار (@Karam__Shaar) January 14, 2025
Para os sírios — muitos dos quais ainda estão à procura de informações sobre familiares desaparecidos —, tais registros seriam evidência em potencial para o processo há muito esperado de justiça de transição.
“O que aconteceu é um verdadeiro crime contra os prisioneiros e mártires e apagamento da história e das provas que condenam o regime”, destacou um usuário nas redes sociais. “Este comportamento não pode ser tolerado e é preciso responsabilizar quem quer que contribua em obscurecer os fatos e em brincar com a dor das pessoas para obter ganhos pessoais ou políticos e exonerar os criminosos”.
Outro cidadão alertou: “As prisões, os centros de detenção e as repartições de segurança do Estado não são um playground para obter likes nas redes sociais”.
Holy shit, this is absolutely horrific. They are literally painting over names of victims, perpetrators, family members, addresses and mobile numbers. All desperately etched by victims of Assad’s holocaust.
Where are the damn authorities!?! Why isn’t there an emergency task… https://t.co/dzc5dXKgPC
— Karim (@Idlibie) January 14, 2025
A indignação online levou o coletivo a deletar o vídeo e insistir que não pintou nada sobre as paredes das celas, mas apenas na sala de espera. O grupo apontou ainda que obteve autorização de segurança do aparato atual para sua iniciativa.
Mais tarde, no entanto, o coletivo apagou todas as suas páginas nas redes sociais.
Ativistas, contudo, pouco cederam e continuaram a expressar seu descontentamento, ao pedir que os responsáveis por permitir a ação fossem identificados.
A ativista síria Celine Kasem disse crer que as pessoas envolvidas, incluindo quem deferiu a ação, estavam absolutamente cientes das implicações do que estavam fazendo. “Estou enfurecida”, enfatizou Kasem. “Essas pessoas não são idiotas, sabiam muito bem o que estavam fazendo. Algumas delas chegaram a servir de porta-voz do regime. É lógica que lhes falta? Ou foi intencional? Exigimos que essas pessoas e aqueles que permitiram que fizessem isso sejam responsabilizados por mais este crime”.
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Muitos sírios estão reivindicando agora medidas mais rigorosas de segurança nas prisões.
“É um ato infeliz, egoísta e irresponsável”, disse um cidadão sírio. “As autoridades legais devem consideras medidas sérias para preservar os calabouços, carregados de histórias de partir o coração, daquele regime brutal que enfim caiu”.
“Por que é que o prédio não tinha segurança ou ao menos um alerta no portão”, perguntou outro usuário. “É uma loucura. É irresponsável. Francamente, prendam todos eles”.
Yazan, a former regime TV journalist, is leading a campaign to erase Assad’s crimes by altering the appearance of prisons, repainting them, and drawing on their walls.
This action targets one of the most significant remnants we have from the detainees whose fate remains unknown,… pic.twitter.com/Z33XMzAX5z
— Samer Daboul (@samerdaboul6) January 14, 2025
Emnota, a Rede Síria para Direitos Humanos (SNHR) pediu que as autoridades do governo interino investiguem o coletivo Sawaaed al-Khair por potencialmente “adulterar cenas de crimes”, além de adotar medidas para evitar acesso não-autorizado às prisões.
“Este comportamento irresponsável é uma ameaça direta aos esforços para documentar violações que acreditamos terem ocorrido nessa instalação, para determinar o destino de prisioneiros mantidos ali e responsabilizar todos aqueles envolvidos em tortura”, declarou o tradicional grupo de direitos humanos.
A rede Middle East Eye, que produziu esta reportagem, tentou contactar Yazan Fwity para que comentasse o incidente — contudo, não obteve resposta.
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Este artigo foi publicado originalmente em inglês pela rede Middle East Eye, em 20 de janeiro de 2025